Desvendando a cultura organizacional para inovação: Modelo Iceberg

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Autoria: Mateus Gerolamo ([email protected]) edição Henrique Rozenfeld ([email protected]) com apoio do chatGP(leia mais)
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Introdução 

Esta seção foi adaptada do modelo desenvolvido por Mateus Gerolamo na sua tese de livre-docência (Gerolamo, 2019), na qual ele propôs uma figura de um iceberg para representar aspectos saliente (visíveis) e não explícitos (invisíveis) que possuem relações de causa-efeito com a cultura organizacional no contexto da gestão da mudança e na gestão da inovação.

A maior parte dos textos desta seção foi extraída da tese de livre-docência de Gerolamo. Foram adicionados tópicos que resumem e explicam os conceitos das principais publicações utilizadas. No final desta seção, nas informações adicionais, incluímos referências de seções da flexM4i para você obter informações mais aprofundadas sobre temas relacionados à cultura organizacional para inovação..

Como a figura do Iceberg contém muitas relações, nesta seção apresentamos a construção dessas relações aos poucos.

Visão geral inicial

A próxima figura representa os níveis iniciais considerados no Modelo Iceberg.

Figura 708: Visão inicial do Modelo Iceberg para diferenciar os níveis “hard” (visível) e soft (invisível) relacionado com a gestão versus liderança com foco na cultura organizacional

Aspectos Hard

O nível mais visível também pode ser denominado como aspectos hard da organização, como abordado pela Teoria “E” de mudança de Beer e Nohria (2000). O que vem abaixo do nível explícito são aspectos denominados como soft, conforme proposto pela Teoria “O” (Beer & Nohria, 2000).

O que são as teorias “E” e “O” de mudança?

Tanto a Teoria “E” quanto a Teoria “O” foram propostas por Beer e Nohria em 2000:

Teoria E: A Teoria “E” de mudança está centrada no aumento do valor econômico para acionistas. Ela enfatiza aspectos mais visíveis e estruturais da organização, tais como processos formais, metas claras, reestruturações, cortes de custos e outras medidas “hard”. O foco é predominantemente financeiro e a condução da mudança tende a ser top-down.

Teoria O: A Teoria “O” de mudança concentra-se no desenvolvimento organizacional e na melhoria das capabilidades internas, valorizando a cultura, as relações entre as pessoas, a aprendizagem e o engajamento coletivo. Nesta perspectiva, são considerados com mais atenção os aspectos intangíveis, menos explícitos e mais “soft” da organização, construindo a mudança de maneira mais orgânica e participativa.

Aspectos Soft

Alguns dos aspectos soft são mais discutíveis, uma vez que se encontram em um nível mais explícito de consciência. Outros, porém, posicionam-se em um nível de pré-consciência e representam os pressupostos básicos, crenças e valores mais enraizados nos indivíduos e grupos (Schein, 1984; 2010).

Conheça os resumos dessas duas publicações de Schein

Schein, E. H. (1984). Coming to a new awareness of organizational culture. Sloan management review, 25(2), 3-16.

Nesta publicação, Schein (1984) defende a tese de que, se desejamos de fato decifrar a cultura de uma organização, devemos buscar abaixo da superfície da organização (além dos “artefatos visíveis”) e descobrir os pressupostos fundamentais subjacentes, que constituem o núcleo da cultura da organização. 

Para isso, o autor propõe um recurso: uma definição formal de cultura organizacional, que dá ênfase a como a cultura funciona. Com essa definição à disposição, o autor sente que é possível não somente entender as forças evolucionárias dinâmicas que governam uma cultura, mas também é possível explicar como a cultura é aprendida, transmitida e modificada.

O conceito de cultura organizacional é representado em termos de um modelo dinâmico de como a cultura é aprendida, transmitida e modificada. Como diversos esforços recentes [em 1984] argumentam que a cultura organizacional é a chave para a excelência organizacional, é essencial definir esse conceito tão complexo de um modo que forneça um referencial comum tanto para quem vive e trabalha nas organizações quanto para os pesquisadores.

Muitas definições estabelecem simplesmente que cultura é um conjunto de significados compartilhados que torna possível a um grupo interpretar seu ambiente e agir sobre ele. O autor propõe que devemos ir além dessa definição; mesmo que conhecêssemos uma organização suficientemente bem para nela vivermos, não saberíamos necessariamente como ela surgiu, como chegou a ser o que é ou como poderia ser modificada se a sobrevivência organizacional estivesse em questão.


Schein, E. H. (2010). Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Atlas.

Essa referência é fundamental para entender como a cultura organizacional se forma, se mantém e pode ser transformada. Ela oferece um arcabouço sólido para compreender como as culturas organizacionais surgem, são mantidas e podem ser transformadas; sempre levando em conta o papel central que a liderança desempenha nesses processos.

Relevância do modelo desta publicação
Em 4/5/2025, a publicação original deste livro (Organizational culture and leadership) tinha 79.389 citações. A versão em português, que foi utilizada, tinha 1225 citações.

 

Existem alguns trabalhos científicos recentes que testaram e utilizaram o modelo proposto por Schein, como:

Hogan, S. J., & Coote, L. V. (2014). Organizational culture, innovation, and performance: A test of Schein’s model. Journal of Business Research, 67(8), 1609–1621. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2013.09.007

Embora publicado em 2014, este estudo é frequentemente citado em pesquisas mais recentes. Ele testou empiricamente o modelo de Schein em empresas de serviços profissionais, demonstrando que os diferentes níveis da cultura organizacional influenciam diretamente os resultados em inovação e desempenho.


Makumbe, W., & Washaya, Y. Y. (2022). Organisational culture and innovation: Testing the Schein model at a private university in Zimbabwe. Cogent Business & Management, 9(1), 2150120. https://doi.org/10.1080/23311975.2022.2150120

Este estudo aplicou o modelo de Schein para analisar a relação entre cultura organizacional e inovação em uma universidade privada no Zimbábue. Os resultados indicaram que valores e artefatos estão positivamente relacionados à inovação, enquanto normas apresentaram uma relação negativa.


Mikušová, M., Klabusayová, N., & Meier, V. (2023). Evaluation of organisational culture dimensions and their change during the COVID-19 pandemic. Journal of Open Innovation: Technology, Market, and Complexity, 9(1), 13. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9886435/

Este estudo investigou como a pandemia alterou aspectos da cultura organizacional em escolas públicas, aplicando o modelo de Schein para identificar mudanças nos artefatos, valores e pressupostos básicos durante o período de crise.


Hameli, K. (2024). Foundations of organizational culture: A comprehensive review. ResearchGate. https://www.researchgate.net/publication/386167363

Esta revisão sistemática comparou os modelos de cultura organizacional de Schein, Hofstede e o Projeto GLOBE, destacando a relevância contínua do modelo de Schein na compreensão da cultura organizacional em diversos contextos institucionais e nacionais.


Bogale, A. T., & Debela, K. L. (2024). Organizational culture: A systematic review. ResearchGate. https://www.researchgate.net/publication/379953222

Esta revisão analisou 52 estudos sobre cultura organizacional e reforçou a importância da cultura como determinante de desempenho organizacional. O modelo de Schein é destacado como uma das bases teóricas mais utilizadas para estruturar análises empíricas sobre o tema.


Khaddour, W. N. (2025). Critical realism and organizational culture—Framing Schein’s model using critical realism philosophy. Open Journal of Philosophy, 15(1), 1–15. https://www.scirp.org/pdf/ojpp_2025151_61652005.pdf

Este artigo propõe uma releitura crítica do modelo de Schein à luz da filosofia do realismo crítico, sugerindo que os pressupostos subjacentes do modelo podem ser melhor compreendidos quando relacionados às estruturas causais profundas da cultura.

Principais conceitos do modelo de Schein

Os principais conceitos do modelo de Schein (2010) considerados no modelo iceberg de Gerolamo (2019) são:

Definição de cultura organizacional

  • Schein define cultura como um conjunto de pressupostos básicos compartilhados pelos membros de uma organização, que orientam a forma como percebem e interpretam o mundo ao seu redor.
  • Esses pressupostos se originam de experiências de sucesso na resolução de problemas internos (integração do grupo) e externos (adaptação ao ambiente).
  • No glossário da flexM4i existem outras definições de cultura organizacional.

Níveis de cultura

  • Artefatos (nível visível): incluem elementos tangíveis e observáveis (layout, linguagem, dress code, rituais, sistemas e processos formais).
  • Valores e crenças declarados (espoused values): traduzem as convicções ou orientações oficiais da organização (missão, visão, slogans e políticas).
  • Pressupostos básicos (underlying assumptions): são crenças profundamente arraigadas, inconscientes, que norteiam o comportamento e a forma de pensar das pessoas.

Formação e evolução da cultura

  • A cultura surge quando um grupo enfrenta desafios de adaptação ao ambiente e de integração interna. Quando determinadas soluções funcionam repetidamente, passam a ser adotadas inconscientemente como forma de lidar com problemas semelhantes no futuro.
  • Com o tempo, essas soluções são transmitidas aos novos membros, reforçando a manutenção da cultura.

O papel da liderança

  • Para Schein, líderes são “criadores de cultura” em estágios iniciais (por meio das soluções que implementam com sucesso) e “guardiões ou agentes de mudança” da cultura nos estágios posteriores.
  • Líderes influenciam a cultura por meio de mecanismos de incorporação (embedding mechanisms): aquilo em que dão atenção, o que medem, como reagem a crises, como recompensam ou punem comportamentos, as histórias que contam, os rituais que estabelecem e assim por diante.

Subculturas

  • Em organizações complexas, nem sempre existe uma única cultura uniforme.
  • Diferentes departamentos, níveis hierárquicos e grupos profissionais podem desenvolver suas próprias subculturas, refletindo necessidades, valores e pressupostos específicos.
  • A liderança deve reconhecer essas subculturas e aprender a gerenciá-las para que não entrem em conflito com a cultura dominante.

Processos de mudança cultural

  • Descongelamento (unfreezing): identificar a necessidade de mudança e questionar as premissas atuais.
  • Aprendizagem de novos conceitos: introduzir, testar e reforçar valores e comportamentos desejados.
  • Reforço e recongelamento (refreezing): institucionalizar e integrar as novas práticas à cultura, para que se tornem novas normas e pressupostos.
  • Schein enfatiza a importância do “aprendizado em grupo”, pois a mudança efetiva requer envolver as pessoas e gerar um clima de segurança psicológica para abandonar velhos hábitos.

Importância da reflexão e do diálogo

  • Schein salienta que a compreensão profunda da cultura exige investigação e diálogo, pois os pressupostos básicos costumam ser invisíveis, inclusive para os próprios membros.
  • Ferramentas como entrevistas, observações e questionários podem ajudar, mas a mudança cultural genuína requer também espaço para a discussão franca de crenças e valores.

A cultura como fonte de vantagem competitiva ou de estagnação

  • Quando alinhada às estratégias e ao contexto externo, a cultura pode facilitar a inovação, o engajamento e a adaptação, tornando-se fator de vantagem competitiva.
  • Entretanto, se a cultura estiver desalinhada ou arraigada em pressupostos que não funcionam mais, pode levar à estagnação e a problemas de desempenho.

Principais variáveis que determinam resultados para os stakeholders / sociedade

Para uma compreensão sistêmica das mudanças e também das inovações nas organizações, iniciamos com uma proposta de integração das principais variáveis que levam aos resultados que uma organização apresenta ou poderia apresentar aos seus stakeholders ou para a sociedade em geral.

É importante salientar que o recorte feito aborda a gestão da mudança no comportamento organizacional envolvendo o papel da liderança e não considera a mudança organizacional em todos seus aspectos.

No nível hard estão as características da gestão e no nível soft as da liderança.

Kotter (2001) reforça o papel da liderança, que é diferente de gestão nesse nível organizacional.

Conheça mais sobre a publicação de Kotter (2001)

Kotter  (2001) distingue de forma clara liderança e gestão, argumentando que são sistemas de ação diferentes, porém complementares. Enquanto gestão (management) é voltada para lidar com a complexidade, por meio de planejamento, definição de orçamentos, organização, alocação de pessoal, controle e resolução de problemas, a liderança (leadership) tem como foco lidar com a mudança, o que envolve estabelecer uma direção clara, alinhar as pessoas em torno de objetivos comuns e motivá-las para superar desafios.

Kotter ressalta que tanto liderança quanto gestão são necessários para o sucesso das organizações em cenários cada vez mais complexos e voláteis. No entanto, muitas empresas tendem a supervalorizar a gestão e subestimar a importância da liderança. A habilidade de produzir e conduzir mudanças, fundamental à liderança, torna-se um diferencial competitivo crucial em tempos de transformações rápidas.

Para ilustrar esses conceitos, Kotter menciona três casos:

  • Lou Gerstner (American Express): Transformou TRS ao introduzir uma visão dinâmica e novos produtos, aumentando o lucro em 500% entre 1979-1987.
  • Chuck Trowbridge (Kodak): Reduziu defeitos em 100 vezes e custos em 24%, alinhando funcionários por meio de comunicação eficaz e metas claras.
  • Richard Nicolosi (P&G): Criou uma cultura empreendedora, lançando produtos inovadores como Ultra Pampers, que dobraram o market share e os lucros.

Lou Gerstner assumiu a presidência da Travel Related Services (TRS) na American Express em 1979, num momento crítico para a empresa. Gerstner estabeleceu um programa de reconhecimento e recompensa para funcionários que oferecessem um serviço excepcional ao cliente — materializando a visão de excelência em atendimento. Essa iniciativa fomentou inovações, aberturas de novos mercados, desenvolvimento de produtos e serviços, exemplificando como a liderança pode direcionar e inspirar mudanças que impulsionam o desempenho organizacional.

Gestão e liderança 

A próxima figura acrescenta alguns aspectos desse contexto e suas relações ao interligar perspectivas da visão sistêmica de uma empresa.

Figura 709: Principais variáveis que determinam resultados para os stakeholders / sociedade do Modelo Iceberg  

No nível mais visível encontram-se os recursos, a estrutura, as tecnologias, os sistemas e os processos organizacionais, que são organizados em termos de uma estratégia deliberada e devem responder ao plano para execução da estratégia. Schein (1984; 2010) chama esse nível de artefatos visíveis. O que se espera é a obtenção de resultados para o negócio e, consequentemente, para os stakeholders chave.

Nesse nível visível de gestão, Kaplan & Norton (2000) posicionam as dimensões de processos, clientes e resultados financeiros do modelo Balanced Scorecard (BSC). Esse é um nível no qual a sua eficácia depende de uma boa gestão, conforme discorre Kotter (2001).

Conheça mais sobre a publicação de Kaplan & Norton (2000)

Kaplan e Norton (2000) apresentam o conceito de mapas estratégicos, uma ferramenta visual baseada no Balanced Scorecard, para traduzir estratégias em ações concretas e mensuráveis. Eles destacam que os mapas:

  • Integram ativos tangíveis e intangíveis: Ligam competências internas, processos, clientes e objetivos financeiros.
  • Promovem alinhamento organizacional: Oferecem aos colaboradores uma visão clara de como suas atividades impactam os objetivos estratégicos.
  • Esclarecem relações de causa e efeito: Demonstram como iniciativas específicas levam a resultados esperados.
  • Apoiam a execução da estratégia: Facilitam a comunicação e o acompanhamento do progresso por meio de indicadores chave.

O artigo exemplifica o uso do mapa estratégico com o caso da Mobil, que usou a ferramenta para alinhar sua visão, objetivos financeiros, diferenciação de mercado e processos internos, obtendo ganhos significativos em desempenho operacional e financeiro.

Quais as dimensões críticas no nível submerso do “Iceberg”?

No nível submerso, as dimensões críticas são a cultura organizacional, a liderança e o propósito genuíno que representa a identidade e a razão de existência da organização (Paro, 2016). Kaplan e Norton (2000) entendem que aqui se encontra a dimensão aprendizado & crescimento do BSC.

Conheça mais sobre a dissertação de mestrado de Paro (2016)

A dissertação de mestrado de Paro (2016) estudou a influência da cultura organizacional nos projetos de transformação e, a partir da ruptura com a teoria atual, construiu e propôs uma sistemática teórica, intitulada de “Sistemática de Transformação” (ou simplesmente “Sistemática T”), a qual propõe o alinhamento entre três dimensões: Estratégia, Projeto de Transformação e Cultura Organizacional.

Fazendo uso desta sistemática, é esperado que os agentes de mudança consigam ter um planejamento mais eficaz do processo de diagnóstico, avaliação e gestão da cultura organizacional alinhado à Estratégia e também ao Projeto de Transformação da organização, com ênfase nos Programas de Lean.

A proposição e uso desta sistemática pode favorecer tanto a discussão acadêmica na área de Gestão de Operações sobre o tema, quanto fornecer subsídios para aplicações práticas mais eficazes.

Na referência deste trabalho há um link para você baixar este trabalho do banco de teses e dissertações da USP.

Mudança organizacional

O processo de mudança organizacional, que também pode ser visto como um processo de aprendizado e inovação, decorre do contexto vivido pelo grupo ou pela organização como um todo. Nesse ponto, podemos considerar novamente os trabalhos desenvolvidos por Edgar H. Schein (Schein, 1984; 2010). Tanto a organização quanto seus grupos enfrentam questões de adaptação externa ou de integração interna, podendo ser perigosas e colocando em risco a sua sobrevivência. 

As pessoas irão se comportar com base em suas crenças, valores e normas previamente estabelecidas, para tentar descobrir formas de lidar com tais problemas e colocando em prática suas abordagens para a resolução dos problemas.

Esse ponto é central no processo de mudança e inovação, uma vez que situações novas exigem invenções, novas descobertas e desenvolvimentos.

Ciclo de reforço positivo – rigidez do status quo

Se uma abordagem funcionar bem o suficiente para resolver um problema em questão, ela é aceita como válida e torna-se natural que passe por um processo de internalização, seja reforçando as crenças daqueles que já conheciam a solução em potencial, seja ensinando os novos membros sobre a forma correta quanto a perceber, pensar e sentir sobre tais problemas.

O compartilhamento coletivo desses pressupostos básicos reforça os valores gerando normas que mais uma vez levam aos comportamentos corretos para a solução dos problemas, formando assim a cultura de uma organização.

A próxima figura representa esses ciclos de reforço mostrando resultados positivos.

Figura 710: representação dos ciclos de reforços positivos do Modelo Iceberg

Na medida em que a organização é bem-sucedida, há uma tendência em se fechar nos seus pressupostos básicos, valores e recursos que a levaram ao sucesso. Isso torna-se um fator de risco, caso o cenário mude e exija outras práticas organizacionais e novas formas de comportamentos, ambas derivadas dos valores manifestos e pressupostos básicos que são mais difíceis de acessar e de mudar.

Se a organização se fechar em um ciclo de reforço de crenças, valores e comportamentos, é bem provável que não se abra a novas descobertas e continue gerando os mesmos resultados derivados de ações, experiências e crenças fixas. Nesse contexto, pode-se dizer que a organização assume uma mentalidade rígida. Christensen & Ovedorf (2000) ilustram esse raciocínio por meio da estrutura RPV (Recursos, Processos e Valores), argumentando que a cultura formada tende a reforçar os valores, manter os processos e direcionar a alocação de recursos com base nas experiências passadas bem-sucedidas.

Conheça mais sobre a publicação de Christensen & Ovedorf (2000)

A publicação de Christensen & Ovedorf (2000) propõe que, para superar os desafios impostos por mudanças disruptivas, as organizações devem avaliar e adaptar suas capabilidades RPV (recursos, processos e valores), reconhecendo que as mesmas estruturas que sustentam o sucesso podem impedir a adaptação necessária para competir em mercados emergentes. Os principais conceitos desta publicação são listados a seguir.

Estrutura RPV (recursos, processos e valores)

  • Recursos: Incluem pessoas, tecnologias, marcas, capital e relações com stakeholders. São elementos tangíveis e intangíveis que afetam diretamente a capacidade de inovação.
  • Processos: Padrões organizacionais que transformam recursos em produtos ou serviços. Incluem rotinas formais e informais, que podem limitar a capacidade de lidar com mudanças quando rigidamente estruturados.
  • Valores: Os critérios pelos quais decisões são priorizadas, como quais produtos ou mercados são mais atraentes. Eles refletem a estratégia da empresa, mas podem dificultar a entrada em mercados com margens menores ou estruturas de custo diferentes.

Cultura e Inovação

  • A cultura organizacional evolui a partir da estrutura RPV, solidificando processos e valores baseados em experiências passadas de sucesso.
  • Essa cultura pode reforçar padrões que dificultam a adoção de inovações disruptivas, especialmente quando estas desafiam os valores e processos dominantes.

Capabilidades versus Limitações

  • O que torna uma organização eficaz em mercados estabelecidos também define suas limitações em mercados emergentes. Processos e valores que sustentam a eficiência em operações existentes frequentemente se tornam barreiras para lidar com disrupções.

Abordagens para Lidar com Disrupções

  • Criar novas estruturas internas: Desenvolver equipes dedicadas (heavyweight teams) para inovar, separadas dos processos padrão.
  • Spin-offs: Criar organizações independentes para desenvolver novos processos e valores.
  • Aquisições: Incorporar empresas cujos processos e valores já se alinhem às demandas da inovação.

Mudança Progressiva e Disruptiva

  • Inovações de sustentação (sustaining innovations) melhoram produtos ou serviços existentes para clientes atuais. Empresas estabelecidas geralmente têm sucesso com elas.
  • Inovações disruptivas (disruptive innovations) criam novos mercados ou reformulam os existentes, muitas vezes com margens menores ou desempenho inferior inicialmente. Essas inovações frequentemente falham em empresas estabelecidas devido às incompatibilidades com os processos e valores existentes.

Reforço do Ciclo de Cultura

  • A cultura consolidada tende a perpetuar a priorização de recursos e processos alinhados aos valores existentes. Mudanças profundas só são possíveis ao criar novas estruturas organizacionais que desafiem esses ciclos.

Uma discussão, de uma outra perspectiva, que trata das mesmas questões é a abordagem das capabilidades dinâmicas, complementando as capabilidades ordinárias, visando a gestão da inovação.

Ciclo dos desafios – Inovação

Uma mentalidade de aprendizagem, inovação e mudança demanda da organização e de seus grupos um espaço para experimentar novidades e colher resultados diferentes, os quais devem ou deveriam ter o poder de desafiar crenças passadas e desenvolver novas crenças, valores e comportamentos para uma nova situação.”

Este ciclo parte da percepção ou constatação que os resultados atuais não funcionam bem o suficiente ou precisam ser diferentes. Outra origem deste ciclo é quando a organização vislumbra que existem novas oportunidades ou desafios futuros resultantes de mudanças tecnológicas ou de comportamentos do ambiente externo.

Isso reforça a necessidade dos processos de rastrear, monitorar e analisar o contexto, apresentados na lógica da inovação.

A próxima figura ilustra este ciclo. 

Figura 711: O ciclo de desafios do Modelo Iceberg

Experiências contribuem para o desenvolvimento e fortalecimento de crença

Connors & Smith (2011) propõem uma pirâmide de resultados, ilustrada na próxima figura. 

Essa pirâmide representa que as experiências contribuem para o desenvolvimento e fortalecimento de crenças, que por sua vez influenciam as ações. Eles consideram que esses três elementos compõem a cultura organizacional, e que eles devem estar em harmonia.

As ações produzem os resultados.

Muitas empresas focam somente nas ações e seus resultados. Mas, segundo este modelo, essas ações resultam das crenças e experiências. Para mudar os resultados precisamos de uma mudança cultural. Isso só se consegue se houver mudanças nas crenças (como as pessoas pensam) e nas ações. Todo esse processo proporciona novas experiências, que ajudam a reforçar as crenças.

Conheça mais sobre a publicação de Connors & Smith (2011)

Ao apresentar o modelo da pirâmide de resultados, Connors & Smith  (2011) reforçam o que já trataram em outras publicações que uma maior responsabilização individual e organizacional gera bons resultados e negócios, assim como a motivação dos funcionários.

A responsabilização deve ser vista como um elemento essencial para fortalecer a cultura organizacional e impulsionar a mudança desejada. Connors & Smith (2011) argumentam que a verdadeira responsabilização não é um instrumento punitivo, mas sim um fator transformador. Ela é uma forma de alinhar crenças, ações e experiências dentro da pirâmide de resultados, criando um ciclo virtuoso que reforça o comprometimento de todos os membros da organização.

A responsabilização é uma tradução do termo, em inglês, accountability, que é difícil de traduzir. Consulte o seu significado no glossário da flexM4i, clicando no link para compreender melhor o conceito deste termo.

Nesse contexto, a responsabilização contribui para construir relacionamentos profissionais mais sólidos e colaborativos. Ao promover uma cultura de apoio mútuo e expectativas claras, as equipes se tornam mais preparadas para enfrentar as complexidades do ambiente de negócios atual. Como resultado, cria-se um espaço em que erros são vistos como oportunidades de aprendizado, e não como motivos para punição.

Não devemos usar a responsabilização somente quando as coisas dão errado. Este caminho não é eficaz e prejudica a cultura organizacional para inovação, pois devemos ter tolerância a falhas.

Além disso, para que uma mudança organizacional seja sustentável, é fundamental que a responsabilização seja incorporada como um princípio básico, orientando tanto as decisões estratégicas quanto às práticas do dia a dia. Isso inclui definir objetivos claros, acompanhar o progresso e criar mecanismos que incentivem o engajamento coletivo na busca por resultados.

Connors & Smith (2011) reforçam que a cultura de responsabilização não apenas fortalece a organização internamente, mas também aumenta sua capacidade de adaptação e resiliência diante das mudanças rápidas do mercado. A verdadeira mudança cultural, portanto, passa por abraçar essa abordagem como uma prática contínua, capaz de alinhar as aspirações individuais aos objetivos organizacionais.

Papel do mindset (mentalidade)

Dweck (2017) apresenta o conceito de mindset fixo (rígido) e mindset de crescimento, que também pode ser considerado no nível do grupo e organização, nesse caso integrando-se com o conceito de cultura organizacional.

Conheça mais sobre a publicação de Dweck (2017)

Dweck (2017) define dois tipos de mindset: 

  • Mindset fixo: Baseia-se na crença de que as qualidades pessoais, como inteligência e talento, são imutáveis. Indivíduos com esse mindset buscam constantemente provar seu valor e evitar situações em que possam parecer inadequados ou insuficientes. Essa abordagem pode levar ao medo do fracasso, resistência ao esforço e à aversão a desafios, pois cada dificuldade é interpretada como um reflexo de suas limitações inatas. Em uma organização, essa mentalidade pode criar uma cultura de estagnação, com baixa inovação e pouca disposição para aprender com erros.
  • Mindset de crescimento: Fundamenta-se na crença de que habilidades e qualidades podem ser desenvolvidas por meio de esforço, aprendizado e experiências. Pessoas com esse mindset enxergam desafios como oportunidades de crescimento e aceitam críticas como ferramentas para aprimoramento. Elas demonstram resiliência diante de adversidades e são motivadas pelo aprendizado contínuo. Em uma organização, essa mentalidade fomenta uma cultura de aprendizado, inovação e colaboração, onde os erros são encarados como oportunidades de melhoria.

O mindset de crescimento é essencial para construir uma cultura organizacional positiva e adaptativa, especialmente em um ambiente de negócios complexo e em constante mudança.

Promover essa mentalidade entre os membros da organização pode melhorar a capacidade de lidar com desafios, aumentar a resiliência e estimular a inovação, criando um ambiente onde as pessoas estejam engajadas no desenvolvimento tanto individual quanto coletivo. Por outro lado, uma cultura dominada pelo mindset fixo pode limitar o potencial da equipe e dificultar a adaptação às mudanças, comprometendo o sucesso organizacional.

O processo de aprendizagem

O processo de aprendizagem é genérico. Além disso, podem existir instâncias diferentes para cada tipo de organização em função de sua história, sua liderança, o setor em que se encontra e o posicionamento de mercado. Assim, tão importante quanto o ciclo de mudança, inovação e aprendizado é o alinhamento entre as diferentes dimensões da mudança.

A dinâmica apresentada é bem complexa e neste tópico foram apresentadas somente algumas das relações existentes.

Veja a abordagem sobre gestão de mudança que complementa os conceitos tratados neste tópico.

Os aspectos da cultura organizacional e suas relações com outras perspectivas de uma empresa determinam, conforme os ciclos apresentados, o maior desafio para a gestão da inovação.

Por isso, recomendamos que você realize um diagnóstico da cultura organizacional da sua empresa aplicando o método de avaliação da cultura de inovação. A partir deste diagnóstico você poderá definir ações para alinhar os seus objetivos de melhorar as capabilidades da sua empresa visando caminhar pela jornada sem fim da inovação.

Conheça o Instrumento de avaliação de cultura de inovação.

Informações adicionais

Listamos a seguir outras seções da flexM4i que complementam os conceitos apresentados.

Sobre gestão versus liderança, clima organizacional versus estilos de liderança:

Indicadores para representação do nível visível da gestão: Balanced Scorecard

Sobre as relações complexas dos atributos e características das pessoas e da organização, que descrevem como as crenças, valores e normas estão relacionadas com outros elementos da visão sistêmica das perspectivas de  pessoas e organização.

Sobre os conceitos fundamentais da abordagem de gestão da mudança que complementam os conceitos tratados neste tópico.

Sobre o reforço dos ciclos da cultura organizacional:

Sobre as abordagens para lidar com disrupções:

Essas informações adicionais devem fazer parte de um arcabouço (framework) de entendimento para poder contribuir para a excelência da cultura da organização.

Apoio do chatGPT

O chatGPT o1 foi utilizado para gerar o resumo e apresentar os principais conceitos das publicações citadas, após algumas interações com o editor desta seção.

Referências

Beer, M., & Nohria, N. (2000). Cracking the code of change. Harvard business review, 78(3), 133-141.

Christensen, C. M., & Overdorf, M. (2000). Meeting the challenge of disruptive change. Harvard business review, 78(2), 66-77.

Connors, R.; Smith, T. (2011) Mude a cultura da sua empresa e vença o jogo: por que criar uma cultura organizacional com base em responsabilidades produz resultados excepcionais. Tradução de Sabine Holler. Rio de Janeiro: Elsevier.

Dweck, C. S. (2017 Mindset: a nova psicologia do sucesso. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Objetiva, 2017.

Gerolamo, M. C. (2019). Gestão da mudança na perspectiva do comportamento organizacional e da liderança: proposta de um framework teórico e avaliação de iniciativas acadêmicas. Tese de Livre Docência, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. doi:10.11606/T.18.2020.tde-10032020-143539 . Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/livredocencia/18/tde-10032020-143539/pt-br.php Recuperado em 28/8/2021

Kaplan, R. S., & Norton, D. P. (2000). Having trouble with your strategy? Then map it. Harvard Business Review, 78(5), 167–176.

Kotter, J. P. (2001). What Leaders Really Do. Harvard Business Review, 37(3), 18–28. 

Paro, P. E. P. (2016). Sistemática de transformação: desenvolvimento teórico para o alinhamento entre estratégia e cultura organizacional nos projetos de Lean. Dissertação de Mestrado, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. doi:10.11606/D.18.2016.tde-05072016-102816. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18156/tde-05072016-102816/pt-br.php Recuperado em 9/1/2025 de www.teses.usp.br

Schein, E. H. (1984). Coming to a new awareness of organizational culture. Sloan management review, 25(2), 3-16.

Schein, E. H. (2010). Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Atlas.

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