Servitização

3.1 flexM4I > abordagens e  práticas > Servitização (versão 3.2)
Autoria: Sânia Fernandes (sania.scf@gmail.com) e revisada por Henrique Rozenfeld (roz@usp.br)  

Definições

O termo servitização surgiu em 1988, sendo definido como

a oferta de pacotes completos de combinações de produtos, serviços, suporte, autosserviço e conhecimento (Vandermerwe & Rada, 1988).

Onze anos depois, em 1999, foi proposto o termo Sistema Produto-Serviço (PSS – product-service system, em inglês), que é definido como um sistema (uma coleção de elementos e suas relações) que combina produtos e serviços para atender às necessidades de um grupo de usuários (Goedkoop, 1999). Desde então esses dois termos eram confundidos e defendidos por comunidades diferentes. PSS chegou a ser considerado como um tipo de servitização (Baines et al., 2007). Recomendamos que você leia primeiramente esta seção e depois leia a seção que apresenta o Sistema Produto-Serviço (PSS).

Atualmente, existem várias comunidades que pesquisam a servitização e seu significado evoluiu de acordo com algumas correntes de pensamento. Veja neste link uma lista de definições de servitização em inglês.

De uma forma geral, existe hoje um consenso que …

a servitização é um processo de transformação de uma empresa orientada a produtos em uma empresa orientada à oferta de serviços.

Esse processo pode começar pela adição de serviços à oferta de produtos ou pela implementação de um novo modelo de negócio. A transformação envolve uma mudança de mentalidade e cultura, voltada a serviços. É um processo evolutivo. Nos casos de inovação do modelo de negócio, geralmente a empresa passa a oferecer um sistema produto-serviço (PSS) para o mercado.

Mas não são todas as comunidades que associam a servitização ao PSS. Vamos apresentar a servitização discutindo os tipos de serviços e em seguida iremos associar com o PSS.

Consulte as definições de PSS e outros termos equivalentes, que às vezes podem ser confundidos com servitização.

Qual a razão para uma empresa trilhar o caminho da servitização? Temos três perspectivas: a dos clientes, a da sua empresa e a dos outros stakeholders.

Clientes desejam algo além dos produtos

A perspectiva dos clientes

Os clientes desejam produtos com ótimo desempenho (que, em um aspecto geral, também inclui a experiência do usuário na relação B2C) e que não falhem. Essa é uma condição básica. Mas eles desejam mais. Os clientes demandam atenção, serviços customizados, apoio e conselhos (Mathieu, 2001).

A cultura orientada a produtos das empresas de manufatura faz com que o foco seja entregar e instalar ótimos produtos e dar assistência quando necessário. Muitas empresas não se envolvem com as necessidades emocionais dos clientes e nem enfatizam a empatia. Quanto mais padronizada a solução, menor o custo, maior a escala e melhores as margens. Só que os clientes querem algo a mais.

Os clientes, desejam: 

  • apoio na tomada de decisão para selecionar o produto e pacote de serviços associados
  • apoio para financiamento da compra e/ou uso (aluguel, leasing, empréstimo a juros menores que os de mercado) 
  • pagar por desempenho do produto (uso, resultados, qualidade, eficiência etc)
  • apoio ao especificar as diferentes aplicações do produto 
  • um menor custo de propriedade (TCO – total cost of ownership) ao longo do ciclo de vida do produto
  • soluções para que seus problemas, dores, necessidades e desafios específicos sejam atendidos / resolvidos
  • soluções customizadas para o seu caso específico
  • atendimento personalizado
  • treinamento personalizado de uso e resolução de problemas relacionados com o produto 
  • resolução rápida de problemas
  • manutenção eficaz (preventiva, preditiva e corretiva – reparos)
  • apoio para otimizar o uso do produto (coleta e análise de dados, consultoria etc.)
  • apoio para especificar uma melhor combinação com outras soluções (softwares, outros equipamentos, layout, instalações etc.)
  • enfim, no relacionamento B2B, os desejos dos clientes envolvem todos os itens anteriores para que o relacionamento com o provedor do produto / da solução seja único e “exclusivo”
  • e no relacionamento, B2C, o cliente dá ainda grande importância à experiência com o produto, que exige então que o produto seja útil, utilizável, fácil de interagir, agradável, acessível etc.
  • em produtos digitais, essa experiência do usuário é muito importante e deve ser associada à credibilidade das informações
  • apesar de enfatizarmos a experiência do usuário no relacionamento B2C, na verdade, no relacionamento B2B também existem usuários, que também desejam ter uma ótima experiência com o produto
  • que os produtos e serviços associados tenham um menor impacto ambiental e social de acordo com os seus parâmetros pessoais de avaliação e percepção  

No fundo, para atender a maior parte dos seus desejos (*), as empresas precisam focar em serviços para proporcionar uma experiência única e diferenciada com a marca da empresa. Os produtos são “secundários”, desde que tenham a condição básica de um ótimo desempenho e confiabilidade, como mencionamos no início deste tópico.

(*) Nota: mencionamos desejos para simplificar a frase, mas como citado acima, os clientes desejam “soluções para que seus problemas, dores, necessidades e desafios específicos sejam atendidos / resolvidos”.

Mesmo assim, a cultura de alguns clientes ainda está voltada para a compra de produtos, o que vem mudando conforme o mercado evolui.

Na relação B2C, existem clientes que desejam o “glamour” de possuírem certos produtos. Porém, cada vez mais, os clientes preferem produtos que trazem mais benefícios.

Por exemplo, você já pensou em um celular com poucos Apps no ecossistema? Já pensou se o seu internet banking não tiver um App para o seu celular? Ou seja, o seu celular pode ter todas as funcionalidades que você gostaria, mas se o App do seu banco não puder ser instalado nele, você não ficará satisfeito.

Por que oferecer mais serviços?

A perspectiva da empresa

Antes de tudo, a empresa precisa atender às expectativas dos clientes (tópico anterior), caso contrário um concorrente pode atender, fazendo com que ela perca mercado. A seguir, listamos algumas razões pelas quais as empresas devem pensar em oferecer mais serviços (alguns itens foram adaptado de Cusumano et al., 2015):

  • oferecer serviços complementares aos produtos podem alavancar novas vendas, pois os clientes enxergam mais valor na oferta integrada;
  • a oferta de serviços é essencial para que os clientes decidam comprar e usar alguns produtos. Torna-se uma diferenciação com relação à oferta dos concorrentes, além de trazer receitas adicionais;
  • quando o produto é fácil de ser imitado, as empresas precisam ofertar serviços complementares para se diferenciar e, assim, lucrar com a inovação e alavancar a difusão da marca no mercado;
  • a oferta de soluções customizadas, personalizadas e, portanto, “específicas” para um determinado cliente ou um grupo de clientes semelhantes, torna a oferta mais competitiva (se comparada com a oferta de produtos padronizados, que se tornam “comoditizados”);
  • serviços (como de consultoria, manutenção e reparo) podem ajudar a construir uma relação mais estreita com os clientes, o que abre a possibilidade de se vender novas versões das ofertas para os mesmos clientes por muito tempo, uma das práticas da abordagem de customer success;
  • as receitas e lucratividade com serviços podem ser mais estáveis e recorrentes, do que a venda de produtos que sofre de sazonalidade (tem momentos de venda e outros sem);
  • diversificação de receitas;
  • em produtos com ciclos de vida longos  (por exemplo, aviões e bens de capital intensivo), principalmente na fase de uso, as receitas com serviços ao longo dos anos podem superar em muitas vezes a receita com a venda de produtos.

Wang et. al. (2018) confirmaram que a servitização tem um efeito positivo (e significante) sobre o desempenho das empresas de manufatura. Eles consideraram tanto o desempenho financeiro, como o não financeiro com base nos seguintes indicadores:

  • desempenho financeiro: crescimento das vendas, margem de lucro, retornos sobre os ativos e sobre os investimentos.
  • desempenho não financeiro: satisfação do cliente, desempenho do cliente com os serviços, desempenho estratégico e da inovação.

No estudo deles, o efeito no desempenho não financeiro foi maior do que no financeiro. Alguns fatores contextuais podem ser determinantes para se obter um desempenho financeiro (Wang et. al.; 2018). A implementação da servitização pode exigir muitos recursos e investimentos, o que pode complicar o retorno a curto prazo, que discutiremos mais adiante no tópico “o paradoxo do serviço”.

Outros stakeholders

A perspectiva de outros stakeholders (além dos clientes)

Veja aqui um checklist de possíveis stakeholders. Cada um desses outros stakeholders também possuem desejos e necessidades. Uma análise detalhada desse checklist pode revelar novas necessidades, que podem ser atendidas pela servitização.

A servitização tem o potencial de influenciar positivamente a sustentabilidade, principalmente no caso de “desmaterialização” do produto por meio da oferta de um sistema produto-serviço. Ela vai de encontro ao atendimento das necessidades dos stakeholders: sociedade e órgãos reguladores.

Leia sobre isso no tópico “servitização e sustentabilidade” (que faz parte do conteúdo de nível avançado).

A oferta de serviços pode envolver vários atores de um ecossistema de inovação. Assim, a servitização deve atender às necessidades desses atores para garantir a competitividade da solução integrada ofertada no mercado.

Servitização e PSS

Vimos que a servitização pode envolver:

  • somente a adição de serviços à oferta de produtos ou 
  • a implementação de um novo modelo de negócio, um sistema produto-serviço (PSS), também conhecido como “algo as a service”.

“algo as a service” pode ser:
– uma funcionalidade como serviço (exemplos: mobility as a service ou lighting as a service)
– um produto como serviço (exemplos: equipment as a service ou software as a service)

Leia mais sobre isso em “Outros termos que representam um PSS”. 

PSS como resultado da servitização

Alguns autores afirmam que o resultado da servitização é um PSS. Na maior parte das vezes, ao final dessa transformação, é o que ocorre: a empresa torna-se uma provedora de PSS. Mas essa não é uma condição necessária. É muito mais do que isso. O resultado da servitização é a empresa ser capaz de prover serviços combinando diversos tipos de PSS e, mais importante,  incorporar a mentalidade e cultura orientada a serviços.

Vamos analisar o termo PSS: sistema produto-serviço em cima de um exemplo ilustrado na próxima figura (a definição de PSS está na abordagem correspondente).

Figura 337: exemplo de um PSS de um fabricante de automóveis com alguns dos elementos do negócio

Muitos imaginam que um PSS é composto apenas pelo produto e pelos serviços. Para prover os serviços, existe muita coisa por trás: os processos, os recursos necessários (máquinas, equipamentos de fabricação, infraestrutura de informática e comunicação, canais, tecnologias etc.), as pessoas que vão realizar as atividades dos processos, os parceiros do ecossistema para prestação de serviços e oferta de produtos complementares, o fabricante do produto etc. Às vezes, o próprio usuário faz parte do sistema, quando ele contribuir com a co-criação de valor.

Nas empresas orientadas a produtos, alguns desses processos ocorrem de forma ad-hoc, ou seja, ocorre uma vez quando o produto é entregue ou quando as empresas são acionadas pelos clientes (para manutenção, por exemplo). No caso do PSS, esses processos estão constantemente associados à oferta e com canais diretos de comunicação com os clientes, seja por meio do monitoramento da operação ou acionamento de manutenção preditiva ou outras ações de maneira proativa.

Essa visão ampla de PSS (“o sistema de oferta de serviços associado a um produto”) apoia a afirmação de que o “resultado” da servitização é um PSS, confirmando o que alguns autores dizem.

Isso, porém, não está de acordo com alguns pesquisadores da área de serviço, que não usam o termo PSS. Nós também consideramos que hoje existem termos mais práticos para se usar (“alguma coisa as a service”, como você pode ver na descrição da abordagem sobre PSS), que substitui o termo PSS, apesar de possuir o mesmo significado.

Alguns pesquisadores em servitização adotam o termo produto “servitizado”. No nosso entendimento, este termo é sinônimo de PSS. Não queremos entrar aqui em uma discussão semântica. Não podemos esquecer que a servitização é um processo de transformação da empresa, que resulta no SISTEMA produto-serviço, como indicamos acima. Portanto, consideramos importante utilizar o termo sistema ou utilizar a “funcionalidade as a service”, como nos exemplos de mobility as a service, equipment as a service, como mostramos no tópico “Outros termos que representam um PSS” da seção sobre PSS.

Consideramos, ainda, que a servitização é um caso específico de inovação do modelo de negócio (BMIbusiness model innovation), pois na maioria das vezes, prover serviços envolve uma mudança do modelo de negócio.

Leia mais sobre isso no tópico “servitização e inovação do modelo de negócio” (que faz parte dos níveis de detalhamento de treinamento e avançado mais adiante).

Organização após a servitização

A servitização de uma empresa de manufatura demanda o gerenciamento de mudança organizacional para preparar, orientar e apoiar as pessoas ao longo do processo de transformação. A mudança principal ocorre na mentalidade (mindset), nas atitudes das pessoas envolvidas nesse processo e na cultura organizacional. Elas passam a incorporar a lógica orientada a serviços.

Novos processos também são necessários, assim como recursos, estratégias e pessoas, ou seja, um novo modelo de negócio.

O PSS é ofertado por outra organização

A recomendação é que a provedora de serviços, inicialmente, e de PSS depois, seja transferida para uma outra organização. Na verdade, podem haver outros arranjos organizacionais para aproveitar a sinergia de áreas de apoio comuns, tais como: gestão de pessoas, infraestrutura, financeira, jurídica etc.

Cada caso é um e o novo arranjo organizacional geralmente acomoda forças históricas da empresa.

Mas o senso comum é …

vendas e prestação de serviços com todos os processos relacionados devem ficar em uma organização separada para nutrir a nova cultura.

Vendedores que obtinham comissões de vendas de produtos, não ficam motivados para vender assinatura de serviços.

Servitização versus design de PSS

Quando a empresa não possuir a mentalidade e cultura de prover serviços e a servitização tiver como objetivo tornar a empresa provedora de um PSS, a transformação do modelo de negócio, gestão da mudança e o desenvolvimento de uma primeira oferta de PSS estão inseridos na servitização, como ilustra a próxima figura.

Observe que não usamos o termo “processo de servitização”, pois a servitização tem o significado de ser um processo de transformação.

Depois que a empresa passar pela servitização e incorporar a lógica, processos, mentalidade e cultura da oferta de serviços, ela se torna uma provedora de PSS. A servitização e o design de PSS confundem-se. 

Ou seja, a partir desse momento não faz mais sentido usar o termo servitização, pois a cada desenvolvimento de uma nova oferta, estamos desenvolvendo um PSS (PSS design). Esses novos desenvolvimentos podem incluir ajustes ou um redesenho do modelo de negócio. Isso mostra que o escopo da servitização é mais abrangente do que o do design do PSS. Existe uma equivalência entre algumas atividades da servitização relacionadas com o design do PSS.

Figura 339: ilustração do processo de servitização visando obter um PSS, quando se transforma uma empresa orientada à venda de produtos em uma empresa orientada a serviços, com uma nova mentalidade e cultura. Essa transformação inclui o desenvolvimento de um primeiro PSS. Depois que a mentalidade e a cultura forem incorporadas, os próximos desenvolvimentos de PSS podem ser considerados apenas um design de PSS.

Na servitização temos de mudar o modelo de negócio, a mentalidade das pessoas (mindset) e a cultura organizacional.
No design do PSS o novo paradigma já está presente na organização.

O uso desses termos segundo as comunidades

As comunidades de engenharia e design usam mais o termo design de PSS, e as de administração servitização. Mas isso não é importante para a nossa metodologia. Por isso, podemos continuar a confundir ambos os termos, quando se trata do desenvolvimento de um PSS.

A servitização pode envolver somente a mudança de mentalidade e o desenvolvimento de serviços não relacionados a produtos. Neste caso, voltamos à definição de que PSS é um caso especial de servitização.

Servitização versus Produtização

A transformação por meio da servitização está representada do lado esquerdo da próxima figura, retirada de uma publicação clássica sobre o assunto (Baines et al., 2007). Do lado direito está o processo de produtização. Algumas empresas focadas em serviços passam a incorporar produtos como meio de prover os serviços.  

Por exemplo, alguns bancos focados em serviços reuniram-se e criaram a TecBan em 1982 para desenvolver produtos para apoiar sua operação. O produto mais famoso é o banco 24 horas, mas hoje em dia a TecBan desenvolve outras soluções (https://www.tecban.com.br/).

Embora o ponto de partida da servitização (já fornece produtos) e da produtização (já fornece serviços) sejam distintos, no fim, em ambos os casos, a empresa passará a fornecer um PSS.

Figura 338: comparação dos termos servitização e produtização

Existem empresas com mais de 40 anos que já fornecem PSS sem nunca terem usado este termo.  Elas também não chamaram o processo de transformação de servitização. Nos últimos anos, esse processo está sendo sistematizado, teorizado e divulgado para que outras empresas possam adotá-lo.

Benefícios e limitações

Apesar da servitização ser mais abrangente que o PSS, os benefícios e barreiras das duas abordagens são semelhantes. Por isso, este tópico está presente no conteúdo das duas abordagens.

Inicialmente, apresentamos os benefícios da adoção do PSS para:

  • a sua empresa, que pode ser fornecedora/provedora de PSS; 
  • os clientes;
  • o meio ambiente; 
  • o governo ou sociedade.

Em seguida, destacamos algumas barreiras à implantação do PSS.

Benefícios para Fornecedor / Provedor de PSS

  • Aumento de mercado, pois nem todos os clientes possuem recursos para adquirir o produto e depois pagar pelos serviços adicionais.
  • Aumento e maior previsibilidade e estabilidade do fluxo de caixa em função das receitas recorrentes
  • Promoção de um relacionamento de longo prazo com o cliente, o que possibilita obter informações para a melhoria de produtos e serviços e estabilidade nos negócios
  • Fidelização do cliente e garantia da venda de consumíveis
  • Oportunidades para inovação incremental
  • Maior feedback a respeito das necessidades dos clientes
  • Otimização da assistência técnica
  • Garantia de uma operação correta do produto
  • Maior conhecimento do produto no ambiente de aplicação e garantia de uma operação correta
  • Melhor valor da marca e da imagem da organização
  • Imagem de empresa, eficiente, sustentável e de resposta rápida
  • Atendimento de legislações ambientais

Benefícios para Cliente / Usuário

  • Aumento da satisfação, pois percebe o maior valor na oferta
  • Liberdade das responsabilidades decorrentes da posse do produto
  • Não precisa desembolsar um valor elevado para aquisição do produto
  • Poder usufruir do produto e serviços associados, pois não é necessário um investimento elevado. Poder realizar pagamentos menores, previsíveis e de acordo com o seu uso
  • Menor risco de parada da operação do produto em função da disponibilidade garantida do produto e da manutenção preditiva
  • Atualização do produto sem necessidade de um novo investimento
  • Produto mantido em bom estado de uso
  • Acesso a maiores diversidades de serviços, formas de pagamento e escolhas no mercado
  • Customização para atender a necessidades específicas

Benefícios para o meio ambiente

  • Redução no uso de recursos naturais
  • Produtos projetados para terem maior durabilidade (devido à maior robustez) e reciclabilidade (possibilidade de reuso, reparo, recondicionamento e remanufatura )
  • Aumento do ciclo de vida do produto, pois o design não visa a obsolescência
  • Abordagem mais sustentável para os negócios
  • Desmaterialização dos produtos e planejamento do ciclo de vida do sistema (há controvérsias, veja os “Efeitos rebote de iniciativas da economia circular”)
  • Ganho ambiental

Benefícios para o governo / sociedade

  • Menores custos e problemas associados com compra, uso, manutenção e troca de produtos
  • Aumento nos empregos do setor de serviços
  • Gerenciamento mais eficiente de resíduos sólidos
  • Economia mais ambientalmente sustentável
  • Formulação de políticas de promoção de padrões de consumo e estilos de vida sustentáveis

 

Mas, ainda há barreiras que precisam ser superadas para a implantação do PSS. Apresentamos tais barreiras abaixo.

Principais barreiras

  • Dificuldade em mudar cultura orientada a produtos
  • Falta de aceitação dos clientes em relação ao consumo sem propriedade do produto
  • Conflito estratégico: vender mais produtos versus prover mais serviços e aumentar a vida útil do do produto
  •  Relutância para internalizar o custo do ativo e incertezas em relação ao fluxo de caixa
  •  Legislações não conseguem abranger as características da PSS
  • Falta de incentivos governamentais para criação de soluções melhores para o meio ambiente
  • Pesquisas em PSS são fragmentadas e não voltadas para aplicação
  • Falta de metodologias práticas para desenvolvimento e  implementação do PSS
  • Inexistência de um consenso sobre as definições e modelo de negócio
  • Barreira financeira: relutância para internalizar o custo de ativos (produto) caros no caso de PSS orientado ao uso ou ao resultado, devido a incertezas em relação ao fluxo de caixa e com período longo de payback até obter receitas recorrentes (veja o tópico “paradoxo da servitização e questões financeiras” da seção “servitização”)

Relação com a inovação

A servitização refere-se a um processo de inovação para a criação de valor adicional para a empresa por meio da transição de um negócio tradicional para um negócio que oferece produtos e serviços integrados (Baines et al., 2017; Smith et al., 2014). Ao mesmo tempo em que cria novas capacidades de agregação de valor, a servitização garante vantagens competitivas sustentáveis para os fabricantes tradicionais.  

Na servitização, a inovação não acontece somente no nível de inovação do modelo de negócio, que será explorado no próximo tópico. Ela é mais específica e vai desde a proposição de novas soluções integradas de produtos e serviços até a implementação da solução. Além disso, mais do que a mudança na oferta, a servitização envolve a inovação das capabilidades organizacionais, que envolvem os processos, capacitação do pessoal e recursos em prol da mudança para o novo paradigma de oferta de serviços. Importante, neste contexto, é criar ou participar de um ecossistema de inovação que permita alavancar as capabilidades. 

Ao envolver estratégias inovadoras e integradas de serviços como uma fonte de diferenciação, a servitização é um processo único para cada empresa, e é difícil de ser replicada e imitada por competidores. Pode permitir relações de longo prazo com os clientes de modo que influencie nas decisões de compra deles, garantindo não apenas o aumento de capacidades futuras de vendas, mas também tornar a empresa menos sensível a uma competição baseada em preço (Baines et al., 2009). Mais do que isto, por meio da servitização, a proposta de valor pode ser criada em conjunto com os clientes ao envolvê-los na servitização.

Mas, a servitização não é uma “panaceia” que vai conduzir as empresas para um novo patamar de competitividade. Outras abordagens devem ser aplicadas de forma orquestrada com a servitização. As condições definidas pelo planejamento estratégico e as informações adquiridas pela análise do contexto dos negócios (mercado, competidores e tecnologia) são essenciais para o sucesso da servitização, assim como a existência de uma mentalidade (mindset)  e cultura apropriadas. Devido a isso, a gestão de mudanças deve ser incorporada à servitização.

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O conteúdo a seguir é para os níveis executivo, de treinamento e avançado.

Paradoxo da servitização e questões financeiras

O alto investimento para transformar a empresa em provedora de serviços e os custos mais elevados de operação dos serviços podem não gerar os retornos esperados. Esse é o paradoxo da servitização. A estabilidade, maior margem de lucro e a recorrência das receitas com os serviços são os maiores benefícios financeiros da servitização (Gebauer et al., 2005). Porém, leva um tempo para se atingir um patamar de receitas recorrentes que cubram os custos.

No caso do provedor continuar a ser o proprietário dos ativos (produtos físicos) e oferecer as soluções (PSS) com receitas baseadas no uso ou resultado, pode ser que o  investimento / custo dos ativos seja bem mais elevado do que a receita com os serviços. Essa situação pode levar a um payback elevado, ou seja, pode demorar para se ter retorno do investimento. A cada venda do uso, o provedor fica com o ônus do valor elevado de mais um ativo instalado, que demora para retornar. 

Lógico que depois de um tempo, quando as receitas recorrentes dos serviços baseados nesses vários ativos estiverem entrando, o modelo de negócio será vantajoso do ponto de vista financeiro. Mas, e até lá? E se ..

  • o cliente romper o contrato antes do período de payback?
  • vários contratos de uso forem fechados e, assim, muitos ativos estiverem instalados nos clientes com uma valor além da sua capacidade de investimentos?
  • o mercado para este tipo de modelos de negócio não for grande o suficiente para gerar receitas recorrentes que tragam a margem de contribuição necessária para operação do negócio, depois do período de payback?
  • os serviços forem customizados para cada cliente, incorrendo em custos adicionais, que se acumulam no fluxo de caixa negativo (o que pode ser necessário para se diferenciar dos concorrentes, principalmente nas fases iniciais do ciclo de vida da tecnologia no setor, como mostramos anteriormente)?
  • muitas empresas, lançarem ao mesmo tempo ofertas semelhantes canibalizando o mercado (veja o caso de compartilhamento de bicicletas na China)?

Como bancar um período tão longo de payback (fluxo de caixa acumulado negativo)?

São várias incertezas. As empresas de manufatura tem aversão a riscos (Gebauer et al., 2005). Se o payback não for dentro do padrão comum para venda de produtos, muitos tomadores de decisão não aprovam a servitização.

Isso não ocorre quando os ativos são baratos com relação ao que o mercado paga pelo uso (pense no caso da assinatura de água pura da Brastemp).

No caso de ativos de custo elevado, uma solução, para minimizar os riscos financeiros descritos, seria cobrar uma taxa por cada ativação do PSS que cobrisse parte dos custos. Outra proposta seria fechar contratos de fornecimento do serviço com um prazo que garantisse o payback e a margem. Nesses casos, a prática é estabelecer uma multa elevada, caso o cliente desista dos serviços antes de atingir o período mínimo do contrato (que internamente foi estabelecido de acordo com o período de payback). Essa multa cobriria o risco financeiro. 

No entanto, o risco permanece, principalmente no início do negócio quando o provedor deve despender o capital e aguardar o retorno. Nesses casos, alguns provedores limitam a curva de crescimento de vendas de acordo com o seu caixa para bancar o ativo imobilizado. 

Uma outra dificuldade é a precificação do serviço. Se o provedor for responsável pela manutenção dos produtos e esses custos estiverem embutidos no preço do uso (full maintenance), o provedor tem  de desenvolver (ou incorporar) produtos físicos com baixa taxa de falhas. Caso contrário, a manutenção constante do produto pode eliminar a margem de receita. Isso exige um processo de desenvolvimento de produtos, que utilize métodos de aumento da confiabilidade, como por exemplo, projeto de experimentos (DOE: design of experiments) para testar exaustivamente, mas a um custo razoável, as possibilidades de falha. Como definir um preço que prevê esses custos? Lembre que na maior parte dos casos, o preço é definido pelo mercado. Por isso, o desenvolvimento do produto (físico) deve considerar o método de target price.

Uma estratégia para contornar essas limitações financeiras é prover os serviços com parceiros. Cada funcionalidade ou serviços associados a partes do produto (se for um ativo caro) corresponderia a uma parcela da receita destinada aos parceiros. Cada parceiro assumiria a sua parte do custo. Isso significa que os pagamentos do uso do PSS ou dos resultados do uso seriam repartidos entre os parceiros da oferta de valor . Assim, os riscos ficariam diluídos entre os parceiros.

Outra limitação para o sucesso da servitização, no momento de fechar contratos de uso com valores, que garantam o fluxo de caixa é a mentalidade dos clientes. Alguns clientes, que já estão acostumados a comprar produtos, não conseguem mudar a mentalidade para comprar serviços de uso do produto, ou seja, querem manter a posse do produto. No momento da compra, eles comparam o preço do serviço ao valor que eles pagariam por um financiamento para adquirir o produto. O provedor dos serviços deve mostrar as vantagens da compra do uso. Nesses casos, muitas vezes o provedor monta um business case para o cliente para provar que fechar o contrato de uso melhora o custo total de propriedade (TCO – total cost of ownership).

Em particular no Brasil, existe o FINAME do BNDES, que financia a compra de bens de capital nacionais, tais como máquinas e equipamentos, com juros subsidiados. Geralmente, os clientes compram equipamentos que continuam operacionais por muito tempo (em torno de 20 anos ou mais). Depois de cinco anos, o valor dos equipamentos já é amortizado. Essa realidade está mudando, pois os juros do FINAME estão cada vez maiores.  Além disso, estão limitados à compra de produtos nacionais. Novamente, o provedor deve enfatizar as vantagens da proposição de valor dos contratos de compra de serviços e/ou uso. Nos produtos duráveis com ciclos de vida longos, os custos de manutenção podem ultrapassar o valor da venda.

No entanto, o mercado já aceita fechar contratos desta natureza para muitos tipos de produtos. Principalmente para produtos que se tornam obsoletos em um curto espaço de tempo, como os de informática. Esses clientes já tiveram a experiência de ter de renovar uma grande quantidade de ativos de informática no passado. Por isso, eles são mais propensos a fechar contratos de uso (leasing ou aluguel). Uma questão importante neste segmento é como lidar com os produtos obsoletos ou mesmo evitar que se tornem obsoletos tão rapidamente. Essa questão está relacionada com a sustentabilidade e economia circular.

Alguns  clientes, no relacionamento B2C, querem manter a posse dos produtos por razões emocionais.

Na relação B2B, alguns clientes temem que ocorra um vazamento de conhecimentos para seus concorrentes, uma vez que para a operação e monitoramento de um PSS, muitas informações precisam ser compartilhadas com o provedor, tais como: tempo de uso do produto, rendimento, falhas do operador, configurações de processo etc (Gebauer et. al., 2005).

Gebauer et. a. (2005) propuseram algumas práticas organizacionais para se superar o paradoxo da servitização:

  • Estabelecimento de um  processo de desenvolvimento de serviço claro e orientado para o mercado 
  • Foco na proposição de valor para os clientes quando desenvolver as ofertas de serviço 
  • Realização de iniciativas de marketing de relacionamento: sair da interação com o cliente por meio de transação comercial e realmente passar para uma de relacionamento
  • Definição de uma estratégia de serviço: como a sua empresa vai se diferenciar dos concorrentes por meio dos serviços
  • Estabelecimento de uma organização separada para provisão de serviços: principalmente a força de vendas, pois a comissão de vendas não será mais em cima de um preço cheio do produto (o que pode ser significativo se o ativo for caro) 
  • Criação de uma cultura e mentalidade de serviço.
  • Monitoramento sistemático dos resultados e da satisfação dos clientes com mudanças na proposição de valor se necessário

Metodologias

E como trilhar o caminho da servitização? Metodologias podem apoiar as empresas de manufatura na jornada da servitização. As mudanças que ocorrem durante a servitização dependem tanto de condições externas quanto internas relacionadas à sua empresa. Durante o processo de transformação, há um conjunto de atividades que devem ser realizadas para a mudança.

Essas metodologias confundem-se com as metodologias de design de PSS (consulte a abordagem PSS para conhecer uma lista dessas metodologias), como discutimos no tópico “servitização versus design de PSS”. Veja uma lista de metodologias de design de PSS na descrição da abordagem PSS.

Indicamos que você conheça a Metodologia de Servitização derivada da flexM4I. Essa metodologia foca na perspectiva de criação de proposições de valor e modelos de negócio que geram maiores benefícios para os clientes e demais stakeholders por meio da oferta de um PSS. A metodologia parte da análise do contexto, integração com o planejamento estratégico e concentra-se em entregas configuráveis de proposição de valor, modelo de negócio, análise de investimento, arquitetura integrada de produtos, serviços e infraestrutura, design detalhado de negócio e roadmap de implementação. O foco dela é na servitização de uma empresa que já fornece um produto e pretende transformar seu modelo de negócio voltado para a oferta de PSS, com base no produto existente.

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O conteúdo a seguir é para os níveis de treinamento e avançado.

Servitização e outras abordagens

Comparamos a seguir a servitização com outras abordagens complementares.

Servitização e Inovação do Modelo de Negócio

Quando uma empresa passa pela servitização, o modelo de negócio da organização pode ser alterado. O modelo de negócio define os mecanismos de criação, entrega, e captura de valor pela empresa (Osterwalder; Pigneur, 2010). Então, a servitização implica em alterar um modelo de negócio existente para um novo (Baines et al., 2017; Martín-Peña; Pinillos; Reyes, 2017)

Ou seja, a servitização está diretamente relacionada à inovação do modelo de negócio.

Em organizações já estabelecidas e que já oferecem um produto, isso envolve o redesenho de um negócio existente (Baldassarre et al., 2017). Em organizações já estabelecidas mas que desejem desenvolver um novo produto e os serviços a ele relacionados, isso pode envolver a criação de um modelo de negócio completamente novo. Por sua vez, como já mencionamos, após a servitização, o desenvolvimento de um PSS pode exigir apenas melhorias incrementais no modelo de negócio.

Toda transformação baseada na inovação do modelo de negócio deve estar inserida dentro do contexto de gerenciamento de mudanças, que trata do fator mais determinante para o sucesso das transformações e, portanto, da servitização: as pessoas. 

A gestão  de de mudanças inclui a motivação, autonomia, participação na tomada de decisão, autogestão, criação de um senso de urgência, comunicação com stakeholders, consolidação de parcerias, institucionalização da nova abordagem / modelo de negócio, planejamento do projeto e melhoria contínua.

Leia mais sobre gestão de mudanças

Em resumo, a servitização pode ser considerada como uma inovação do modelo de negócio. Como toda transformação, a servitização deve estar inserida no contexto do gerenciamento de mudanças. A servitização engloba o desenvolvimento do PSS e está focada na mudança de mentalidade e cultura de uma orientação ao produto para se tornar um provedor de PSS. Representamos isso na figura abaixo.

Figura 340: ilustração da servitização como o processo de transformação de uma empresa orientada à venda de produtos em uma provedora de sistemas produto-serviço (PSS), que inclui o design do PSS, normalmente é orientada (e inclui) a inovação do modelo de negócio (BMI: business model innovation). Essa transformação deve estar inserida no contexto de gestão de mudanças para garantir que a mentalidade das pessoas e a cultura organizacional acompanhem as mudanças.

Tipos de contexto para a servitização

Uma empresa pode seguir dois caminhos diferentes de servitização, a depender do estágio de desenvolvimento de produto em que a empresa se encontra:

1) Servitização com base em produtos existentes

Em um primeiro tipo de contexto, a empresa já pode estar realizando a venda de produtos, e pode passar pela servitização para prover novos serviços associados a esses produtos existentes. Pode começar a prover alguns serviços orientados ao produto, como indicado anteriormente no tópico “tipos de serviços”.

Em casos mais avançados neste contexto, a empresa pode inovar o modelo de negócio explicitamente na forma de ofertar os produtos e serviços aos clientes. Ao invés de vender e cobrar pelo produto, a empresa pode ofertar o uso do produto ou o resultado a ser obtido por meio dele. Nesses casos, o produto passa a ser parte do ativo da empresa e as receitas para a empresa resultam da cobrança pelos serviços ofertados.

Nos casos que vivenciamos, o design do produto deve ser adaptado para ser inserido no sistema produto-serviço. Atualmente a adaptação do produto do produto está relacionada com a digitalização do negócio, como discutido no tópico mais adiante.

2) A servitização envolve o design do produto

Em um segundo tipo de contexto, a empresa já possui experiência na venda de produtos no mercado e a servitização pode ocorrer a partir do desenvolvimento de um novo produto e dos serviços a ele relacionados de forma simultânea e integrada. Diferente do contexto apresentado no tópico anterior, a servitização não ocorrerá a partir de um produto existente. Será um novo desenvolvimento.

Neste caso, é interessante criar uma arquitetura única que envolva todos os elementos do PSS (arquitetura do produto, arquitetura dos processos associados aos produtos, arquitetura de TI e infraestrutura, outros recursos relacionados aos processos, canais e organização).

A arquitetura possui um nível de detalhamento bem maior do que o modelo de negócio.

Novo design de PSS

Como apresentado no tópico anterior, se a empresa já for uma provedora de PSS, ela não precisa seguir todo o processo de servitização, mas focar no novo design de PSS em si. Entretanto, em qualquer novo design de PSS, a verificação do modelo de negócio atual é importante para verificar se mudanças são necessárias ou não de acordo com o tipo de desenvolvimento.

Startups provedora de PSS

Novas empresas criadas como provedoras de PSS já poderiam nascer com a mentalidade e cultura orientada a serviços, pois é o que o seu modelo de negócio indica (provedora de PSS). No entanto, muitas vezes, são startups, cujos fundadores ainda são focados em tecnologia e produtos. Eles precisam se associar com pessoas ou organizações com mentalidade e cultura de serviço, pois caso contrário já irão nascer enviesados. Neste caso, não se fala em servitização, que é um processo de transformação, como já citamos várias vezes. 

Servitização e digitalização

Sabemos que a grande tendência dos últimos anos, impulsionada pela 4ª revolução industrial (conhecida como Indústria 4.0), é a digitalização. Essa tendência traz novas oportunidades em direção à servitização e ao design de PSS.

Ao empregar ativos digitais na manufatura e nos próprios produtos, podemos monitorá-los durante o ciclo de vida, principalmente na fase de uso/operação. Normalmente, o monitoramento produz uma quantidade substancial de dados, que podem ser analisados para prever necessidades de serviços de para identificar potenciais falhas antes que elas ocorram e acionar a manutenção preditiva do produto. 

Também, o uso de análise de dados (data analytics) pode ser empregado para conhecer o padrão comportamental dos clientes e, a partir disso, extrair informações e diretrizes para balizar novos desenvolvimentos no contexto da servitização.

Muitas vezes, a digitalização permite que se opere o produto à distância ou que se realize atualizações e mesmo manutenções (de software principalmente) de forma remota. Isso traz uma diminuição no custo de manutenção, importante para não ocorrer o paradoxo da servitização, que é descrito mais à frente.

É importante que se utilize as tecnologias digitais de forma interativa e inteligente, considerando as soluções tecnológicas já existentes e o seus potenciais para agregar valor para os clientes e demais stakeholders durante o processo de servitização, incluindo as próprias pessoas dentro da empresa que terão que aprender e obter novas competências e atitudes no novo paradigma de oferta de serviços.

Importância de fusões e aquisições para servitização

Fusão e aquisição (M&A de merge and acquisition, em inglês) é uma estratégia na qual uma empresa se consolida com outra empresa ou adquire uma outra empresa (óbvio, não? o próprio nome já diz isso). Entre outros motivos, M&A pode ser realizado para:

  • aumentar a participação de um mercado e receitas;
  • criar sinergia entre as empresas;
  • integração vertical;
  • absorver concorrentes potenciais;
  • adquirir capabilidades não presentes na empresa atual ou mesmo ativos de propriedade intelectual

Quando uma empresa não possui uma cultura de serviços e deseja acelerar a servitização, M&A pode ser uma estratégia viável (Kowalkowski et al., 2017). Uma aquisição pode também aumentar o faturamento em vendas de serviços.

Por exemplo, a empresa Bosch Packaging, fundada em 1969, e que hoje é chamada de Syntegon, fabrica máquinas para produção de embalagens. Comprou várias empresas no mundo para completar o seu portfólio de ofertas de produtos e serviços associados, tais como (Syntegon, 2021): 

  • serviços de campo para apoiar a operação das máquinas;
  • serviços de modernização de máquinas existentes, tornando-as como se fossem novas;
  • venda de peças de reposição;
  • manutenção preventiva;
  • serviços de engenharia para consultorias de aplicação avançadas;
  • treinamento de operadores;
  • serviços digitais para analisar os dados coletados da operação das máquinas, visando aumentar a efetividades dos equipamentos instalados nos clientes;
  • serviço de apoio remoto para minimizar o tempo de paradas não planejadas;
  • auditoria técnica para avaliar os processos que utilizam as máquinas, assim como o desempenho das máquinas para propor otimizações; 
  • gestão do estoque de peças de reposição nos clientes.

Servitização e sustentabilidade

Como vimos, com a servitização, as empresas começam a oferecer um PSS que pode ser focado na oferta do uso do produto ou o resultado a ser obtido por meio dele. Com isso, ao fornecer o produto como um serviço (as a service), a empresa retém a propriedade do produto físico e é incentivada a aumentar os esforços, desde o desenvolvimento até a disposição final do produto, para maximizar o valor que pode ser obtido com o produto após o fim de uso ou o fim de vida dele.

Esses esforços podem ser consistentes com um movimento para a promoção da sustentabilidade, com o menor consumo de energia, o uso de materiais recicláveis e o controle da disposição final do produto (que ao invés de ser enviado para um aterro sanitário sem qualquer controle, poderia ter os componentes reaproveitados para a fabricação de novos produtos, por exemplo). 

Como as receitas virão do uso do produto (as a service), as empresas irão produzir produtos mais robustos, que falhem menos e durem mais. O aumento da vida útil do produto traz benefícios para o meio ambiente.

No modo de venda tradicional de produtos aos clientes, as empresas não possuem incentivos para tomar decisões que visem manter ou aumentar o valor residual dos produtos ao longo do uso ou ao fim dele. Por exemplo, as empresas poderiam não ter interesse para estender o ciclo de vida do produto ou até mesmo para adotar estratégias de reuso, reciclagem, remanufatura, reforma etc. Isso teria implicações negativas na promoção da sustentabilidade.

Na apresentação do PSS, discutimos mais aspectos da sustentabilidade relacionados com este novo modelo de negócio.

Serviços

O resultado da servitização é a possibilidade de uma empresa, que antes era orientada a produtos, ser capaz de prover serviços com excelência. Por isso vamos discutir algumas características dos serviços.

Tipos de serviços

Não discutiremos uma classificação geral de serviços agora. Vamos tratar somente de serviços que são oferecidos por empresas que fornecem produtos.

Tipologia de Mathieu (2001)

Mathieu (2001) propôs uma classificação original, que até hoje é muito utilizada, dividindo os serviços relacionados a produtos em dois tipos:

  • SSP – serviços que apoiam (support) o produto: são os serviços tradicionais de pós venda, que garantem o funcionamento apropriado dos produtos 
  • SSC – serviços que apoiam (support) as ações dos clientes com relação ao produto: são os serviços que apoiam iniciativas específicas dos clientes, assim como o cumprimento da missão da empresa

  Na tabela a seguir, esses dois tipos de serviços são caracterizados (adaptado de Mathieu, 2001):

O desenvolvimento de serviços que apoiam o cliente, na relação B2B, representa uma oportunidade de marketing, pois possuem o potencial de diferenciação. Esses serviços podem apoiar os clientes em três fases (do ponto de vista do cliente):

  • na fase de pesquisa & desenvolvimento: o apoio na fase de design de aplicação de soluções do cliente envolve a participação do fornecedor no processo de concepção e testes para provas de conceitos. Em alguns casos, o próprio fornecedor desenvolve a aplicação ao invés do cliente. Lógico que isso depende do grau de importância do cliente para o fornecedor. 
  • na fase de produção: basicamente o apoio nessa fase limita-se à resolução de problemas de uso do produto na produção do cliente
  • na fase de comercialização (dos produtos dos clientes): em alguns casos os fornecedores participam de reuniões com os clientes e seus clientes (os clientes dos clientes) para discutir aspectos técnicos e negociações comerciais. 

Por exemplo, no caso de um fabricante de equipamentos de embalagens, o fornecedor desses equipamentos podem se reunir com os seus clientes (os produtores de embalagens) e os usuários da embalagens (envasadores, no caso de bebidas) para discutir problemas e desafios do cliente final da bebida, que influenciam as embalagens, cujas soluções podem estar nas características do processo de produção da embalagem e que dependam do equipamento (veja ilustração abaixo).

Tipologia de Oliva & Kallenberg (2003)

Segundo Oliva & Kallenberg (2003) existe um continuum entre a oferta de produtos e serviços, conforme apresentado no tópico “Continuum entre produto e serviço”. Eles definem a combinação de dois critérios para classificar os serviços:

  • serviços orientados ao produtos versus serviços orientados ao usuário final (cliente) e
  • serviços baseados em transação versus serviços baseados no relacionamento

No entanto, quando eles apresentam os estágios para se navegar no continuum citado, eles apresentam outros tipos de relacionamentos (veja o tópico “Continuum entre produto e serviço”).

É com base nessa classificação que vamos apresentar uma lista de serviços.

Tipologia de Cusumano et al. (2015)

Na classificação de Cusumano et al. (2015), os serviços relacionados aos produtos são divididos em:

  • serviços complementares: alguns servem para facilitar a venda e uso dos produtos e outros adaptam as funcionalidades dos produtos de acordo com as necessidades dos usuários
  • serviços de substituição: substituem a necessidade de compra de um produto. Nesses casos, o cliente não está comprando um produto e sim os serviços.

Tipologia de Visnjic et al. (2019)

Segundo o trabalho de Visnjic et al. (2019), os serviços das empresas de manufatura são divididos em dois grupos:

  • serviços orientados a produtos (PO – product oriented): são realizados sobre os produtos e estão relacionados com a tecnologia do produto
  • serviços orientados a clientes (CO – customer oriented): construídos a partir de competências de marketing e do cliente e são baseados em novas competências. Vão além da tecnologia do produto. Para a realização desses serviços, empresas de manufatura podem pensar em realizar fusões ou aquisições de empresas que tenham essa capabilidade (ver tópico correspondente).

Recorde o que dissemos no tópico “clientes desejam algo além dos produtos”. Cada vez mais a provisão de serviços orientados aos clientes, que podem culminar com a substituição do produto pelos serviços (também conhecida como “desmaterialização” dos produtos), é o caminho que traz um diferencial competitivo para as empresas. Ou seja, a servitização em um estágio inicial pode ser orientada ao produto mas deveria tender para a orientação ao cliente.

Os provedores de serviços não precisam ser restritos às empresas de manufatura. Fabricantes de componentes, integradores de sistemas, unidades de manutenção do cliente, terceiros, provedores de serviços independentes também podem prover esses serviços (Oliva & Kallenberg, 2003).

A habilidade de se criar serviços de apoio aos clientes depende de pessoas capacitadas em customizar as soluções e de construir um forte relacionamento com os clientes.

Checklist de possíveis serviços

Vamos estruturar este tópico baseado no trabalho de Oliva & Kallenberg (2003). Os serviços que foram retirados de outros autores estarão marcados. Os que forem repetidos não serão indicados.

serviços orientado ao produto, baseados em transação: são serviços básicos

  • Documentação
  • Financiamento (*1)
  • Transporte para o cliente
  • Instalação / comissionamento
  • Treinamento voltado para o produto
  • Linha direta (hot line) / help desk
  • Suporte técnico (*1) – mais completo que o anterior
  • Inspeção / diagnóstico
  • Reparos / peças sobressalentes
  • Atualizações / upgrades de produtos
  • Recondicionamento / remanufatura
  • Reciclagem / revenda de máquinas usadas ou descomissionadas

serviços orientado ao produto, baseados no relacionamento

  • Manutenção preventiva
  • Reparo (*1) 
  • Monitoramento da operação do equipamento e sua condição para apoiar a manutenção preditiva
  • Customização do produto (*2)
  • Gestão de peças sobressalentes
  • Contratos de manutenção completa (full maintenance)

serviços orientados ao usuário final, baseados em transação: serviços profissionais

  • Engenharia orientada para o processo do cliente (testes, otimização, simulação)
  • P&D orientado para o processo do cliente
  • Treinamento orientado para o processo do cliente
  • Treinamento voltado para o modelo de negócio do cliente (que incorpore os serviços)
  • Consultoria orientada a melhoria dos processos dos clientes
  • Consultoria orientada a melhoria / proposição de um modelo de negócio do cliente (caso seja necessário, o provedor dos serviços pode propor um novo modelo de negócio para o cliente, incorporando a experiência do provedor)
  • Logística (*2)

serviços orientados ao usuário final, baseados no relacionamento: serviços operacionais

  • Gerenciando a função de manutenção do cliente
  • Gestão das operações do cliente
  • Integração do produto com outras soluções existentes (*1)

serviços de substituição (*1)

  • Aluguel
  • Leasing
  • Pagamento por uso ou resultado

(*1): fonte Cusumano et. al, 2015

(*2): fonte Visnjic et. al., 2019

Continuum entre produto e serviço

Oliva & Kallenberg (2003) propuseram um continuum entre a oferta de um produto “puro” e a oferta de serviço “puro”, como ilustra a figura abaixo.

Fonte: adaptado de Oliva & Kallenberg (2003)

As empresas de manufatura movem-se ao longo do eixo na direção à direita, quando elas incorporam mais serviços às suas ofertas. No extremo direito, as empresas tornam-se uma empresa de serviços, nas quais os produtos compõem uma pequena parte de sua proposição de valor. Devido à falta de cultura orientada a serviços das empresas de manufatura, que não são capazes de oferecer serviços de qualidade, Oliva & Kallenberg (2003) imaginam que neste continuum haverá um ponto de disrupção, no qual a empresa deve criar uma nova organização orientada a serviços.

Existem questões que devem ser colocadas neste contexto (veja a figura acima):

  • Em qual posição uma empresa deveria se localizar nesta linha de mudança?
  • Como que as mudanças deveriam ocorrer (gradualmente ou em saltos)?
  • Quais são os maiores desafios na mudança?

Os autores concluíram quais os estágios de uma jornada neste continuum:

1) consolidação da oferta de serviços relacionados com os produtos

  • motivação: resolver as reclamações dos clientes; estar à frente dos competidores
  • objetivo: melhorar a eficiência, a qualidade e o tempo de resposta dos serviços
  • ações: centralizar os serviços em uma área; monitorar as soluções para avaliar a efetividade e eficiência do serviço (o monitoramento permite conhecer o tamanho do mercado de serviços e a possível contribuição dos serviços na operação da empresa);  adicionar serviços para apoiar as iniciativas de qualidade 

2) atender ao mercado de serviços da base instalada

  • motivação: potencial de lucratividade (resultado do monitoramento do estágio anterior); estar à frente dos competidores; aumentar a satisfação dos clientes (resultante de pesquisas de análise da satisfação); mudanças gerenciais (novos direcionamentos advindos de novos dirigentes)
  • objetivos: aumentar as receitas na base instalada
  • ações: definição e análise do mercado da base instalada; criar uma organização separada para vender e entregar os serviços; criar uma infraestrutura para atender às demandas; construir uma rede distribuída de serviços (certificação de centros de serviços etc.)

3a) expandir os serviços baseados no relacionamento com o cliente: sair da interação baseada em transação.

  • motivação: solicitações e necessidades dos clientes; utilização da infraestrutura de serviços
  • objetivo: aumentar a utilização da infraestrutura de serviços
  • ações: assume os riscos de operação do clientes e define a precificação em termos de disponibilidade do serviço (preço fixo também); risco de falhas de equipamento (que precisa ser robusto e confiável); requer novas habilidades para determinar os riscos com maior segurança; o principal driver para lucratividade passa a ser a utilização da capacidade dos equipamentos; obter vantagem de custo por meio da economia de escala, curva de aprendizado e efeitos de rede; os contratos de serviços reduzem a variabilidade e a não previsibilidade da demanda; só monitorar os equipamentos não traz valor para os clientes; desenvolvimento de melhores práticas de manutenção baseadas na experiência acumulada advinda do monitoramento e tratamento dos dados 

3b) expandir os serviços para serem centrados nos processos do cliente: muda o foco de eficácia do produto para a proposição de valor para o cliente. O produto não é mais o centro da proposição de valor, mas parte da oferta. Deixa de ser um fornecedor de equipamentos e passa a ser um provedor de soluções. 

  • motivação:  solicitações e necessidades dos clientes; utilização das competências em desenvolvimento de produtos 
  • objetivo: aumento da utilização das capabilidades em desenvolvimento de produtos e integração de sistemas
  • ações: desenvolvimento da capabilidade de consultoria; criar uma nova rede de distribuição e novos canais para estar em contato com a organização do usuário final; (pode) incluir outros fabricantes; torna-se uma empresa de serviços profissionais 

4) assumir as operações dos clientes: assume os riscos operacionais e total responsabilidade pelos processos do cliente

As inovações em serviço dependem muito do desenvolvimento da capacitação das pessoas, cultura organizacional e um relacionamento estreito com os clientes.

Efeitos dos tipos de serviços

Considerando os tipos de serviços apresentados e o continuum entre produto e serviços, compilamos a seguir alguns efeitos de acordo com os tipos de serviços.

Wang at al. (2018), utilizaram a tipologia de Mathieu (2001) e concluíram que a oferta de serviços que apoiam as ações dos clientes (SSC) possuem um efeito positivo maior no desempenho da empresa do que os serviços de apoio ao produto (SSP), que também têm um efeito positivo. Assim, eles sugerem que …

as empresas de manufatura devem oferecer cada vez mais serviços que apoiam as ações dos clientes (SSC), se desejarem permanecer competitivas.

Em inglês, as siglas utilizadas por esses autores significam: SSP – services supporting the product e SSC – services supporting the clients’ actions. Esses significados são limitados à esta publicação. Em outros contextos, essas siglas possuem outros significados.

No entanto, a oferta de serviços que apoiam as ações dos clientes (SSC) é associada a desafios e riscos e por isso as empresas precisam se capacitar para concorrer com os provedores terceirizados. Se essas empresas não tiverem a capabilidades necessária, elas correm o risco de não ter retorno, como mostra o paradoxo da servitização, discutido mais à frente.

Seguem alguns exemplos de efeitos levantados (Visnjic et al., 2019), :

  • O retorno da oferta de serviços aumenta quando eles estiverem relacionados com o negócio central (core) da empresa e quando as empresas possuírem recursos disponíveis
  • As receitas resultantes da servitização são maiores, mas com menores margens de lucro (veja o tópico “paradoxo da servitização”).

No caso de serviços de apoio a produtos (SSP):

  • aumentam a lucratividade quando os produtos são inovadores
  • diminuem as incertezas tecnológicas e aumentam o conhecimento do produto em fases iniciais do lançamento

No caso de serviços que apoiam as ações dos clientes (SSC):

  • aumentam a lucratividade quando os produtos são menos inovadores (os concorrentes oferecem produtos similares e a empresa busca diferenciação)
  • possibilitam criar novas competências tecnológicas com maior agregação de valor para os clientes
  • as empresas aprendem mais sobre o negócio dos clientes e, assim, descobrem novas razões para justificar a compra de suas soluções

A partir dessas constatações embasadas em trabalhos anteriores, alguns pesquisadores estudaram como que as fases do ciclo de vida de um segmento de mercado influenciam quais tipos de serviços devem ser aplicados, discutidos no próximo tópico.

Influência da fase do ciclo de vida de um segmento de mercado na oferta de serviços

Temos uma discussão sobre estágios de evolução do negócio na seção “o que é inovação?”, quando discutimos, com base na curva-S, os estágios de: criação, aceleração, sustentação e eficiência de um negócio. Esses estágios estão relacionados com um negócio inovador de uma empresa.

Cusumano et. al. (2015) e Visnjic et. al. (2019) estudaram o impacto das fases do ciclo de vida de setores do mercado sobre as ofertas de serviços. Eles entendem por fases do ciclo de vida de setores, a evolução da maturidade do setor com relação a estabilidade de uma nova tecnologia que se torna dominante com o tempo.

Por exemplo, atualmente estamos na fase de maturidade do mercado de linha branca, na fase de transição do mercado de telefones celulares e na fase inicial da evolução do mercado de carros elétricos.

Eles caracterizam essas três fases da seguinte forma:

  • fase inicial: caracterizada por um elevado nível de incerteza; a tecnologia é nova e não se sabe qual será o desempenho dos produtos que a utilizam; quais os problemas que vão aparecer; quais as características funcionais e técnicas que serão mais importantes; os produtores estão experimentando novas soluções e novos modelos de negócio; os clientes também estão inseguros; não existe conhecimento acumulado com relação a essa ofertas. É a fase na qual as empresas devem conquistar os clientes inovadores, lead users e os primeiros adeptos (early adopters). 
  • fase de transição: a tecnologia se estabiliza; um design de produto (configuração) torna-se dominante; aumenta o retorno sobre investimento; algumas características dos produtos tornam-se padrões do mercado; o mercado entende como utilizar o produto e quais são os benefícios; o foco competitivo não é mais na diferenciação tecnológica ou extensões do produto, mas se volta para aumento da confiabilidade e diminuição de custos; poucas empresas entram no final desta fase (a não ser para competir por preço), pois algumas já escalaram as vendas e tornam-se líderes de mercado; consequentemente as incertezas diminuem; os produtos tornam-se comoditizados
  • fase da maturidade: aumento da competição por preço (com a consequência de busca pela eficiência para diminuir o custo); menor diferenciação de produto; redução da quantidade de competidores (comparada com o início da fase anterior de grande expansão de competição); foco na inovação de processo para aumentar a eficiência; os clientes usam a tecnologia para realizar funções similares; novos clientes neste estágio não exigem mudanças nos produtos, porque aceitam as práticas atuais; os clientes dão preferência para soluções mais baratas (desde que tenham o mesmo desempenho); saturação do mercado 

Observe que apesar de tratar de referenciais diferentes, as fases do ciclo de vida de setores de mercado (que envolvem todas empresas daquele setor) e os estágios de evolução do negócio (que envolvem somente uma empresa) possuem uma correspondência, quando o negócio compreender o lançamento de inovações disruptivas ou radicais, como mostra a tabela a seguir.

Quais serviços oferecer nessas fases?

Fase inicial:

  • serviços orientados a produtos de customização, de adaptação e de integração dos produtos para se atender às necessidades dos primeiros adeptos (early adopters), buscando também envolver lead users;
  • serviços de monitoramento e manutenção reduzem as incertezas dos clientes com relação à qualidade e confiabilidade dos produtos e ao mesmo tempo possibilitam descobrir falhas rapidamente;
  • serviços que substituem os produtos (vender o uso) aumentam a possibilidade de aceitação da inovação, pois os clientes estão inseguros em investir para comprar um produto; 

Fase de transição:

  • serviços complementares, orientados a produtos, que facilitam a venda e o uso dos produtos, com o objetivo de conseguir mais clientes e reter os clientes atuais
  • não existe mais a necessidade de customização e adaptação, pois o produto com as características atuais já atende a maioria dos clientes;
  • pode ocorrer uma diminuição da oferta de substituição dos produtos, pois o mercado já sabe como lidar com os produtos e os clientes não estão mais inseguros

Fase da maturidade:

  • serviços complementares ainda podem facilitar a venda e o uso dos produtos;
  • serviços orientados aos clientes possibilitam explorar as competências para sustentar as vendas;
  • maior demanda por serviços de manutenção e reparo;
  • serviços para criar alternativas de receitas, tais como: alternativas de financiamento e garantia estendida;
  • serviços de atualização incremental dos produtos da base instalada para reter os clientes;
  • os serviços de substituição (vender o uso) voltam a ser considerados pelos clientes;
  • oferta de produtos padronizados como serviço (as a service) para atingir um novo segmento de mercado que não tinham condições financeiras ou demanda para justificar a compra de um produto 

Além dessas fases, Visnjic et. al. (2019) identificaram outras características do mercado que determinam a oferta de serviços:

Mercados competitivos: em qualquer uma das fases de evolução, mudanças regulatórias e entrada de competidores de outras nações (globalização) aumentam o número de competidores. Nestes mercados os retornos são menores, o que pressiona as empresas a diminuir custos, criar diferenciação e aumentar a lealdade dos clientes. A oferta de serviços contribui para a diferenciação.

Intensidade de P&D:  os mercados podem ser diferenciados de acordo com o nível de inovação tecnológica. Empresas mais inovadoras estão constantemente mudando. Os serviços orientados ao produto ajudam a proteger e a manter a lucratividade com as inovações, assim como reduzir as incertezas dos clientes. O feedback do uso do produto e manutenção, principalmente nas fases iniciais, permitem que correções sejam realizadas no produto (como indicado acima nos serviços da fase inicial). Isso é importante para corrigir possíveis falhas de tecnologias inovadoras.

Mercados cíclicos: são aqueles mercados com elevada taxa de mudança na composição dos clientes e suas necessidades. São mercados que trazem muita incerteza para as empresas. As empresas precisam ser ágeis para acompanhar essas mudanças, atualizando constantemente suas capabilidades. Da mesma forma, precisam ocorrer adaptações das estratégias. Geralmente, as ofertas de serviços são menos expostas a flutuações do as de produto (principalmente se forem produtos duráveis). Isso porque, os serviços são comprados continuamente. Diferentemente de produtos que são investimentos pontuais. Portanto, os serviços orientados a produtos estabilizam o fluxo de caixa. Os serviços orientados ao cliente antecipam as mudanças.

Ao comparar quais tipos de serviços são apresentados em cada fase, as conclusões do trabalho de Visnjic et. al. (2019) são:

  • as empresas oferecem os serviços orientados a produtos, preferencialmente, nas fases iniciais do ciclo de vida de um setor, quando existe uma alta intensidade de P&D e em mercados competitivos
  • nesses casos, o foco é desenvolver as competências nas tecnologias por meio do: 1) entendimento das necessidades e prioridades dos clientes e do ambiente de aplicação do produto para encontrar o melhor alinhamento entre produto e mercado;  2) domínio em design para assegurar diferenciação em comparação com competidores de baixo custo e para vencer a “corrida” do lançamento de novas tecnologia
  • as empresas oferecem os serviços orientados aos clientes, preferencialmente, nas fases mais avançadas do ciclo de vida e em mercados cíclicos por causa da incerteza da geração de valor resultantes de novas tecnologias nesses mercados
  • nesses casos, o foco  é desenvolver as competências em marketing e em tecnologias mais avançadas do que as que estão sendo utilizadas atualmente

A importância de se diferenciar quais tipos de serviços devem ser empregados em cada estágio é para auxiliar na definição das estratégias de servitização.

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O conteúdo a seguir é para o nível avançado.

Comunidades de pesquisa em servitização

O campo da servitização é estruturado por diferentes comunidades, de acordo com o interesse compartilhado a partir de problemas analisados em uma mesma área de conhecimento.

Lightfoot et al. (2013) reconhecem cinco comunidades: 

  • marketing de serviços:  foca em uma perspectiva de gestão do relacionamento com o cliente na provisão de serviços;
  • gestão de serviço:  foca na organização de serviços e na cultura organizacional;
  • gestão de operação: enfatiza na gestão operacional e estratégia na entrega de combinação de produtos e serviços;
  • PSS: foca no planejamento, desenvolvimento e efetiva entrega de um PSS, podendo ter uma ênfase no desenvolvimento de PSS sustentável.
  • gestão de ciência de serviços e engenharia: foca em prover um melhor entendimento de sistemas de serviços complexos, considerando a integração de pessoas, tecnologia e negócios.

Rabetino et al. (2018) definiram seis grupos estruturados em três cluster:

  • PSS sustentável: foca na configuração de PSS sustentável nos contextos B2B e B2C; no impacto do PSS no ambiente e para o crescimento econômico; e nas implicações políticas e de impacto social da produção e consumo sustentáveis. 
  • PSS design: foca no desenvolvimento de soluções integradas e combina abordagens orientadas à engenharia e ao negócio. Os aspectos centrais discutidos estão relacionados às estratégias de servitização, às capabilidades e gerenciamento para a oferta de serviços e ao posicionamento da cadeia de valor.
  • soluções com foco nos consumidores: incluem uma perspectiva de marketing para oferta das proposições de valor de PSS;
  • gestão de operações na transição para oferta de serviços: que foca nas estratégias operacionais, nos serviços pós-venda, no gerenciamento da cadeia de valor, no gerenciamento da mudança, e no próprio processo de transformação.
  • soluções integradas com viés organizacional: foca em analisar assuntos organizacionais e operacionais relacionados ao desenvolvimento organizacional e de capabilidades durante a implementação de modelos negócios para a oferta de soluções integradas.
  • Ciência de serviços: é uma comunidade multidisciplinar, que combina o entendimento organizacional, tecnológico e humano para estudar como os sistemas de serviços podem ser configurados para acelerar a inovação, e analisa como o valor é co-criado dentro desses sistemas. Adota ideias da lógica dominante de serviços (SDL, service-dominant logic), que sugere que o valor é criado pelo cliente ao experienciar ou usar o produto por meio de serviços, ao invés do valor ser determinado pelo provedor.

Linhas de pesquisa em servitização

Existem diversas comunidades que pesquisam em servitização. Rabetino et. al. (2021) resumiram as pesquisas em sete linhas com seus focos, princípios e práticas, que apresentamos a seguir. Essas linhas trazem possíveis temas para pesquisas futuras, mas aconselhamos que o artigo original seja consultado.

Do ponto de vista prático, já que a servitização já é uma abordagem consolidada, uma empresa pode encarar os tópicos dessas linhas de pesquisa como uma inspiração.  Uma jornada de inovação, com base na servitização, pode aplicar uma combinação desses princípios e práticas, de acordo com os fatores contextuais da empresa. 

  • alinhamento estratégico visando uma transição para serviços: a orientação para serviços torna-se uma condição necessária para diferenciação, vantagem competitiva e desempenho em ambientes competitivos complexos, tais como de comoditização dos produtos e aumento de competidores
  • relacionamento com clientes e a lógica de negócio na introdução de serviços na relação B2B:  foco em marketing e na lógica dominante de serviços. A função de vendas da empresa (que é composta pela organização, papéis e competências) precisa ser adaptada para a introdução de serviços na relação B2B. Neste caso, é importante ter um gerenciamento de contas (de clientes) que coordene as vendas. Os fabricantes devem usar estratégias diferentes para comunicar os benefícios únicos das suas ofertas de produtos associados aos serviços. O sucesso da introdução de serviços neste contexto depende da boa reputação da marca, competência em serviços e um forte relacionamento entre vendedor e comprador
  • entrega e marketing focados em soluções: necessidade de novas competências e ajustes organizacionais nos processos e recompensas para poder criar soluções inovadoras que resultem em novos modelos de negócios. Entregar soluções exige que a empresa mude o foco de produto para uma orientação centrada no cliente. Essa mudança necessita novas competências técnicas e de integração, tais como consultoria e parcerias. Orientação centrada no cliente requer um alinhamento entre estratégia, estrutura organizacional, pessoas, recompensas, processos e integração de conhecimentos. É importante cultivar o relacionamento com os clientes para poder co-criar valor com uma rede de clientes.
  • soluções complexas em bens de capital: baseada no envolvimento intenso de vários provedores e dos clientes, durante todo o ciclo de vida das soluções integradas, para que elas sejam customizadas para as necessidades dos clientes. Necessita de um novo modelo de negócio orientado ao cliente e a obtenção das novas capabilidades, tais como: consultoria, financiamento dos clientes, operação das soluções e gestão de parcerias. 
  • gestão de contratos baseados em desempenho: existem duas vertentes nesta linha. 1) administração de parcerias público-privadas (PPP), nas quais os provedores precisam ser capazes de formular contratos precisos e desenvolver um relacionamento de confiança com os tomadores de decisão, o que implica em mudanças na estrutura de entrega dos serviços. Existem muitos desafios de governança nesta vertente. 2) as receitas são baseadas nos resultados da operação da solução. Dois elementos essenciais nesta alternativa são as estratégias de financiamento e precificação. Neste modelo de negócio os desafios principais estão na negociação do contrato e nos riscos operacionais de implementação da solução. Esses modelos exigem um alinhamento com os fornecedores e podem incluir a manutenção e operação da solução, caracterizada por uma relação de dependência entre provedor e cliente.
  • gestão das operações e cadeia de suprimentos para entrega de serviços no pós-venda: embora a “configuração”  da cadeia de suprimentos no pós-venda tornou-se um assunto central, não há uma configuração, apenas configurações contingenciais, que são diferentes de acordo com os fatores contextuais. A cadeia de suprimentos dos serviços precisa ser mais responsiva do que a de produto e deve ser baseada em dados em tempo real. A gestão da informação e da capacidade de longo prazo são críticas. A gestão do ciclo de vida também é necessária, a qual envolve escolhas estratégicas com relação à qualidade e precificação do produto / serviço. Cada fase do ciclo de vida apresenta desafios específicos.
  • servitização centrada em produto: os pesquisadores desta linha focam no entendimento de características essenciais da servitização das operações da manufatura, que inclui a reconfiguração dos processos de produção e de suporte, práticas, princípios e estruturas para entregar produtos e serviços associados de forma eficiente e eficaz. A servitização é viabilizada pela tecnologia, integração vertical e o desenvolvimento de habilidades e pessoas.  A criação de valor é baseada no design simultâneo do produto, serviço e organização, que inclui o desenvolvimento de estruturas específicas e as capabilidades de inovação em serviços para poder competir por meio de serviços. Às vezes, existem riscos financeiros envolvidos (o paradoxo da servitização) e as empresas de manufatura enfrentam riscos na implementação do modelo de negócio, que incluem reconhecer e comunicar as expectativas e valores dos clientes, o design do PSS e a mudança da organização voltada para serviços.

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Referências

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