Ambidestria Organizacional

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Autoria: Henrique Rozenfeld (roz@usp.br)  

Definição

Burns & Stalker (1961) afirmaram que as empresas que operam em ambientes estáveis desenvolvem um sistema de gestão mecanicista, no qual as relações hierárquicas são bem estabelecidas e o trabalho e os papéis dos funcionários estão claramente definidos. Em contraste, empresas em ambientes dinâmicos desenvolvem um sistema organizacional orgânico, caracterizado pela falta de uma definição formal das tarefas. Nesses casos, a gestão não é baseada em sistemas padronizados e formais. O mecanismo de coordenação é horizontal (Wu, 2017).

Uma organização precisa mudar sua estrutura organizacional para lidar com sucesso em contextos competitivos dinâmicos e obter uma competitividade de longo prazo. 

Este trade-off entre eficiência e flexibilidade, conhecido como o paradoxo da gestão (Thompson, 1967) estabeleceu os desafios que originaram a ambidestria organizacional.

O termo “ambidestria organizacional” foi criado por Ducan em 1976 como sendo “a habilidade de uma organização em estar alinhada e eficiente na sua gestão das demandas de negócios atuais, bem como de possuir a habilidade simultânea de ser adaptável às mudanças no ambiente” (Ducan, 1976).

Tushman & O’Reilly (1996) já naquela época afirmavam que … 

… “o dilema dos gestores e organizações é constantemente aumentar o alinhamento entre estratégia, estrutura e cultura no curto prazo, o mundo das mudanças evolucionárias, mas no longo prazo destruir esse alinhamento, que tornou a sua empresa de sucesso”

Isso poderia ser obtido por períodos de relativa estabilidade e inovações incrementais e períodos de mudanças revolucionárias. Os gestores, periodicamente, precisariam destruir o que tinham construído para reconstruir uma nova organização mais apropriada para a próxima onda competitiva e tecnológica.

A ambidestria surgiu para resolver esse paradoxo. Tushman & O’Reilly (1996) definem a ambidestria organização como “a habilidade de perseguir simultaneamente inovações e mudanças incrementais e descontínuas. Isso requer possuir dentro da mesma empresa estruturas organizacionais, processos e culturas contraditórias”.

Os mesmos autores, sete anos depois definiram ambidestria organizacional como sendo …

… a habilidade (nossa nota: capabilidade dinâmica) de uma organização em explorar o negócio existente (exploitation) e ao mesmo tempo explorar um novo negócio inexistente (explore).

  • exploitation significa competir em mercados e tecnologias maduras, nos quais eficiência, controle e melhorias incrementais são necessárias.

exploration significa competir em novos mercados com novas tecnologias, nos quais flexibilidade, autonomia e experimentação são necessários (O’Reilly III & Tushman, 2013).

Exploitation versus Exploration

Continuaremos a usar esses termos em inglês, pois em português os dois poderiam ser traduzidos como exploração (como ilustra a próxima figura).

Figura 403: ilustração da ambidestria organizacional

Uma empresa ambidestra seria capaz de realizar, ao mesmo tempo:

  • inovações voltadas para o 1) aumento da eficiência ou 2) sustentação do negócio. Ou seja, elas exploram oportunidades de 1) melhoria da excelência operacional, por meio de projetos de aumento da produtividade, diminuição de custos etc. ou 2) projetos incrementais das suas ofertas atuais, no segmento de mercado em que ela já atua com base no modelo de negócio existente. Essas inovações possuem baixo risco e pouca incerteza. Os resultados aparecem no curto ou no médio prazo, dependendo do escopo do projeto (exploitation).
  • inovações transformadoras, relacionadas com inovações mais radicais ou disruptivas. As radicais criam novos mercados baseadas em novos modelos de negócio e/ou tecnologias.  As disruptivas criam novos modelos de negócio em um mercado pequeno negligenciado pela maior parte dos concorrentes, que podem revolucionar e redefinir mercados existentes. Confira no nosso glossário uma discussão mais completa sobre esse dois tipos de inovações.  Uma inovação transformadora pode resultar em um nova plataforma ou em um design dominante. O risco e as incertezas são elevados. Os resultados vêm no longo prazo (exploration).

Observe que estamos falando de capabilidade da empresa (leia o tópico sobre capabilidade na seção sobre gestão da inovação) em realizar determinados tipos de inovação.

Normalmente, uma empresa capaz de explorar o mercado existente possui limitações para explorar o novo. Essas limitações estão associadas a vários motivos, como processos, mas principalmente à cultura organizacional, que “cria” barreiras contra inovações mais radicais ou disruptivas. Trabalhar com startups é uma forma de superar essas barreiras, mas mesmo assim não é tão simples criar inovações radicais ou disruptivas só trabalhando com startups. 

Existem empresas que se acham inovadoras somente porque trabalham com startups. Desenvolvem iniciativas para melhorar a excelência operacional, ou seja, diminuir custos, aumentar a produtividade e eliminar problemas, principalmente dos processos produtivos. Continuam a atuar com uma eficiência cada vez maior no mesmo mercado, mesmo que adotem soluções digitais. Isso caracteriza ações de exploitation. O futuro dessas empresas pode estar sendo ameaçado por inovações radicais de seus concorrentes ou disruptivas de startups que estejam surgindo. O processo produtivo é o meio para colocar no mercado produtos com menor custo operacional e no menor prazo. E os produtos e serviços futuros da empresa? Criação ou atuação em novos mercados? As respostas a essas questões você obtém com o exploration.

Uma organização que consegue praticar a ambidestria organizacional é também conhecida como organização ambidestra.

Desafios da ambidestria organizacional

De acordo com Maier (2015), os desafios de uma organização ambidestra podem ser classificados em:

  • desafios estratégicos (organização): como a sua empresa irá explorar a ambidestria? Em organizações separadas?
  • desafios da liderança: na exploitation necessitamos de gestores; na exploration necessitamos de líderes. Como equilibrar esses dois papéis?  
  • desafios do processo: o “funil da inovação” tradicional segue processos bem estabelecidos; a lógica para iniciativas de exploration necessitam de uma outra lógica. Como conviver com essas duas lógicas?
  • desafios da mentalidade: a experiência prega nosso comportamento com o passar dos anos mostrando o que funciona e o que evitar. Uma organização ambidestra precisa lutar contra a mentalidade ortodoxa (os “anticorpos contra a inovação”), que em geral faz com que abandonemos a exploration para que possamos retornar para as “águas seguras” da exploitation.

Exploitation e exploration não são dois tipos de inovação

Citamos dois extremos, como todos que falam em ambidestria: inovações radicais e disruptivas de um lado (exploration) e incrementais e de sustentação de outro lado (exploitation). Veja, que essa afirmação dá a conotação de que exploitation ou exploration são dois tipos de inovação, mas não são! Repetimos, é a capabilidade da empresa em realizar os tipos de inovações citados.

Alguns autores falam de um continuum entre exploitation e exploration, de novo fazendo um paralelo com tipos de inovação, que não é a interpretação correta do termo ambidestria, mas é compreensível. Existem algumas críticas com relação a essa interpretação de continuum.

Como a “parte” da empresa que cuida do exploitation, geralmente realiza inovações incrementais e de sustentação, na prática se ouve a expressão “essa é uma inovação de exploitation”. As inovações mais radicais e disruptivas são chamadas de inovações de exploration.

Estamos citando inovações incrementais, de sustentação, mais radicais e disruptivas, como se fossem tipos de inovações. Mas na flexM4I, consideramos os tipos de inovação como uma combinação entre: objetos de inovação, grau de novidade, complexidade e urgência, como explicado no tópico “tipos de inovação” da seção “o que é inovação?”. O grau de novidade é determinante para a aplicação de diferentes práticas de gestão da inovação e por isso é sempre citado quando se fala de ambidestria organizacional. Porém, não é o único critério para se definir quais as práticas de inovação (tratamos mais disso nas seções “gestão da inovação” e “fatores contextuais e tipologia da inovação”). 

No entanto, veja que esses dois termos (exploitation e exploration) podem representar tipos de inovação para o objetivo de se distribuir esforços e recursos para obter um portfólio “equilibrado” de projetos de inovação, como indicado no capítulo “fatores contextuais e tipologias de inovação”. Pode-se fazer um paralelo com a tipologia dos três horizontes de inovação, H1, H2 e H3. Exploitation abrangeria inovações do H1 e exploration do H3. E o H2? Bem, depende. Leia a teoria sobre a tipologia dos três horizontes e tente responder a essa questão.

Arranjos organizacionais para apoiar a ambidestria

O foco da ambidestria está na capabilidade da organização.

Conseguir obter essa ambidestria pode resultar em uma mudança organizacional desafiadora. Existem diversos arranjos organizacionais para apoiar a ambidestria: organizações separadas, integradas mas com responsáveis diferentes etc.

O’Connor & DeMartino  (2006) identificaram sete estruturas para realizar inovações radicais, do lado exploration da ambidestria:

(uma descrição mais detalhada dessas estruturas organizacionais está sendo editada, consulte o artigo citado)

  1. Gerador de ideias
  2. Incubadora interna
  3. Modelo sequencial holístico
  4. Unidade de corporate venture
  5. Central de P&D responsável por inovações radicais
  6. Organização de inovação radical modelo para replicação na unidades de negócios
  7. Organizações espelho em todas unidades de negócio para inovações radicais

Liderança ambidestra

Olga Kassotaki (2022) concluiu que são tantas as variáveis que constituem uma boa liderança e a questão da liderança é tão complexa, que se torna praticamente impossível desenvolver um experimento que resulte em evidências conclusivas sobre liderança na ambidestria organizacional.

Algumas características seriam (segundo a wikipedia):

  • os líderes conseguem simultaneamente apoiar atividades de exploration e exploitation
  • um líder ambidestro é capaz de encontrar um mix apropriado de atividades de exploration e exploitation
  • a ambidestria organizacional e a liderança ambidestra são dois conceitos diferentes que não estão necessariamente relacionados

São características tão amplas, tipo “lugar comum”, que não ajudam muito quem quiser implementar a ambidestria organizacional. Afinal, o mesmo líder atua “com as duas mãos”?

A wikipedia traz ainda uma discussão da liderança ambidestra no nível de gerenciamento micro e macro. Consideramos pouco prática essa discussão.

Liderança em empresas de alta tecnologia (Kassotaki, 2019)

A liderança ambidestra é importante em empresas de alta tecnologia, que precisam combinar eficiência com atividades inovadoras. Portanto, líderes ambidextros precisam combinar comportamentos de liderança transformacional e transacional (tais como, atingir os objetivos). Dessa forma, eles podem inspirar e guiar seus funcionários.

Por exemplo, Elon Musk da Tesla precisa perseguir a eficiência e a aplicação de técnicas lean e, ao mesmo tempo, continuar a criar produtos inovadores. Assim, ele precisa controlar as despesas do dia a dia para manter o negócio atual enquanto ele também foca em projetos criativos e inovadores. Fácil não? Mas qual o cargo dele na Tesla? 

Empresas que focam somente em exploration sofre de falta de retorno sobre o negócio atual. As que buscam a exploitation e focam em eficiência normalmente sofrem de obsolescência.

CEO ambidestro

O papel do CEO e da diretoria (top management team ou C-level) é muito importante para a ambidestria organizacional (Cao et al., 2010). A rede de contatos (internos e externos) do CEO exerce uma influência positiva sobre a diretoria e evita que a empresa vá mais em uma direção (exploitation) ou outra (exploration), caso o CEO consiga comunicar bem. A descentralização promovida pelo CEO também afeta positivamente a ambidestria organizacional.

Kassotaki (2019) apresenta um quadro da ambidestra citando CEOs ambidestros famosos: Elon Musk, Larry Ellison, Robin Li e Blake Scholl, confira na publicação original. Na maior parte dos casos, o exploitation busca eficiência em custos por meio de controle das despesas financeiras em contraponto a gastos em projetos inovadores. Ou seja, mais do mesmo. Vamos caracterizar melhor o CEO ambidestro.

CEOs ambidestros devem orquestrar a tensão entre exploitation e exploration por toda organização (sim haverá sempre tensão e conflitos), até que a ambidestria se torne culturalmente incorporada em três frentes (Finzi et al., 2018): 

  • mentalidade (mindset): é a parte central da mentalidade pessoal do CEO, que deve traduzir e comunicar sua visão para toda a organização, o que vai influenciar a cultura 
  • liderança: a ação do CEO deve permear a diretoria para que as tensões sejam reconhecidas e balanceadas
  • design organizacional: para evitar a existência de “silos” de inovação e permitir um foco bifurcado (em duas direções, com pessoas e áreas diferentes?)  simultâneo sobre exploitation e exploration em todos os níveis da organização

Os comentários entre parênteses são nossos e não dos autores citados.

Liderança paradoxal

Segundo Zhang et al. (2015), os líderes em ambientes complexos devem possuir um comportamento de liderança paradoxal, que une as perspectivas yin-yang da cultura oriental. Eles precisam ter um pensamento holístico e integrativo para gerenciar paradoxos, que basicamente advém de múltiplas demandas competitivas, que devem ser integradas em um resultado comum. Na China, por exemplo, os líderes precisam lidar com as demandas do mercado e ao mesmo do estado. Os efeitos positivos sobre os liderados dependem da visão de mundo desses últimos.

Um CEO ambidestro efetivo não deve somente ter uma mentalidade paradoxal, mas deve também articular e continuamente reforçar a ambidestria organizacional como uma visão e um valor comum por todas as unidades organizacionais responsáveis pela exploitation e exploration (Finzi et al., 2018). Sim, ele cita que são unidades diferentes. Líderes, que conseguem praticar a ambidestria organizacional com sucesso, precisam ter um estilo de liderança que incorpora incertezas, ambiguidades, ambivalências, tensão e conflitos.

Empresas estabelecidas possuem a tendência de serem uniformes e de possuir o alinhamento entre as mentalidades e práticas. Elas fogem de tensões geradas pela perspectiva dual da ambidestria organizacional. Isso resulta na otimização das capabilidade atuais que trazem lucros imediatos. Isso promove a estagnação e deixa as empresas vulneráveis a mercados dinâmicos e mudanças tecnológicas (Finzi et al., 2018).

Liderança em empresas de consultoria de gestão

Este tópico é apropriado para os leitores do nível de detalhamento avançado.

Anna (2015) Schindler, na sua dissertação de mestrado, intitulada “Ambidextrous Leadership: the role of flexibly switching between opening and closing leadership behaviors for team innovative outcome in the case of management consultancies”, estudou a ambidestria em empresas de consultoria de gestão e constatou que os comportamentos de liderança de abertura e fechamento são necessários para contribuir para o resultado inovador da equipe:

  • comportamentos de abertura (em consultoria): estimular a geração de ideias próprias fora caixa; liberdade de pensar e agir de forma independente; não usar padrões anteriores; dar tempo livre para a geração de ideias e para se pensar completamente diferente do padrão adotado pela empresa; empoderar os consultores; criar a cultura de aceitar falhas e erros de aprendizado; estimular a difusão de conhecimentos por meio de discussões abertas e comunicação; permitir a troca de informação entre membros da equipe e clientes;
  • comportamentos de fechamento (em consultoria): monitorar o atingimento de metas; priorizar e filtrar informações relevantes; fornecer uma visão geral do projeto e dar um senso de direção; pré estruturar tarefas e prover uma estrutura para todo o projeto; criar e monitorar o cronograma de realização do projeto; manter o que foi planejado, perseguir as datas de entrega e os marcos do projeto de consultoria.

Além disso, ela destacou as seguintes práticas:

  • as fases de abertura e fechamento ao longo de um projeto de consultoria foram encontradas sobrepostas e dificilmente distinguíveis; 
  • o contexto da consultoria em gestão indica a necessidade de um alto grau de consistência no comportamento do líder do projeto;
  • as pessoas e os fatores relacionados ao projeto (abertura e fechamento) exigem que o líder adapte gradualmente o comportamento de acordo com a situação;
  • os comportamentos de liderança devem ser tão constantes quanto possível, mas tão adaptáveis ​​à situação quanto necessário;
  • em vez de alternar com flexibilidade entre os comportamentos de liderança de abertura e fechamento, a inovação da equipe é mais aprimorada quando esses comportamentos são continuamente equilibrados;
  • esse equilíbrio implica que ambos os tipos de comportamento devem estar presentes ao mesmo tempo, mas em graus diferentes de acordo com a situação.

Funções dos líderes no caso de consultorias ambidestras:

  • possuir conhecimentos e ser qualificado com relação ao conteúdo necessário para realizar o projeto;
  • habilidade de estruturar tarefas e foco no objetivo para assegurar a viabilidade do projeto;
  • servir como hub de informação e pessoa de contato;
  • ter uma função moderadora;
  • habilidade para lidar com as condições de contorno que assegurem a criatividade do time’;
  • balancear a forças e as fraquezas do time;
  • balancear controle e empoderamento.

Conceitos adicionais

Trazemos aqui conceitos adicionais que indicamos somente para os leitores das trilhas de treinamento e avançada, pois os principais aspectos da ambidestria organizacional foram apresentados nos tópicos anteriores desta seção.

Ambidestria organizacional na wikipedia

O verbete sobre organização ambidestra na wikipedia em inglês é bem completo e traz muitas referências úteis para leitores da trilha de treinamento e avançada. Recomendamos o estudo deste verbete. Em maio de 2022, esse verbete era composto pelos seguintes tópicos:

  • origem, desenvolvimento e definições: traz diversas definições de ambidestria organizacional
  • mecanismos estruturais e comportamentais que resultam na ambidestria organizacional: um caminho é diferenciar as estruturas (arquiteturas) em uma organização dual (uma para exploration e outra para exploitation), incluindo a separação física das duas organizações; outro caminho é conhecido como ambidestria contextual. Em seguida, a wikipedia traz uma comparação sobre essas alternativas e suas combinações
  • antecedentes da ambidestria organizacional
  • resultados da ambidestria organizacional: o principal é a inovação, que precisa ter os aspectos de exploration e exploitation
  • moderadores entre a ambidestria organizacional e os resultados: discute quais são os fatores que permitem que a ambidestria organizacional tenha sucesso.
  • níveis de ambidestria: mostra que o que antes era voltado somente para organização, hoje também é aplicado para indivíduos, times e líderes.
  • liderança ambidestra: é o fator principal para facilitar o contexto e a base social da ambidestria. Discute características dos líderes, que também são publicadas em um verbete especial na wikipedia sobre liderança ambidestra.
  • controvérsias e direções futuras: empresas estabelecidas não possuem a flexibilidade para explorar novos territórios, principalmente devido à “armadilha do sucesso”. Outras controvérsias e barreiras são listadas. Citam que uma possível solução para grandes empresas seria adotar o modelo de venture capital.

Discovery

Vamos continuar a usar o termo discovery em inglês, pois o termo descoberta traz ambiguidades com a descoberta como um contraponto entre invenção e inovação (veja o capítulo “o que é inovação?”.

O objetivo do discovery é identificar, avaliar e desenvolver novas ideias em oportunidades de inovação radical (Slater et al., 20014). 

Segundo alguns autores, o discovery é uma fase do desenvolvimento de inovações radicais, como por exemplo, as fases de discovery, incubation e acceleration, proposta por O’Connor & DeMartino  (2006).

Na flexM4I, consideramos que considerar o discovery como um processo à parte, pode facilitar a prática da exploration na ambidestria organizacional, pois pode ser alocado para líderes e estruturas organizacionais dedicadas.

The startup way (2017)

Do mesmo autor que o livro Lean Startup (Ries, 2011), o The Startup Way é considerado uma evolução do anterior, ao utilizar os mesmos princípios (Ries, 2017) em grandes corporações.  Ele propõe a incorporação dos princípios do intraempreendedorismo nas empresas estabelecidas.

“Uma empresa moderna deve ter tanto a capacidade de produzir produtos de qualidade e confiáveis, quanto a capacidade de descobrir quais serão os novos produtos a produzir. Deve dar a cada funcionário a oportunidade de ser um empreendedor.” (Ries, 2017).

Ele propõe um sistema de gestão voltado para se inovar em escala, no qual ele define quatro dimensões:

Com base nessas dimensões, ele propõe um modelo de gestão ilustrado na próxima figura.

Figura 600: Modelo de gestão do startup way para se inovar em escala
Fonte: adaptado de (Ries, 2017).

Observe que do lado da gestão geral tradicional os resultados vêm da inovação contínua e do lado da gestão empreendedora eles vêm da transformação contínua.

A seguir indicamos os itens das dimensões da gestão geral tradicional versus da gestão empreendedora.

Pessoas:

  • especialistas X times multifuncionais e pequenos
  • preocupados com a otimização (excelência operacional) X  mentalidade de fundadores (de startup)
  • gestores e subordinados X líderes e empreendedores que eles empoderam

Cultura:

  • não se pode falhar X falha é uma constante
  • mitigação de riscos X falhas rápidas e produtivas (aprendizado)
  • inovação é um substantivo X inovação é um verbo
  • preocupação com normas e compliance X tirar as amarras para projetos de ágeis 
  • tudo tem de ser planejável e predizível  X fazer, testar e pivotar ou persistir
  • multitarefas com reuniões e deliberações, nas quais os participantes estão parcialmente focados e ninguém tem responsabilidade direta pela implementação; grande parte dos funcionários divide sua criatividade e foco por muitos tipos de projetos ao mesmo tempo X startups internas, com times pequenos formados por pessoas apaixonadas pelos desafios, capazes de experimentar rapidamente e escalar os resultados; segundo o mote “pense grande, comece pequeno e escale rapidamente”

Processo:

  • muitos handoffs funcionais (ver o significado de handoff no glossário) X orientado ao processo ágil (fazer, testar e pivotar ou persistir) concentrado
  • programas e projetos grandes e demorados X experimentos rápidos 
  • qualidade obtida por meio da redução da variabilidade X velocidade para aprender e diminuir incertezas, descobrindo o que é correto para atender os clientes
  • economia de escala e controle estatístico de processo (CEP) X experimentos rápidos

Accountability:

  • indicadores – retorno sobre investimento (ROI), market share, margens etc. X utiliza indicadores de tendência (leading indicators)
  • redução de custo X exploração de resultados futuros
  • crescimento incremental de curto prazo X iniciativas de longo prazo
  • financiamento de projetos baseado em critérios regulados pelo orçamento anual com base em indicadores financeiros (entitlement funding) X financiamento de um portfólio de experimentos, a serem continuados conforme decisões de “rodadas internas de investimento”, como as do ciclo de financiamento de startups, ou seja, os experimentos que dão certo recebem mais financiamento (metering funding)

Ries afirma que as empresas devem percorrer um processo de mudança constante sem fim. Você  deve desafiar constantemente tanto pessoalmente quanto o “status quo”. Ele prediz que os gestores irão viver muitas transformações organizacionais da mesma forma que são criadas novas plataformas de produtos. Hoje isso funciona, mas amanhã temos de mudar.

Mesmo sem utilizar explicitamente o termo ambidestria, pode-se observar que Eric Ries, no The Startup Way, utiliza os mesmos conceitos. Por essa razão colocamos a descrição superficial de parte do seu livro nesta seção. No entanto, o desenho organizacional que Ries propõe no livro, não é binário (exploitation versus exploration). Sua proposta consiste na formação de times de startups internas e conselhos de crescimento, que atuam em divisões, áreas funcionais e na coordenação corporativa (header quarter) com diferentes funções, tais como:

  • desenvolvimento de novos produtos
  • implementação de produtos existentes em novos mercados
  • desenvolvimento de produtos para se proteger contra disrupções futuras
  • novos sistemas de informação (nossa nota: transformação digital)
  • novas políticas e iniciativas das áreas funcionais (gestão de pessoas, finanças e jurídica)
  • investimento na aquisição de novas empresas (M&A), licenciamento de propriedade intelectual, joint ventures
  • incubação de novas divisões em potencial
  • promoção da transformação corporativa
  • transformação contínua para se adaptar ao futuro incerto

The Invincible Company (2020)

A proposta desta metodologia é gerenciar de forma integrada o portfólio de projetos de desenvolvimento, melhoria e transformação de modelos de negócio de exploration (explorar o novo) e de exploitation (explorar o existente). Apresenta uma biblioteca de 39 padrões (patterns) de modelos de negócio com exemplos reais e traz uma proposta de como transformar a cultura para aplicação da metodologia. 

Neste livro, Osterwalder e seus coautores propõem a gestão da inovação baseada na gestão de portfólio de modelos de negócio dividida em dois quadros: o de exploration e o de exploitation (Osterwalder et al., 2020), como ilustra a próxima figura.

Figura 838: quadros para apoiar a gestão de portfólio de modelos de negócio
Fonte: baseado em Osterwalder et al. 2020.

No quadro de exploration, os eixos para posicionamento das ideias de modelo de negócio são:

  • retorno esperado: qual seria a lucratividade de uma ideia de negócio, se ela se tornar um sucesso
  • risco da inovação: qual o risco de falha de uma ideia de negócio, que possui um potencial de sucesso. O risco é alto se existem poucas evidências das chances de sucesso (por exemplo, só existem slides e planilhas como evidências). O risco diminui de acordo com a quantidade de evidências que demonstram que a ideia é adaptável, possui  fit de mercado, é possível desenvolver e  o negócio é viável. 

No quadro de exploitation, os eixos para posicionamento dos modelos de negócio atuais são:

  • retorno: qual a lucratividade atual de uma área de negócio
  • morte e risco de disrupção: qual o risco que o negócio atual vai morrer ou sofrer uma disrupção, devido ao surgimento de um novo modelo de negócio de concorrentes. O risco é alto quando um negócio está emergindo e ainda está vulnerável ou quando um negócio está sob ameaça de disrupção por causa de uma mudanças tecnológicas, competidores, mudanças regulatórias ou outras tendências. O risco diminui se existem características do negócio que o protegem dos concorrentes ou de alguma disrupção. 

Os autores propõem 8 classes dos modelos de negócio, de acordo com o seu posicionamento nos dois quadros, como ilustra a próxima figura.

Figura 839: classificação de modelos de negócio de acordo com o seu posicionamento nos quadros de explore ou exploit da proposta da invincible company
Fonte: baseado em Osterwalder et al. 2020.

Os autores não utilizam o termo ambidestria em todo o livro, mas conceitos similares são considerados.

Leia a seção sobre a metodologia da invincible company para conhecer uma comparação de diversos aspectos do exploration versus exploitation da perspectiva de modelos de negócio e da transformação cultural necessária para aplicar essa metodologia.

Dual Innovation: Ambidestria 2.0

Dr. Ralph-Christian Ohr é um especialista em ambidestria. Ele é coautor de um livro que propõe uma metodologia para se escalar startups, no qual eles afirmam que os problemas das startups corporativas para gerar negócios de impacto não é gerar e validar ideias, mas sim escalar. Mesmo que esses novos negócios surjam em centros de inovação, incubadoras, hubs, aceleradoras e digital labs corporativos, entre outras instituições, que as corporações criam para fomentar novos negócios (Mattes & Ohr, 2018).

Dr. Ohr possui um blog em que ele apresenta o conceito de dual innovation, que se coloca como uma evolução do conceito de ambidestria (https://integrative-innovation.net/ ). O último post neste blog foi em 2020. Dr. Orh afirma que durante um tempo irá publicar preferencialmente no LinkedIn, mas que talvez volte a publicar em seu blog (em uma comunicação com o autor desta seção).

Nesta publicação o LinkedIn ele resume o conceito do dual innovation.

Ele afirma que a inovação em corporações (e empresas médias também) deve utilizar o conceito de ambidestria, mas deve considerar três abordagens (e não duas como na ambidestria tradicional).

  • otimizar o negócio principal (core business) por meio de inovações incrementais – equivalente ao exploitation
  • criar novos negócios por meio de inovações mais radicais – equivalente ao exploration
  • mudar / reformatar o negócio principal (core business) por meio de: 
    • transformação e reposicionamento do negócio principal
    • reinventando e substituindo o negócio principal
    • escalando novos negócios

A figura do post do LinkedIn, citado acima, ilustra essa relação. Lembra a evolução do exploration para o exploitation no livro The Invincible Company citado no tópico anterior.

Para leitores da trilha avançada

Recomendamos que as pessoas dessa trilha estudem o artigo da Olga Kassotaki (2022), que realizou uma revisão sistemática sobre ambidestria organizacional.

Comentários finais

Sem embasamento ou evidências, comentamos que parece ser impossível existir um líder ambidestro na média gerência. A alta cúpula de uma empresa (CEO e diretoria) necessitaria promover a ambidestria organizacional e colocar líderes apropriados para exploitation e separadamente para exploration, assim como criar condições para a orquestração das iniciativas (estrutura organizacional, processos, indicadores, cultura etc.).

Como discutimos, na gestão da inovação, que a inovação não deve ser de responsabilidade de uma área e sim de toda a empresa (a não ser como uma solução intermediária para promover a maturidade), a ambidestria organizacional pode ser aplicada se os diversos processos de inovação forem alocados para responsáveis distintos. 

Exemplos

  • uma área cuida do relacionamento com startups;
  • outra pensa em novos negócios (exploration) e trabalha a área que cuida do relacionamento com startups;
  • as unidades de negócio praticam tanto a inovação incremental e intermediária (no contexto do exploitation) e trabalham também com a área responsável pelo relacionamento com startups para conseguir parceiros para a construção de POCs e MVPs; 
  • outra área cuida da gestão da tecnologia e foca no desenvolvimento de novas tecnologias (área de P&D se for o caso);
  • outra monitora o mercado (business intelligence) e patentes;
  • outra fica responsável por iniciativas de M&A coordenada pela diretoria;
  • outra cuida da propriedade intelectual;
  • outra da transformação digital;
  • outra gerencia a “caixa eletrônica de ideias” e promove o intraempreendedorismo;
  • e assim por diante. 

Vários arranjos organizacionais são possíveis. Todos no “movimento pela inovação”. A orquestração das iniciativas dessas áreas pode ser realizada por um staff do CEO. Além disso, essas estruturas organizacionais, processos, recursos etc. devem ser constantemente revistos e atualizados. Sempre perseguindo uma atualização das capabilidades dinâmicas.

Referências

Burns, T., G. Stalker. 1961. The Management of Innovation. Tavistock, London, U.K.

Cao, Q., Simsek, Z., & Zhang, H. (2010). Modelling the joint impact of the CEO and the TMT on organizational ambidexterity. Journal of Management Studies, 47(7), 1272–1296. https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.2009.00877.x   

Duncan, R. (1976). The ambidextrous organization: Designing dual structures for innovation. Killman, R. H., L. R. Pondy, and D. Sleven (eds.) The Management of Organization. New York: North Holland. 167-188.

Finzi, B., Firth, V., & Lipton, M. (2018). Ambidextrous leadership Keystone of the undisruptable CEO. Deloitte Insights.

Kassotaki, O. (2019). Ambidextrous leadership in high technology organizations. Organizational Dynamics, 48(2), 37-43.

Kassotaki, O. (2022). Review of Organizational Ambidexterity Research. SAGE Open, 12(1), 215824402210821. https://doi.org/10.1177/21582440221082127 

Maier, J. (2015). The ambidextrous organization: Exploring the new while exploiting the now. Springer.

Mattes, F., & Ohr, R. C. (2018). Scaling-up corporate startups: turn innovation concepts into business impact. Independently published.

Schindler, A. (2015). Ambidextrous Leadership: the role of flexibly switching between opening and closing leadership behaviors for team innovative outcome in the case of management consultancies (Master’s thesis, University of Twente).

Slater, S. F., Mohr, J. J., & Sengupta, S. (2014). Radical product innovation capability: Literature review, synthesis, and illustrative research propositions. Journal of Product Innovation Management, 31(3), 552–566. https://doi.org/10.1111/jpim.12113 

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