Mandato de inovação
flexM4I > abordagens e práticas > Mandato de inovação (versão 1.0)
Autoria: Henrique Rozenfeld ([email protected]) com apoio do chatGPT (leia mais).
Conteúdo desta página
- 1 Introdução
- 2 Definição do mandato da inovação
- 3 Contexto e origem do conceito
- 4 Componentes de um mandato
- 5 Qual o papel do mandato na institucionalização da inovação
- 6 Atributos essenciais de um bom mandato
- 7 Como elaborar e manter vivo o mandato
- 7.1 Co-criar com C-level e conselho
- 7.2 Documentar o mandato da inovação
- 7.3 Comunicar e disseminar de forma ampla e estruturada
- 7.4 Revisar anualmente
- 7.5 Vincular incentivos ao atingimento de metas e indicadores da inovação
- 7.6 Armadilhas recorrentes na formulação e manutenção do mandato
- 7.7 Recomendações para institucionalização da inovação
- 8 Comparando o mandato da inovação com a tese de inovação
- 9 Conceitos análogos em outras abordagens
- 10 Exemplos de mandatos da inovação
- 11 Procedimentos e apoio do chatGPT
- 12 Referências
Introdução
Entre os elementos que compõem um sistema de gestão da inovação, o mandato cumpre o papel de fundamentar a existência da função de inovação na organização. Ele estabelece a conexão entre os desafios estratégicos e a atuação das estruturas responsáveis por explorar o novo. Sem um mandato claro, a inovação tende a ser marginalizada, mal compreendida ou facilmente descontinuada diante de pressões operacionais.
Esta seção apresenta o mandato da inovação como um instrumento técnico e político, detalha seus componentes centrais, discute seus atributos essenciais e indica caminhos para sua formulação, atualização e comunicação. A seção também aborda armadilhas recorrentes, oferece recomendações práticas para sua institucionalização e diferencia o mandato da tese de inovação — outro instrumento relevante, mas com papel estratégico distinto.
Definição do mandato da inovação
O “mandato da inovação” é uma declaração formal da alta liderança que confere legitimidade, orientação estratégica e condições institucionais para que a inovação aconteça de forma consistente na organização. Trata-se de uma expressão clara do papel que a empresa atribui à inovação, respondendo a questões como:
- Por que inovar? (qual problema estratégico se busca resolver?)
- Para quê inovar? (quais resultados se espera alcançar?)
- Em que tipos de inovação ou frentes atuar? (ex: produtos, processos, modelos de negócio, mercados, tecnologias)
- Com que grau de autonomia, orçamento e horizonte de tempo?
A proposta do mandato está fortemente associada à ideia de se criar uma função dedicada à inovação, com estrutura, equipe e recursos próprios. O mandato define os limites e a amplitude de atuação dessa função de inovação, garantindo-lhe proteção contra as pressões operacionais de curto prazo e posicionamento dentro da estratégia corporativa.
Ainda que a proposta original pressuponha um elemento organizacional dedicado, o conceito pode ser adaptado para empresas com menos recursos ou menor grau de formalização. Nesses casos, o mandato pode estar associado a lideranças já existentes, desde que haja clareza sobre a função da inovação e comprometimento institucional para sustentá-la ao longo do tempo.
O mandato é especialmente crítico quando a empresa pretende atuar fora de seu core business (horizonte H1). Nessas situações, onde a inovação envolve maior incerteza, riscos e resistências internas (horizonte H2 e horizonte H3), o mandato funciona como um escudo protetor, assegurando recursos exclusivos, autonomia decisória e governança diferenciada.
Sem um mandato claro, a inovação tende a ser tratada como uma atividade marginal, pontual ou oportunista, facilmente sacrificada diante de prioridades operacionais. Já com um mandato bem definido e sustentado pela alta liderança, a empresa cria as condições para que a inovação se torne uma competência organizacional de fato.
Contexto e origem do conceito
O conceito de mandato da inovação foi desenvolvido por Gina O’Connor e seus colegas a partir de estudos realizados com grandes empresas norte-americanas que buscavam construir uma competência organizacional para desenvolver inovações de ruptura (breakthrough innovations). Esses estudos identificaram que, para que a inovação deixasse de depender apenas de pessoas heróicas ou esforços pontuais, seria necessário institucionalizá-la como uma função organizacional com estruturas, papéis e sistemas de apoio consistentes (O’Connor et al., 2008).
Nesse contexto, o mandato surge como um dos sete elementos centrais do sistema de gestão da inovação proposto por O’Connor, formando um sistema de gestão coeso e interdependente, como mostra o próximo tópico.
Figura 1357: elementos de um sistema de gestão
Fonte: veja quadro a seguir
A figura acima foi retirada de uma apresentação realizada pela própria Gina Colarelli O’Connor em 2014 (6 anos após a publicação do livro), na qual ela aparentemente fez um pequeno ajuste na figura. Acessamos essa apresentação em maio de 2025 no endereço: https://corporateinnovation.berkeley.edu/wp-content/uploads/2014/10/Apr08_Grabbing_Lightning.pdf Essa versão é semelhante à figura da publicação original de O’Connor et al. (2018), onde alguns dos elementos estão integrados em uma mesma caixa. |
Cada elemento define um aspecto que precisa ser deliberadamente projetado e sustentado para que a inovação de ruptura se torne recorrente na organização:
- Mandato e escopo: define a razão de ser da função de inovação, seus limites e sua integração com a estratégia corporativa.
- Liderança e cultura: traduz o patrocínio da alta gestão e os valores culturais que sustentam o comportamento inovador.
- Estrutura organizacional e interfaces: estabelece como a função de inovação se articula com o restante da organização.
- Governança e tomada de decisão: define os mecanismos de tomada de decisão, alocação de recursos e gestão do portfólio.
- Processos e ferramentas: inclui os processos de descoberta, incubação e aceleração, bem como ferramentas de apoio.
- Desenvolvimento de competências e talentos: trata da formação e evolução da equipe de inovação.
- Métricas e recompensas: define os critérios de desempenho e os mecanismos de reconhecimento e incentivo.
Na obra Grabbing Lightning (O’Connor et al., 2008), e mais tarde em Beyond the Champion (O’Connor et al., 2018), o mandato é apresentado como o ponto de partida que dá legitimidade à função de inovação, define seu espaço de atuação (core, adjacente, white space) e alinha expectativas com a liderança executiva. Sem um mandato claro, os demais elementos do sistema tendem a ser desarticulados ou inconsistentes.
Nos trabalhos mais recentes, a autora passa a tratar a inovação radical como um estágio da inovação estratégica, reforçando a ideia de que o mandato é também um mecanismo de conexão entre a função de inovação e a formulação da estratégia corporativa. |
Componentes de um mandato
Um mandato da inovação bem formulado não é um enunciado genérico sobre a importância de inovar, mas uma declaração clara e estruturada que responde a perguntas-chave e estabelece condições organizacionais reais para a atuação da função de inovação.
Neste tópico listamos os principais componentes e discutimos qual o nível de detalhamento apropriado.
Principais componentes
Abaixo estão os principais componentes que devem ser considerados:
- Propósito estratégico: qual é a lacuna de crescimento, reposicionamento ou renovação estratégica que se pretende endereçar por meio da inovação? O mandato deve explicitar para que a empresa está investindo em inovação. Boas práticas incluem relacionar esse propósito a metas de receita, margens, ESG ou outras prioridades estratégicas vinculadas aos horizontes de inovação (H1, H2, H3).
- Âmbito e foco: em quais domínios tecnológicos, mercados, segmentos de clientes ou modelos de negócio a função de inovação deve atuar? O mandato pode delimitar plataformas tecnológicas prioritárias, territórios de mercado ou áreas em que a empresa quer adquirir competências. Recomenda-se que essas direções estejam conectadas com os desafios da estratégia corporativa ou de suas unidades de negócio.
- Contribuições esperadas: qual é a magnitude e o tipo de resultado que se espera alcançar com a criação da função de inovação? O mandato pode explicitar contribuições em termos de crescimento de receita, entrada em novos mercados, geração de conhecimento, diferenciação competitiva, impacto socioambiental ou outro vetor estratégico. Essas contribuições podem ser descritas como metas de longo prazo ou como ambições qualitativas. A forma de mensuração dessas metas — como indicadores financeiros ou de aprendizado — é tratada em outro elemento do sistema de gestão da inovação.
- Governança e autonomia: qual o grau de independência da função de inovação em relação à gestão operacional? O mandato deve explicitar a quem a estrutura de inovação se reporta, quem participa da tomada de decisão nos gates, como se articula com o conselho ou comitês internos, e quais os limites de autonomia para iniciar, testar ou pivotar iniciativas.
- Recursos dedicados e proteção institucional: quais recursos estão assegurados para garantir a continuidade da função? Um mandato robusto define um orçamento plurianual, equipes dedicadas e, muitas vezes, caminhos de carreira específicos para profissionais de inovação. Esses elementos reforçam a estabilidade da função diante de pressões conjunturais.
- Critérios de valor e tolerância ao risco: com base em que princípios os projetos serão selecionados e avaliados? O mandato pode declarar que, em determinadas frentes, o critério será aprendizado validado e não retorno financeiro imediato. Também pode explicitar o apetite ao risco, as zonas em que se aceita falhar ou as premissas a serem testadas.
Esses componentes são interdependentes e devem ser consistentes entre si. Por exemplo, não faz sentido declarar uma ambição transformacional com recursos escassos ou uma orientação voltada a inovações de horizonte 3 (H3), como novos modelos de negócio ou domínios totalmente novos para a empresa, sem mecanismos de proteção organizacional.
Mecanismos de proteção organizacional” são estruturas, práticas e políticas que protegem a função de inovação — especialmente aquela voltada a iniciativas mais arriscadas e fora do core business — contra interferências ou decisões que poderiam comprometer sua continuidade ou autonomia. No contexto do mandato da inovação, esses mecanismos incluem, por exemplo:
Esses mecanismos são especialmente importantes para dar viabilidade à inovação de horizonte 3 (H3), que explora novas frentes e pode entrar em conflito com a lógica dominante da organização. |
A qualidade do mandato influencia diretamente a capacidade da empresa de estruturar um portfólio de projetos e iniciativas de inovação que seja ao mesmo tempo diversificado, sustentável e capaz de gerar resultados relevantes ao longo do tempo.
Qual o nível de detalhamento desses componentes?
Embora o mandato da inovação deva ser claro e orientador, ele não precisa (nem deve) ser excessivamente detalhado em todas as suas dimensões desde o início. O nível de detalhamento adequado depende do estágio de maturidade da função de inovação, da cultura organizacional e do grau de alinhamento existente com a liderança.
Em empresas que estão estruturando sua função de inovação, um mandato mais conciso e flexível pode ser suficiente para estabelecer direções iniciais, desde que haja clareza quanto ao seu propósito e ao tipo de inovação desejada.
Por exemplo, em empresas estabelecidas que começam a estruturar uma função organizacional dedicada à inovação, o mandato pode declarar uma prioridade geral como “explorar novas fontes de receita com base em modelos de negócio digitais”, sem ainda definir métricas precisas, domínios tecnológicos específicos ou plataformas prioritárias.
Já em empresas mais maduras, que possuem estruturas, equipes e processos consolidados, é desejável que os componentes do mandato estejam mais refinados e articulados com os demais mecanismos de governança e de gestão do portfólio.
Por exemplo, uma empresa industrial pode estabelecer em seu mandato que a função de inovação deve focar em inovações tecnológicas aplicadas a produtos e serviços em segmentos emergentes, e que as decisões sobre alocação de recursos para exploração de novas oportunidades serão conduzidas por um comitê independente da governança operacional tradicional. Isso oferece um direcionamento organizacional claro, sem ainda definir antecipadamente os mercados ou tecnologias específicas.
Nem todos os componentes requerem o mesmo grau de detalhamento:
- O propósito estratégico e o escopo de atuação devem ser bem definidos desde o início, pois dão identidade à função e delimitam sua interface com as demais áreas.
Por exemplo, ao declarar que a função de inovação deve buscar oportunidades em mobilidade urbana e em energia descentralizada, a empresa evita que projetos desconexos sejam priorizados. - As métricas, os critérios de valor e os mecanismos de governança podem evoluir com o tempo, conforme a organização aprende a avaliar melhor seus projetos de inovação.
Por exemplo, uma empresa pode começar com critérios qualitativos e, aos poucos, incorporar KPIs de aprendizado, de validação de mercado ou de readiness de tecnologia. - O grau de autonomia e os recursos dedicados devem ser declarados de forma realista, mas podem ser aprofundados progressivamente à medida que a função ganha confiabilidade e entrega resultados. Um caso comum é a evolução de um time pequeno com budget limitado para uma unidade com funding plurianual e acesso direto ao comitê executivo.
O mais importante é evitar dois erros comuns:
- deixar o mandato genérico demais, tornando-o simbólico e sem consequências práticas; ou
- detalhá-lo de forma excessiva e prematura, gerando rigidez e reduzindo a capacidade de adaptação — nesse caso, o documento deixa de ser um mandato e passa a se aproximar de uma tese de inovação (tema que é discutido mais adiante em um tópico específico de comparação entre ambos).
O mandato deve ser formalizado em um documento de referência, que consolide a direção estratégica, os limites de atuação e os mecanismos institucionais de suporte à inovação — mas que também possa ser revisto e adaptado conforme a função de inovação evolui.
Empresas com portfólios diversificados ou múltiplas unidades de negócio podem detalhar o mandato por segmento, enquanto organizações mais enxutas podem adotar versões únicas e sintéticas. A chave está na clareza para os públicos internos e no alinhamento com o nível de maturidade da função de inovação. |
Qual o papel do mandato na institucionalização da inovação
O mandato da inovação cumpre uma função central no processo de institucionalização da inovação dentro das organizações. Ou seja, ele transforma intenções em estruturas, práticas e compromissos organizacionais duradouros. Para facilitar a compreensão, podemos distinguir dois níveis principais dessa institucionalização: o político e o operacional.
Institucionalização política: legitimidade e proteção estratégica
No plano político, o mandato atua como uma declaração formal que legitima a criação da função de inovação diante da alta liderança e da organização como um todo. Isso implica reconhecer que inovar exige recursos, autonomia e foco distintos da gestão do core business. Um mandato bem formulado torna-se um instrumento de proteção contra a volatilidade do curto prazo, garantindo que as iniciativas de médio e longo prazo não sejam sistematicamente sufocadas por ciclos orçamentários anuais ou pela lógica imediatista de retorno.
Além disso, o mandato serve como base para acordos institucionais com o conselho, comitês estratégicos e áreas de negócio, o que fortalece seu status político e evita que a função de inovação dependa exclusivamente do entusiasmo de um único patrocinador ou líder.
Institucionalização operacional: desdobramento nos sistemas da empresa
No plano operacional, o mandato precisa ser incorporado aos mecanismos cotidianos de gestão, para que sua influência seja de fato sentida na priorização de esforços e alocação de recursos. Isso envolve:
- Conectar o mandato aos critérios de avaliação e seleção de projetos no portfólio de inovação;
- Utilizá-lo como norte para definir temas de busca tecnológica, oportunidades de negócio e desafios estratégicos;
- Traduzir suas diretrizes em metas de equipe, ciclos de OKRs, sistemas de reconhecimento e indicadores de progresso;
- Garantir que os papéis, processos e fóruns de decisão estejam alinhados com os princípios estabelecidos pelo mandato.
Elemento estruturante da governança da inovação
Dessa forma, o mandato deixa de ser apenas uma carta de intenções e se torna um elemento estruturante da governança da inovação, ajudando a coordenar as ações dispersas e garantir coerência entre ambição e execução.
A literatura de Gina O’Connor é clara ao afirmar que empresas sem um mandato bem definido tendem a cair em dois cenários:
- A inovação é tolerada, mas marginalizada. Sem recursos próprios ou autonomia, acaba sendo absorvida pelas pressões operacionais.
- A inovação é celebrada, mas não sustentada. Cria-se um “teatro da inovação”, com eventos e ideias sem continuidade, pois não há mecanismos institucionais que garantam o ciclo de descobrimento, incubação e aceleração.
Efeitos principais da institucionalização
Esses riscos — inovação marginalizada ou teatralizada — tendem a se concretizar quando o mandato é ausente, genérico ou frágil. Por outro lado, quando bem formulado e sustentado institucionalmente, o mandato da inovação contribui para sua consolidação nos seguintes aspectos:
- Legitimidade organizacional: confere identidade, reconhecimento e proteção à função de inovação frente às pressões do dia a dia operacional, preservando o comprometimento da liderança mesmo diante de trocas de gestão.
- Foco estratégico: orienta a atuação da inovação para domínios coerentes com as ambições de crescimento ou renovação da empresa, evitando iniciativas dispersas ou desconectadas da tese estratégica.
- Alinhamento sistêmico: permite configurar métricas, processos, papéis, fóruns de decisão e estruturas organizacionais de forma coerente, sustentando a inovação no longo prazo. Em sua ausência, estruturas como labs e hubs operam de maneira isolada, sem tração organizacional.
- Accountability de longo prazo: define expectativas de desempenho compatíveis com os horizontes da inovação (como H2 e H3), evitando a descontinuidade precoce por falta de “prova de valor” em prazos irreais.
Importante: esses efeitos positivos só se concretizam quando o mandato apresenta os atributos essenciais descritos no tópico seguinte. |
Atributos essenciais de um bom mandato
O mandato da inovação, embora seja formalizado como um documento de referência, não deve ser entendido como uma declaração estática e definitiva. Trata-se de uma diretriz organizacional que combina estabilidade com capacidade de evolução, à medida que a função de inovação amadurece e as condições do ambiente externo e da estratégia corporativa se transformam.
O mandato da inovação não é uma “missão inspiradora” ou um enunciado de intenção genérico.
Trata-se de um instrumento técnico-político que baliza o funcionamento da função de inovação, operando como um elo entre a estratégia da empresa e a sua capacidade de explorar o novo com disciplina e proteção institucional.
A seguir, são apresentadas alguns atributos essenciais desse instrumento:
- Estabilidade relativa: o mandato precisa ter continuidade suficiente para orientar decisões ao longo do tempo, criar legitimidade política interna e permitir o acúmulo de competências e aprendizados. Mudanças frequentes de escopo ou foco podem comprometer a credibilidade da função de inovação.
- Capacidade de revisão: apesar da necessidade de estabilidade, o mandato deve ser revisto periodicamente. Alterar a direção de uma função de inovação pode ser estratégico quando há mudanças relevantes no ambiente competitivo, nas prioridades corporativas ou nos aprendizados acumulados com o portfólio. Mandatos excessivamente fixos podem limitar a adaptação.
- Delimitação do escopo e dos mecanismos institucionais: um mandato não é uma tese de inovação (veja a comparação mais adiante). Ele não define os mercados, as tecnologias ou as propostas de valor específicas que a empresa perseguirá, mas sim as condições organizacionais que permitirão explorar oportunidades de forma consistente. Trata-se de um guia que define “onde jogar” e “com que proteção jogar”.
- Abrangência institucional: o mandato está necessariamente associado a uma função organizacional de inovação, que pode assumir diversas formas (como laboratórios, hubs, unidades de negócio ou times dedicados), mas que requer um reconhecimento formal para operar com certo grau de autonomia.
- Alinhamento estratégico e orientação prospectiva: o mandato deve articular-se com a estratégia corporativa, não apenas refletindo as prioridades atuais da empresa, mas também antecipando direções futuras. Isso significa incluir espaços de exploração em mercados ainda não dominados e com tecnologias ainda em validação.
- Nível adequado de formalização: embora possa variar de empresa para empresa, espera-se que o mandato esteja documentado, mesmo que em formato breve, para garantir clareza e accountability. Empresas que mantêm o mandato apenas de forma implícita têm mais dificuldade em proteger recursos e sustentar coerência no portfólio de inovação.
Criar uma área de inovação? Embora o mandato esteja associado a uma função de inovação, essa função pode ser representada por diferentes elementos organizacionais — e não há necessidade de que esses elementos tenham explicitamente o termo “inovação” em sua denominação. Na prática, quando apenas uma área é rotulada como “área de inovação”, isso pode induzir à percepção de que inovar é uma responsabilidade exclusiva daquela equipe, reduzindo o engajamento das demais áreas, dificultando a colaboração transversal e, em alguns casos, gerando resistências ou boicotes velados. Um mandato efetivo deve ser institucionalizado de forma ampla, articulando a função de inovação com o restante da organização de modo a fomentar participação, legitimidade e senso compartilhado de responsabilidade pela agenda de futuro da empresa. |
Como elaborar e manter vivo o mandato
A criação do mandato da inovação não se resume a redigir um documento estratégico — ela exige um processo de construção política, articulação organizacional e renovação contínua.
Elaborar um bom mandato significa conectar o papel da inovação aos desafios futuros da organização, garantindo que essa conexão seja reconhecida pela alta liderança, compreendida pelas áreas operacionais e sustentada por mecanismos concretos de ação. Mais do que um ponto de partida, o mandato deve permanecer vivo ao longo do tempo, sendo ajustado à medida que a empresa aprende, evolui e reconfigura suas apostas estratégicas.
A seguir, são apresentadas boas práticas para elaborar e manter vivo o mandato da inovação.
Co-criar com C-level e conselho
O mandato deve emergir de conversas estratégicas com a alta gestão e, quando possível, com membros do conselho de administração.
No entanto, essas conversas podem ser enriquecidas com a participação de um comitê assessor de inovação — estrutura prevista em modelos de governança — que reúne representantes de diferentes áreas, níveis hierárquicos e, em alguns casos, especialistas externos. Esse comitê pode oferecer uma visão mais diversa e conectada com os desafios operacionais, ampliando a legitimidade do mandato e facilitando sua institucionalização.
Workshops estruturados ajudam a conectar disrupções externas às metas estratégicas da empresa, que depois poderão ser desdobradas em OKRs ou outros instrumentos táticos pelos times executores, garantindo que o mandato reflita tanto ameaças quanto oportunidades percebidas pela liderança.
Documentar o mandato da inovação
Mesmo que a linguagem seja informal, o mandato deve estar registrado em um documento de 1 a 2 páginas, frequentemente chamado de “innovation charter”.
Como discutido nos tópicos sobre os principais componentes e as características do mandato, esse documento formaliza o propósito da função de inovação, os tipos de aposta estratégicas (como inovações de core, adjacentes e transformacionais), a governança mínima para avaliação e acompanhamento, e os limites institucionais (orçamento, tempo, escopo).
Simplicidade e clareza são preferíveis à completude.
Comunicar e disseminar de forma ampla e estruturada
O mandato precisa ser amplamente comunicado e compreendido. Isso envolve ir além de simples comunicados institucionais.
É recomendável combinar diferentes canais e formatos, como town-halls, vídeos explicativos, FAQs interativos e playbooks visuais, adaptando a linguagem para diferentes públicos dentro da empresa.
A comunicação deve incluir não apenas o conteúdo do mandato, mas também o porquê da sua criação, o que muda na prática e como cada área pode ou deve contribuir para seu sucesso.
Líderes intermediários e multiplicadores internos têm papel crucial nesse processo, atuando como tradutores e apoiadores da agenda de inovação no cotidiano.
Revisar anualmente
O mandato deve ser um documento vivo. Mudanças no portfólio, no pipeline, nos aprendizados, nas estratégias corporativas e no ambiente externo (como alterações no cenário PESTEL — político, econômico, social, tecnológico, ecológico e legal) justificam reavaliações periódicas.
A revisão não significa instabilidade, mas sim a capacidade de evoluir com coerência e responsividade estratégica.
Vincular incentivos ao atingimento de metas e indicadores da inovação
Para que o mandato tenha força institucional, é necessário integrá-lo aos sistemas de reconhecimento e avaliação da empresa. Isso inclui conectar metas de times e lideranças às frentes de inovação descritas no mandato, incluir KPIs de aprendizagem e progresso, e alinhar critérios de bônus e promoção ao engajamento com a agenda de inovação.
Sem esse alinhamento, as equipes continuarão priorizando exclusivamente métricas tradicionais de eficiência e curto prazo, o que pode minar os esforços de inovação, sobretudo aqueles mais ousados, voltados para novas ofertas, modelos de negócio ou mercados ainda não consolidados.
Essas frentes mais distantes do dia a dia da operação — muitas vezes chamadas de “inovação fora do core” — incluem iniciativas que não se limitam a melhorar produtos existentes ou otimizar processos já conhecidos, mas que buscam explorar novas fontes de valor para o futuro da organização.
Exemplos: criar um novo modelo de assinatura de uso de um produto (por meio da servitização) em uma empresa tradicional de bens físicos, ou desenvolver um produto baseado em inteligência artificial em um setor ainda pouco digitalizado.
A seguir, trazemos alguns exemplos de como os incentivos podem ser desenhados para apoiar essas direções estratégicas.
- Bônus por aprendizado validado: remuneração variável associada ao avanço em ciclos de experimentação, mesmo quando o projeto não resulta em produto final. O foco está no progresso do conhecimento validado.
- Promoções com base em contribuição à agenda de inovação: avaliação qualitativa e quantitativa da atuação do colaborador em iniciativas ligadas às frentes estratégicas do mandato (como novos modelos de negócio, tecnologias emergentes ou transformação organizacional).
- Reconhecimento institucional de patrocinadores de inovação: prêmios e visibilidade institucional para executivos e gestores que apoiam e legitimam as iniciativas de inovação estratégica.
- Critérios de promoção baseados em competências de inovação: valorização de habilidades específicas como testagem de hipóteses, tolerância ao erro e colaboração transversal nos processos formais de avaliação.
- Participação em resultados de iniciativas intraempreendedoras: colaboradores que lideram ou participam de projetos internos com alto potencial de geração de valor — como novas linhas de negócio, spin-offs ou startups corporativas — podem receber participação nos lucros, ações da nova empresa ou participação em fundos internos de equity vinculados ao CVC.
Naturalmente, alguns dos incentivos sugeridos, como participação em spin-offs ou bônus por validação de ideias, exigem estruturas mais maduras de governança e avaliação, e devem ser calibrados ao estágio de desenvolvimento da função de inovação. |
- Reconhecimento por ideias implementadas com impacto: colaboradores que contribuírem com sugestões que forem efetivamente implementadas e que gerarem resultados (como redução de custos, aumento de receita, melhoria de processos ou criação de novos produtos) podem ser premiados com bônus, visibilidade institucional ou pontos em sistemas internos de mérito. A avaliação deve considerar critérios de viabilidade, alinhamento ao mandato e impacto mensurável — não apenas o volume de ideias.
Em empresas que adotaram incentivos baseados apenas na submissão de ideias, sem considerar sua qualidade ou viabilidade, o volume de sugestões irrelevantes cresceu tanto que inviabilizou a gestão do processo. A sobrecarga levou, em muitos casos, à descontinuidade da iniciativa. |
Armadilhas recorrentes na formulação e manutenção do mandato
A construção e manutenção de um mandato da inovação eficaz exige mais do que boas intenções. Algumas armadilhas se repetem em diferentes empresas e contextos, comprometendo a efetividade da função de inovação e sua integração à estratégia da organização.
A seguir, listamos as falhas mais recorrentes, suas consequências e contramedidas recomendadas:
- Mandato genérico (“ser inovador”): quando o mandato se limita a declarações vagas como “inovar é importante” ou “ser referência em inovação”.
- Consequência: ambiguidade, dispersão de esforços e dificuldade de priorização.
- Contramedida: definir domínios concretos de atuação e metas estratégicas claras, mesmo que com alto nível de incerteza. Exemplos: porcentagem de receita futura fora do core, número de testes em novas plataformas tecnológicas, etc.
- Patrocínio limitado a um único “innovation champion”: a inovação depende exclusivamente da vontade ou influência de uma liderança isolada.
- Consequência: a função de inovação perde legitimidade ou desaparece com mudanças na liderança.
- Contramedida: formalizar o mandato em instâncias institucionais, como ata de conselho, plano estratégico ou contrato orçamentário plurianual. Engajar mais de um executivo sênior.
- Ausência de recursos dedicados: a inovação é incluída nas responsabilidades existentes sem tempo, equipe ou orçamento específicos.
- Consequência: iniciativas de inovação se tornam ações pontuais, feitas “quando sobra tempo”, e não geram resultados consistentes.
- Contramedida: alocar orçamento específico (“ring-fenced”) para inovação, separado das metas operacionais, com critérios alinhados ao mandato.
O que é um ring-fenced? O termo ring-fenced, em gestão e finanças, significa que um determinado recurso (normalmente orçamento ou ativos) está isolado, protegido e reservado exclusivamente para um propósito específico. No contexto da inovação, um orçamento ring-fenced é um montante separado que não pode ser remanejado para outras áreas da empresa – mesmo em caso de cortes ou pressões financeiras no core business. Ou seja, ao dizer que é necessário um “budget ring-fenced por horizonte”, estamos recomendando que a empresa:
Esse tipo de proteção é essencial para que a função de inovação consiga operar com autonomia, continuidade e foco em resultados de médio e longo prazo. Os valores por horizonte e a porcentagem relativa entre eles pode variar, como mostramos no tópico “Equilíbrio dos investimentos nos três horizontes” da seção “Três horizontes de inovação e crescimento”. |
- Revisão esporádica ou inexistente: o mandato é criado, mas não é revisitado diante de mudanças no contexto estratégico ou nos aprendizados acumulados.
- Consequência: o mandato se torna obsoleto, perde aderência ao mercado e reduz sua força política interna.
- Contramedida: estabelecer rituais de recalibração — como workshops, off-sites ou revisões estratégicas anuais — para atualizar o mandato com base em dados, tendências e revisões do portfólio.
Essas falhas podem se constituir em um checklist para avaliar a solidez de mandatos já existentes e orientar sua reformulação contínua com base em lições aprendidas. |
Recomendações para institucionalização da inovação
Este subtópico complementa as orientações anteriores com sugestões práticas para empresas que estão iniciando a institucionalização da inovação e definindo seu primeiro mandato. O objetivo é evitar armadilhas comuns e orientar uma construção viável, legítima e ajustada à realidade da organização.
- Comece pequeno, mas com clareza: um mandato enxuto e comunicável vale mais que um guia extenso e genérico, pouco utilizado. Clareza de propósito e foco estratégico inicial são mais importantes que detalhamento excessivo.
- Evite a armadilha do lab isolado: a criação de uma função de inovação deve ser legitimada pela alta gestão e conectada aos desafios do negócio. Estruturas isoladas, sem mandato claro, tendem a virar espaços marginais ou simbólicos.
- Integre o mandato ao processo de portfólio: use o mandato como critério guarda-chuva nos stage-gates e nos ciclos de OKRs, garantindo que decisões de priorização estejam alinhadas com os objetivos institucionais da função.
- Use o mandato na narrativa externa: investidores, parceiros e talentos potenciais entendem rapidamente o compromisso institucional com a inovação e a existência de uma função organizada para sustentá-la. Contudo, o papel de explicitar o “porquê” da agenda de inovação e suas apostas estratégicas pertence à tese de inovação (veja adiante a comparação entre esses dois conceitos), enquanto o mandato comunica os contornos dessa função — seu escopo, prioridades e mecanismos de sustentação interna.
- Reconheça que o mandato inaugura uma nova governança: ao institucionalizar o mandato da inovação, a empresa cria a fundação política, financeira e cultural sem a qual as demais engrenagens — processos, pessoas, métricas e projetos — tendem a patinar.
Comparando o mandato da inovação com a tese de inovação
Este tópico apresenta uma análise comparativa entre dois conceitos fundamentais para a estratégia e a governança da inovação: o mandato da inovação, amplamente discutido por Gina O’Connor (2008, 2018), e a tese de inovação, conforme descrita em seção própria da flexM4i. Embora ambos tratem do direcionamento estratégico da inovação, sua natureza, escopo e papel organizacional são distintos.
A próxima figura resume essa comparação.
Figura 1358: Comparação entre as principais características do mandato da inovação versus tese de inovação
Natureza e função de cada conceito
- Mandato da inovação: trata-se de uma declaração formal da alta liderança que institui uma função organizacional dedicada à inovação, com objetivos, escopo, fronteiras e legitimidade institucional. Está ligado à criação de uma estrutura que sustente inovações de médio e longo prazo, especialmente fora do core business.
- Tese de inovação: é uma hipótese estratégica que orienta os investimentos e esforços de inovação, baseada em premissas sobre como a empresa pode criar valor no futuro. Assume a forma de uma narrativa estratégica que orienta escolhas, priorizações e a gestão do portfólio. Funciona como uma orientação para tomada de decisão sinalizando onde, por que e com que intensidade se deve investir em inovação.
Pontos de convergência
- Ambos expressam direcionamento estratégico claro da liderança quanto à inovação.
- Servem como instrumentos de alinhamento entre diferentes áreas e atores organizacionais.
- Informam critérios de decisão sobre projetos, investimentos e recursos.
- São documentos vivos, passíveis de revisão conforme o contexto evolui.
Pontos de divergência
- Foco estrutural vs. estratégico: o mandato lida com aspectos estruturais e organizacionais da função de inovação — como autonomia, governança, recursos e legitimidade — garantindo condições institucionais para sua atuação. Já a tese de inovação tem caráter eminentemente estratégico: responde a quatro questões fundamentais — por que inovar, em que áreas ou frentes inovar, quanto investir em inovação e qual é a antítese da tese adotada — funcionando como uma hipótese orientadora para a tomada de decisões e a priorização de iniciativas no portfólio.
- Função organizacional vs. lógica de investimento: o mandato tende a assumir uma forma documental mais formal, vinculada à institucionalização da função e ao alinhamento entre áreas. Já a tese é um raciocínio estruturado, usado como lente estratégica do ponto de vista de investimento em inovação, e pode assumir formatos mais flexíveis, como uma apresentação, um posicionamento no portfólio ou uma narrativa para stakeholders. A tese orienta decisões sobre onde e por que investir.
- Ponto de partida vs. resultado de análise: o mandato é formulado para viabilizar a função de inovação, servindo de base para que ela atue de forma legítima. A tese é frequentemente o produto de análises sobre o portfólio, o ambiente externo e as oportunidades de negócio, sendo um instrumento posterior à definição da estrutura.
Conflito ou complementaridade?
Apesar das diferenças, os dois conceitos são complementares. O mandato cria as condições organizacionais e políticas para que a inovação aconteça com legitimidade. A tese, por sua vez, orienta a alocação inteligente desses recursos conforme os objetivos estratégicos da empresa.
Se utilizados de forma integrada:
- O mandato define a estrutura e os limites da atuação (o “campo de jogo”);
- A tese define onde apostar e o que perseguir dentro desse campo.
Uma tese sem mandato corre o risco de não ser implementada, por falta de legitimidade e recursos institucionais.
Ainda que operem em níveis diferentes, o mandato da inovação e a tese de inovação devem ser mutuamente coerentes, alimentando-se como parte de uma arquitetura estratégica integrada. |
Conceitos análogos em outras abordagens
Embora o termo “mandato da inovação” tenha sido sistematizado por Gina O’Connor, outras abordagens tratam de ideias semelhantes, ainda que com nomes e ênfases distintas. Esses conceitos análogos ajudam a reforçar a importância de explicitar o papel da inovação dentro da organização e a conexão com a estratégia corporativa. Abaixo, listamos alguns dos principais:
- Innovation Ambition Matrix (Nagji & Tuff, 2012): embora não trate diretamente do mandato, a matriz propõe que as empresas definam a ambição estratégica de sua inovação em três níveis (core, adjacente e transformacional), o que obriga a refletir sobre prioridades e alocação de recursos – aspectos centrais de um mandato. É o que utilizamos como horizontes de inovação combinando com os conceitos de horizontes H1, H2 e H3.
Leia mais na flexM4i: – sobre os Três horizontes de inovação e crescimento e – sobre a Innovation Ambition Matrix |
- Innovation Thesis (Blank, 2010; Mauboussin & Callahan, 2020): a tese de inovação, embora com escopo mais amplo e foco em portfólio, também define as premissas estratégicas para orientar investimentos em inovação, respondendo a perguntas como: “por que inovar?”, “em que áreas?”, “com que objetivos?” – paralelas às questões do mandato.
A tese de inovação e o mandato foram comparados no tópico anterior. |
- Innovation Intent (Kester et al., 2014): refere-se à declaração clara e formal de objetivos e escopo da inovação desejada pela alta liderança. O conceito é muito próximo ao de mandato, com foco na comunicação estratégica para dar legitimidade à função de inovação.
- Strategic Buckets (Cooper, 2005): prática do modelo Stage-Gate que exige que a empresa defina antecipadamente quanto pretende investir em diferentes frentes de inovação. Embora operacional, reflete decisões de alocação estratégica que pressupõem um mandato claro.
- Innovation Charter (Ernst & Young, 2010): documento curto e executivo que expressa os objetivos, escopo e critérios de governança de uma iniciativa ou estrutura de inovação. É uma forma concreta de registrar e comunicar o mandato.
- Mission Statement for Innovation Labs (Dellermann et al., 2017): algumas organizações criam declarações específicas para seus labs ou hubs de inovação, definindo escopo, objetivos e relações com a matriz. Essas missões, quando formalizadas, operam como mandatos locais.
Esses conceitos não substituem o mandato da inovação, mas podem ser utilizados como mecanismos complementares ou como portas de entrada para empresas que ainda não estruturaram formalmente sua função de inovação.
Exemplos de mandatos da inovação
Este tópico apresenta uma adaptação da tabela original proposta por Gina O’Connor (2008), que classifica diferentes tipos de mandatos da inovação com base no grau de alinhamento com o core business e no horizonte temporal.
Para tornar a explicação mais acessível e compatível com a abordagem da flexM4i, reorganizamos os exemplos segundo os Horizontes de Inovação (H1, H2 e H3), distinguindo entre iniciativas com foco no presente e no futuro.
Os exemplos foram reescritos ou complementados com interpretações nossas, com o objetivo de tornar mais claras as possíveis variações de mandato.
Iniciativas com foco no curto prazo
- H1 – Core: Empresa com operação consolidada em mercado maduro e foco em eficiência incremental.
Iniciativa: Buscar oportunidades que apliquem as competências e o know-how atuais da empresa para expandir mercados existentes ou modernizar ofertas já estabelecidas.
Exemplo: introduzir uma nova geração de um produto existente com tecnologia atual. - H2 – Adjacente: Empresa que domina um nicho específico e identifica oportunidades em segmentos correlatos.
Iniciativa: Capitalizar sobre conhecimentos existentes para explorar mercados ou segmentos próximos, com novas tecnologias ou modelos de entrega.
Exemplo: adaptar uma tecnologia desenvolvida internamente para atender a um mercado vizinho. - H3 – Exploratória: Empresa com múltiplas áreas técnicas buscando sinergias para criação de novas frentes de negócio.
Iniciativa: Descobrir oportunidades de negócio que envolvam a colaboração entre diferentes unidades da empresa ou que surjam da combinação inédita de competências internas.
Exemplo: criar uma nova linha de negócios integrando capacidades digitais, operacionais e de serviço.
Iniciativas com foco no futuro (longo prazo)
- H1 – Core: Empresa líder de mercado que precisa manter competitividade frente a mudanças tecnológicas.
Iniciativa: Antecipar tendências e necessidades futuras dos mercados já atendidos pela empresa, oferecendo visões de longo prazo para as unidades atuais.
Exemplo: projetar roadmaps tecnológicos para manter a liderança em mercados estratégicos. - H2 – Adjacente: Empresa com ambição de médio prazo para diversificação adjacente e expansão das capabilidades (capabilities).
Iniciativa: Identificar domínios de competência que a empresa deve desenvolver para expandir seu campo de atuação no futuro, influenciando a intenção estratégica.
Exemplo: desenvolver expertise em uma tecnologia emergente complementar ao portfólio atual. - H3 – Exploratória: Empresa com apoio institucional para investigar disrupções em setores ainda não explorados.
Iniciativa: Identificar potenciais negócios disruptivos que possam beneficiar múltiplas unidades ou abrir novos setores para a organização.
Exemplo: lançar uma plataforma baseada em inteligência artificial para um setor ainda não explorado pela empresa.
Procedimentos e apoio do chatGPT
Foi utilizada a versão mais recente do ChatGPT-4o, com funcionalidades aprimoradas de análise e geração textual.
Procedimento antes da iteração com o chatGPT
Como o conceito de mandato foi criado pela Gina O’Connors e colaboradores, no contexto da definição de um sistema de gestão da inovação, o desenvolvimento desta seção foi baseado exclusivamente nas referências principais desses autores que tratam deste tema.
Para confeccionar o tópico “Conceitos analogos em outras abordagens”, consultamos outras referências.
As referências foram inicialmente estudadas pelo autor desta seção.
Trabalho interativo com o chatGPT
A criação desta seção teve a duração de mais de 12 horas com 96 interações “ser humano – máquina (chatGPT)”, e foi distribuída ao longo de 2 dias. A conversa com o chatGPT compôs 94 páginas com um total de aproximadamente 30 mil palavras.
A grande quantidade de páginas resultou da aplicação de prompts longos, que em muitos casos incluíam o fornecimento de conteúdos extensos, já editados, ao ChatGPT para análise, revisão, síntese ou reorganização. No entanto, foi utilizado o recurso de edição no canvas do chatGPT para diminuir a quantidade de páginas.
Após três iterações chegamos a primeira versão do sumários. Em seguida, demos o início da edição conjunta “ser humano -máquina” de cada tópico do sumário.
Em nenhum momento o autor fez perguntas para o chatGPT responder com os seus conhecimentos gerais. Todas as perguntas e pedidos de análise e resumo foram baseadas nas publicações fornecidas ao chatGPT.
Conforme o chatGPT propunha algum texto, o autor criticava e depois de algumas iterações, ele editava pessoalmente a versão final.
O autor conhecia as publicações utilizadas, mas quando surgia alguma dúvida, o autor conferia no original se aquelas afirmações geradas pelo chatGPT estavam corretas e correspondiam às publicações originais.
Esses ajustes exigiram iterações extensas e repetitivas, até que se atingisse uma versão consistente com os dados originais das publicações.
Em diversos momentos, as versões dos tópicos foram alimentadas no chatGPT para que ele analisasse e indicasse pontos de melhoria, que foram avaliados pelo autor. Algumas vezes, o autor não concordava com as sugestões. A partir de “debates” e após ajustes e reformulações, chegamos a um consenso sobre a versão final.
Quando o autor fazia as sugestões de mudanças, foi especificado nos prompts e na personalização do chatGPT para ele não concorde simplesmente com as sugestões e ideias do autor. Foi solicitado, como padrão, que ele deveria sempre realizar uma análise crítica para aprimorar as sugestões e também deveria propor novas ideias de estruturação e edição dos textos. Mas a condição para essas propostas é que elas deveriam ser embasadas nas referências utilizadas. A não ser quando o autor inseriu práticas que ele tivesse alguma experiência.
Durante a confecção de cada um dos tópicos, o sumário ia sendo atualizado. O sumário sofreu duas mudanças até chegar na versão final.
Durante todo o processo, foi solicitado que o chatGPT não gerasse novas versões dos trechos avaliados. Ele sempre deveria identificar os problemas, sugestões e inconsistências com a indicação dos locais onde as melhorias deveriam ocorrer. O autor desta seção analisava cada sugestão e a implementava ou não, editando pessoalmente.
Referências
Anthony, S. D., Johnson, M. W., & Sinfield, J. V. (2008). Institutionalizing innovation. MIT Sloan Management Review, 49(2), 45–53. https://sloanreview.mit.edu/article/institutionalizing-innovation/
Birkinshaw, J., Hamel, G., & Mol, M. J. (2008). Management innovation. Academy of Management Review, 33(4), 825–845.
https://doi.org/10.5465/amr.2008.34421969
Christensen, C. M., & Raynor, M. E. (2003). The innovator’s solution: Creating and sustaining successful growth. Harvard Business School Press.
Nagji, B., & Tuff, G. (2012). Managing your innovation portfolio. Harvard Business Review, 90(5), 66–74. https://hbr.org/2012/05/managing-your-innovation-portfolio
Pisano, G. P. (2015). You need an innovation strategy. Harvard Business Review, 93(6), 44–54.
https://hbr.org/2015/06/you-need-an-innovation-strategy
O’Connor, G. C., Rice, M. P., Peters, L. S., & Veryzer, R. W. (2008). Grabbing lightning: Building a capability for breakthrough innovation. Jossey-Bass. Google Livros
O’Connor, G. C., Corbett, A. C., & Peters, L. S. (2018). Beyond the champion: Institutionalizing innovation through people. Stanford University Press. AbeBooks
O’Connor, G. C., & DeMartino, R. (2006). Organizing for radical innovation: An exploratory study of the structural aspects of radical innovation management systems in large established firms. Journal of Product Innovation Management, 23(6), 475–497. https://doi.org/10.1111/j.1540-5885.2006.00219.x ResearchGate
O’Connor, G. C. (2022). Domains of innovation intent: A key leadership responsibility (Working Paper No. 4302957). SSRN. https://doi.org/10.2139/ssrn.4028653
Van der Heijden, K. (1996). Scenarios: The art of strategic conversation. John Wiley & Sons.