Capabilidades dinâmicas e ordinárias

Sua empresa ser capaz de …

flexM4I > abordagens e  práticas > Gestão de (por) processos – BPM (versão 1.3)
Autoria: Henrique Rozenfeld (roz@usp.br)  

Permitem o desempenho de funções administrativas, operacionais e de governança e compreendem as habilidades de reconfigurar, redirecionar, transformar e moldar a empresa e seu ecossistema. Obtê-las é a condição para se diferenciar e manter a competitividade, ou seja, inovar.

Ser capaz de 

  • desempenhar todas as funções exigidas para apoiar a inovação
  • mudar a empresa, sempre que necessário, para incorporar novas práticas (aumentar seu nível de maturidade em inovação) e, assim, lançar novas ofertas  

é a condição para se diferenciar e manter a competitividade.

Definições

“A capabilidade de uma empresa é um conjunto de atividades que a empresa realiza ao utilizar os recursos disponíveis para fazer e/ou entregar produtos e serviços e, assim, gerar lucros” (TEECE, 2014; TEECE & LEIH, 2016). Capabilidades surgem de aprendizagem, recursos e experiências  organizacionais (TEECE, 2014). 

Capabilidades ordinárias  envolvem o desempenho de funções administrativas, operacionais e de governança, normalmente por meio de rotinas mais ou menos eficientes,  que são (tecnicamente) necessárias para realizar seus processos (TEECE, 2014; TEECE, 2018).

Exemplos de capabilidades ordinárias (ver uma lista mais extensa aqui):

  • inovação na implementação de práticas (existentes e de excelência) que aumentem a velocidade, qualidade e eficiência dos processos atuais
  • coletar continuamente informações de desempenho e analisá-las contra metas de curto e médio prazo

Capabilidades dinâmicas compreendem as habilidades de “reconfigurar, redirecionar, transformar e moldar adequadamente e integrar competências essenciais existentes com recursos e estratégias externas e ativos complementares para enfrentar os desafios de um mundo de concorrência e imitação pressionado pelo tempo e em rápida mudança” (TEECE et al., 2016; TEECE, 2014).

Exemplos de capabilidades dinâmicas (ver uma lista mais extensa aqui):

  • excelência em experimentação e aprendizagem
  • desenvolvimento de conjecturas sobre: a evolução das preferências dos consumidores; problemas de negócio; evolução e tendências da tecnologia

A tradução do termo capability

Estamos utilizando como tradução de capability o termo capabilidade, que já existe no dicionário da língua portuguesa. Veja no glossário a discussão que fazemos sobre a tradução, comparando com os termos capacidade ou capacitação em português.

Além da discussão do glossário, destacamos que desde a época do controle estatístico do processo, a área de gestão de operações usa o termo “índice de capacidade do processo” para representar qual a faixa de tolerância de fabricação que um equipamento é “capaz de manter”.  Porém, algumas publicações já usam o termo “capabilidade do processo”.  Você pode notar que mesmo neste último post, os autores usam os dois termos.  Quando tratamos do processo de produção, o termo capacidade do processo de produção, ou capacidade produtiva, “é o número máximo de produtos ou serviços que uma empresa consegue produzir, com os recursos disponíveis, em um determinado tempo”. Ou seja, pode trazer uma ambiguidade no seu uso.

Na área de maturidade de processos, o termo capability também é utilizado para definir o nível de aplicação de práticas de gestão. A combinação dos níveis de capabilidades por áreas de processo resultam em níveis de maturidade do processo. 

Então, uma vez que já incorporamos esse anglicismo à língua portuguesa, consideramos melhor utilizar o termo capabilidade.

Quais são as capabilidades dinâmicas e ordinárias para inovação?

Veja os exemplos de capabilidades dinâmicas voltadas para inovação. Elas são genéricas, pois se conseguíssemos listar todas as possíveis práticas, não trariam um diferencial. Além da quantidade de práticas ser grande, lembre-se que não existe o one-size-fits-all.

Hoje existem empresas que estão se diferenciando e, conforme esses casos sejam de conhecimento público, essas práticas começam a ser difundidas e adotadas por outras empresas. Mas será que as condições de uma empresa que obteve sucesso, existem em outras empresas que adotam as mesmas práticas? 

Além disso, de acordo com a discussão do tópico “como articular a gestão da inovação como as demais abordagens?”, a empresa que deseja ser inovadora deve estar continuamente experimentando as novas abordagens de gestão, sem esquecer das práticas consolidadas, que constituem as capabilidades ordinárias.

Consideramos que o caminho para se obter as capabilidades dinâmicas passa pela excelência nas capabilidades ordinárias. No entanto, isso depende do estágio de evolução do negócio.

Por exemplo, no estágio de evolução de um negócio conhecido por “criação" (“momento startup” de uma empresa existente - estabelecida), não se pode pensar em eficiência e sim em criar e testar algo de valor para os stakeholders (principalmente para o cliente / usuário) para confirmar suas hipóteses de valor e de mercado. Depois de atingir a maturidade, as capabilidades ordinárias devem ser suficientes para se realizar inovações incrementais com o objetivo de se obter excelência operacional. Porém, se surgirem novas tecnologias, como as da indústria 4.0 , as capabilidades ordinárias não vao apoiar o aumento da excelência operacional por meio dessa tecnologia. É necessário adquirir capabilidades dinâmicas para dominar a nova tecnologia.

Categorias e microfundamentos das capabilidades dinâmicas

As capabilidades dinâmicas são divididas em três categorias:

  • sensing (sentir),
  • seizing (aproveitar) e
  • transforming (transformar) nos primeiros artigos sobre este tema, essa categoria era denominada de “reconfigurar as competências internas e externas”; 

e em dois níveis: 

  • capabilidades de alto nível e 
  • “microfundamentos” (TEECE, 2018).

sensing (sentir) – alto nível: encontrar, definir ou criar oportunidades para o futuro. Não é somente realizar pesquisa & desenvolvimento, entender as necessidades dos clientes e as possibilidades tecnológicas. Inclui também entender: demandas latentes, evolução estrutural do setor e do mercado e as estratégias dos competidores e fornecedores perante essa evolução.

sensing (sentir) – microfundamentos: adquirir, analisar, interpretar e sintetizar informações disponíveis em qualquer formato; acumular e filtrar informações de contatos profissionais e redes sociais; estabelecer e testar hipóteses e conjecturas; rastrear, monitorar e estudar  contexto interno e externo (incluindo o ecossistema). Quando sínteses baseadas em evidências forem obtidas, os processos devem ser atualizados. 

seizing (aproveitar) – alto nível: desenvolver produtos, processos e serviços baseado no que foi identificado no sensing; atualizar as competências tecnológicas e os ativos complementares; investir pesadamente em inovações que prometem trazer um grande sucesso mercadológico, criar um modelo de negócio único; alocar recursos na direção das inovações   

seizing (aproveitar) – microfundamentos: analisar múltiplas alternativas e selecionar arquiteturas de produtos e modelos de negócio (padrões); entender a cadeia de valor atual com profundidade (complementar os entendimentos do sensing); definir os limites da empresa (open innovation, colaboração, outsourcing, fusões & aquisições); encontrar e eliminar gargalos, restrições e desperdícios; gestão de custos; definição de soluções complementares e plataformas; tomar decisões de investimento; obter comprometimento do pessoal, estabelecer cultura; liderança para inovação; comunicação efetiva

transforming (transformar) – alto nível: transformar a organização (poucos nível e descentralizada;  reconfigurar os ativos; reajustar as rotinas; gestão da mudança

transforming (transformar) – microfundamentos: decompor estruturas e distribuir decisões (vai contra a integração, trade-off); gerenciamento de soluções complementares e plataformas (definidas no seizing); co-especialização; cooperação; estruturas de incentivo e governança alinhadas com  o aprendizado e geração de novos conhecimentos; compartilhamento de conhecimentos interna e externamente (ecossistemas / redes de conhecimento); procedimentos de governança para monitorar a transferência de tecnologia e propriedade intelectual; controle de fraudes 

Os microfundamentos envolvem o ajuste e a recombinação das capabilidades ordinárias existentes, assim como o desenvolvimento de novas capabilidades ordinárias. 

Na figura a seguir apresentamos a estrutura das capabilidades e mencionamos algumas delas.

Figura 329: as capabilidades dinâmicas de alto nível, seus microfundamentos e as relações com as capabilidades ordinárias

Capabilidades ordinárias

O que um dia foi uma capabilidade dinâmica e trouxe um diferencial competitivo para algumas empresas (por exemplo, a aplicação de lean production), depois de algum tempo foi disseminado e muitas empresas passaram a aplicar a mesma abordagem. Assim, a lean production tornou-se uma capabilidade ordinária. O que era um conhecimento tácito e proprietário duas ou três décadas atrás já se tornou de domínio público e está disponível em livros, consultorias, escolas de engenharia e de negócios (TEECE, 2014) ou na flexM4I.

Apesar disso, as capabilidade ordinárias não estão completamente difundidas globalmente. Hoje em dia, muitas dessas capabilidade são baseadas em tecnologia de informação, que de certa forma “custa menos” para se desenvolver globalmente com base em plataformas onipresentes (como o Google, Twitter, Facebook). Isso nivela ainda mais sua disseminação. São práticas mais fáceis de se imitar.

Segundo Teece, 2014, capacidades ordinárias são normalmente associadas a “países em desenvolvimento”, que dominam melhores práticas relacionadas a tecnologias existentes. As capabilidades dinâmicas relacionam-se com a inovação mais radical e são difíceis de serem imitadas, o que traz uma vantagem competitiva.

Capabilidades ordinárias possibilitam que a empresa realize suas atividades de forma correta e capabilidades dinâmicas permitem que a empresa realize as coisas corretas (TEECE, 2014; TEECE & LEIH, 2016).

Consideramos que o caminho para se obter as capabilidades dinâmicas passa pela excelência nas capabilidades ordinárias. No entanto, isso depende do estágio de evolução do negócio.

Por exemplo, no estágio de evolução “criação” (“momento startup” de uma empresa existente – estabelecida), não se pode pensar em eficiência e sim em criar e testar algo de valor para os stakeholders (principalmente para o cliente / usuário) para confirmar suas hipóteses de valor e de mercado.

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O conteúdo a seguir é para os níveis de treinamento e avançado.

Vamos agora listar algumas dessas capabilidades e suas características (baseadas em TEECE, 2014 e TEECE & LEIH, 2016) que contribuem para a gestão da inovação. O importante aqui é refinar o significado de gestão da inovação.. Atente que muitas dessas capabilidades não são exclusivas da gestão da inovação.

Características e exemplos de capabilidades ordinárias

Capabilidades ordinárias (características):

  • geralmente são divididas em três categorias: administração, operação e governança
  • podem ser mensuradas de acordo com requisitos e contra metas estabelecidas
  • busca eficiência
  • são fundamentais e podem garantir uma vantagem competitiva por muito tempo
  • mas não são suficientes para manter vantagens competitivas para sempre (somente se for em ambientes pouco competitivos ou com barreiras contra competidores)
  • podem ser obtidas por meio de consultorias, treinamentos e com pouco investimento
  • quando as ofertas da empresa estiverem sintonizadas com as necessidades do mercado, pode significar que a excelência nas capabilidades ordinárias seja suficiente para conseguir uma vantagem competitiva, mas até que as condições mudem (por exemplo, se uma outra empresa lançar uma inovação disruptiva)

Capabilidades ordinárias (exemplos):

  • inovação na implementação de práticas (existentes e de excelência) que aumentem a velocidade, qualidade e eficiência dos processos atuais
  • controle de custo
  • pessoal capacitado, incluindo prestadores de serviços, para realizar com excelência os processos atuais
  • obter infraestrutura e equipamentos adequados para o negócio atual
  • processos e rotinas, incluindo manuais técnicos
  • coordenação administrativa
  • coletar continuamente informações de desempenho e analisá-las contra metas de curto e médio prazo
  • recompensar quem atingir as metas
  • retreinar (ou despedir) pessoas com baixo desempenho
  • uso de dados de benchmarking
  • uso de tecnologias existentes (“de prateleira”)
  • treinamento em (melhores) práticas

Características e exemplos de capabilidades dinâmicas

Capabilidades dinâmicas (características):

  • geralmente são divididas em três categorias: sensing (sentir), seizing (aproveitar) e transforming (transformar)
  • busca a inovação (mais radical), orquestração e adaptação
  • residem parcialmente nos indivíduos da empresa (principalmente nos gestores)
  • embora processos sejam elementos das capabilidades dinâmicas, bons gestores são capazes de pensar de forma criativa e empreendedora sem os benefícios (ou limitações) das rotinas  

Capabilidades dinâmicas (exemplos):

  • identificação, desenvolvimento, codesenvolvimento e avaliação das oportunidades tecnológicas visando à inovação (sensing) 
  • (dos dirigentes, C-level) desenvolvimento de conjecturas sobre: a evolução das preferências dos consumidores; problemas de negócio; evolução e tendências da tecnologia (sensing)
  • validação e ajuste dessas conjecturas (sensing)
  • (dos dirigentes, C-level) reconhecer desenvolvimentos importantes e tendências (sensing) para então delinear uma resposta (seizing), guiar e liderar a empresa na mudança (transforming) para lidar / enfrentar as ameaças e aproveitar  as oportunidades
  • mobilizar recursos para atender às necessidades e aproveitar as oportunidades (seizing)
  • inovação de ofertas e processos radicais e disruptivos (seizing)
  • coordenação, integração e orquestração única dos processos de inovação, que envolve a combinação de vários recursos, visando o intraempreendedorismo  (seizing)
  • excelência em experimentação e aprendizagem (seizing e transforming)
  • processos únicos (tradução de signature processes) patrimônios da empresa, baseados em ações e aprendizados do passado no contexto específico, que não são facilmente imitáveis por outras empresas que não possuem a mesma história e cultura (seizing)
  • esses processos únicos são apoiados por recursos que apoiam uma vantagem competitiva durável  (seizing)
  • esses recursos são denominados de VRIN – valiosos, raros, não imitáveis e não substituíveis (seizing)   
  • renovação, reconfiguração ou realinhamento constante dos recursos e ativos para inovar e mudar continuamente e responder a ameaças (transforming)
  • cultura organizacional orientada para mudanças (transforming)
  • valores e cultura organizacionais com habilidades coletivas para rapidamente implementar um novo modelo de negócio ou outras mudanças (transforming)

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Referências

TEECE, David J. (2014). The foundations of enterprise performance: Dynamic and ordinary capabilities in an (economic) theory of firms. Academy of management perspectives, [S. l.], v. 28, n. 4, p. 328–352.

TEECE, David; LEIH, Sohvi (2016). Uncertainty, innovation, and dynamic capabilities: An introduction. California Management Review, v. 58, n. 4, p. 5-12.

TEECE, D. J. (2018). Business models and dynamic capabilities. Long range planning, 51(1), 40-49.

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