Funil de inovação ainda é válido?
Para muitos, o funil de desenvolvimento de produtos está associado a modelos de processo rígidos e prescritivos. Hoje em dia, o conceito de funil é simplesmente uma seleção de alternativas com base em testes de validação, experimentação e outros critérios. A gestão da inovação pode orquestrar múltiplos funis de diferentes objetos.

Introdução

Na área de gestão de desenvolvimento de produtos, existe uma representação clássica de funil de inovação, que procura mostrar a evolução de um portfólio de projetos de desenvolvimento, desde a ideia até o lançamento.

O funil procura representar que saímos de muitas alternativas e ao longo do desenvolvimento chegamos em poucas.

Não consideramos o termo “funil” apropriado. No funil, tudo que entra sai. Preferimos usar o termo “filtro”, pois algumas alternativas ficam no caminho. 

Figura 067: Representação de um funil simples de evolução de uma inovação

Consideramos essa representação muito boa para indicar que partimos de muitas alternativas para poucas, que se tornam projetos de inovação e, finalmente, ofertas (produtos, serviços), modelos de negócio, mudanças internas etc.

Críticas à representação do funil

Existem críticas com relação a este tipo de representação (Hakkarainen & Talonen, 2014; Nichols, 2007):

  1. demasiada ênfase nas fases iniciais, deixando de mostrar a importância das fases subsequentes;
  2. enfatiza colocar muitas ideias no início do funil (filtro), que causa um congestionamento e torna o processo de inovação lento;
  3. necessidade de gates para avaliar o progresso de tantas ideias, que os tornam não efetivos, deixando passar muitas ideias que não dão em nada;
  4. os processos de inovação ficam sem flexibilidade e lentos para reagir, portanto, não são ágeis.
  5. o foco do funil está em selecionar as inovações com mais chances de sucesso no mercado e que entregam valor para os stakeholders 
  6. o processo do funil tende a ser burocrático nas escolhas ao usar métodos de avaliação que favorecem o que é familiar e não o que é novo e difícil. Não nutre ideias “fora da caixa”;
  7. o funil cria uma “competição não saudável” entre os times que querem que seus conceitos sejam selecionados;
  8. o funil promove o uso de soluções internas (tecnologia, subsistemas, etc..) em detrimento de melhores soluções existente no ecossistema;
  9. os dirigentes participam das reuniões de gate (reuniões de avaliação dos projeto) com o objetivo de apontar falhas nos projetos e tomar decisão. Este tipo de processo não envolve dirigentes em melhorias dos problemas encontrados. Dirigentes, diretores técnicos, de marketing, de operação, etc. possuem experiência e por isso um grande potencial de contribuição na resolução de problemas, que não é aproveitado;
  10. é gasto muito mais tempo da administração do processo do que com criatividade, o que torna o processo demorado e mais caro;
  11. o processo parte do princípio que é simples criar boas ideias que entram no funil. Assume que é só realizar uma sessão de brainstorming e gerar muitas ideias que aos poucos serão eliminadas pelo funil. Os funis estão “abertos” para qualquer ideia. Dessa forma, muitas ideias de baixa qualidade entram no processo. E os dirigentes não estão envolvidos no processo de geração de ideias.

O Stage-Gate ® também evoluiu

Todas as críticas citadas no tópico anterior são válidas porque as pessoas associam os funis e os “processos “engessados ao conceito de funil da época dos antigos processos de desenvolvimento de produtos do tipo stage-gate.

A próxima figura ilustra este processo. Ele é constituído por uma sequência de fases, que contém atividades prescritas e com critérios de passagem entre essas fases (os gates).

Figura 419: ilustração do funil do conceito antigo e “ultrapassado” de stage-gates

A versão mais recente do stage-gate ™ já incorporou conceitos de agilidade, flexibilidade design thinking e outros. A primeira versão das ideias sobre stage-gate foi publicada em 1986 e o termo stage-gate foi usado pela primeira vez em 1988. Nas palavras do próprio autor deste modelo, “Embora Stage-Gate tenha durado muitos anos, a versão atual é irreconhecível comparada com o modelo original. O Stage-Gate evoluiu muito ao longo do tempo” ( Cooper & Sommer, 2016; Cooper, 2017).

“O Stage-Gate ™  evoluiu muito ao longo do tempo. A versão atual é  irreconhecível comparada com o modelo original”

Conheça a seção específica sobre o stage-gate ® na flexM4i.

Novo conceito de funil

Funil é a representação de várias entradas e poucas saídas, que como já comentamos, preferimos denominar de filtros.

Funis na inovação aberta

Na figura a seguir ilustramos o conceito atualizado de filtro de inovação. As flechas pontilhadas da figura indicam inovações que vieram de fora (inbound innovation) e outras que saíram dos processos de inovação (outbound innovation):

  • Inbound innovation: As inovações que vieram de fora podem ser na forma de contratação de serviços, licenciamento de patentes, aquisição ou fusão (M&A) com outras empresas, assim como serem desenvolvidas por empresas parceiras com uma ênfase atual em startups.
  • Outbound innovation: As que saíram podem ser na forma de licenciamento de tecnologias e soluções criadas ou mesmo abertura de plataformas para que parceiros do ecossistema possam desenvolver soluções complementares usando a plataforma desenvolvida. Outra opção seriam as spin offs (startups) que surgem desta prática.

Conexão e criação de startups

A figura representa, por meio de esferas laranjas, projetos  que são realizados em parceria com membros do ecossistema dentro do conceito de inovação aberta (open innovation). A maior parte desses projetos são realizados com startups (inbound innovation) ou resultam em startups.(outbound innovation) Essas parcerias também poderiam ter sido representadas pelas flechas pontilhadas, mas isso deixaria a figura muito carregada.

A abordagem de inovação aberta e conexão com startups traz vários benefícios

Leia as seções específicas sobre inovação aberta, conexão com startups e corporate venturing

Observe ainda que, ao invés de existir uma fase dedicada à construção e teste de protótipos, como nos modelos tradicionais de stage-gate, experimentações ocorrem ao longo de todos os projetos nos diferentes níveis de abstração e evolução das inovações.

Figura 420: ilustração de “funis” (filtros) de projetos e iniciativas de inovação integrados com a inovação aberta
Conheça a lista completa de mecanismos e práticas de inovação aberta que expande essa figura na seção sobre inovação aberta

Os membros de um comitê de gates devem agir como se fossem investidores de capital de risco (venture capital)

Este conceito de funil permite que sejam considerados múltiplos funis na gestão da inovação.

Múltiplos funis

No contexto da inovação, que vai além do desenvolvimento de produtos, podemos ter diversos funis como ilustra a próxima figura.

A representação de funis comunica que de diversas alternativas iniciais, após:

algumas alternativas são eliminadas e outras continuam a ser desenvolvidas até:

  • o seu lançamento no mercado ou 
  • sua implementação na empresa (inovações internas para mudanças na empresa, como as inovações de melhoria operacional para aumento da eficácia, eficiência, ações de sustentabilidade e desenvolvimento de novas capabilidades).

Figura 434: exemplos de múltiplos funis de inovação

Leia mais na flexM4i:
Objetos de inovação
Tipos de inovação
Business case versus business plan
Capabilidades dinâmicas e ordinárias
Iniciativas de sustentabilidade
Rs da sustentabilidade
checklist de estratégias de economia circular 

Utilização da representação do funil na flexM4i

O conceito de funil (preferimos usar o termo “filtro”) que utilizamos na flexM4I é mostrar que várias alternativas podem ser filtradas ao longo do processo e somente algumas continuam após os testes de validação e experimentações. 

Ao invés de serem selecionadas por meio de um processo stage-gate, vários filtros ocorrem com dinâmicas diferentes e de forma orquestrada durante os processos de inovação. O processo de discovery de inovações disruptivas e radicais pode trabalhar de forma ad-hoc alimentando o filtro do planejamento da inovação.

O processo de gestão de ideias possui uma dinâmica. O processo de geração de ideias, integrado ao de entendimento dos stakeholders, com base nos conceitos de design thinking , possui outra dinâmica. Esse processo avalia ideias por meio de experimentação, já considerando hipóteses de valor (product-market fit) e de mercado (escalabilidade) e, antes de serem descartadas, podemos pivotar.

Conceitos extraídos do Lean Startup.

As atividades são realizadas de forma iterativa por meio de sprints dentro do conceito de gestão ágil de projetos. Lógico que a forma de realizar as atividades depende da abordagem de desenvolvimento do projeto que pode ser:

  • preditiva (projetos planejáveis e estáveis) ou 
  • adaptativa (diante de incertezas), tabela conhecida como gestão ágil de projetos.

Existe ainda a possibilidade de combinar essas abordagens na gestão híbrida de projetos, que utiliza o processo de tailoring.

Além disso, a inovação ocorre no contexto da inovação aberta (open innovation) utilizando-se o potencial do ecossistema de inovação e empreendedorismo.

Leia mais na flexM4i:
inovação pode ser composta por vários processos
– o processo de discovery
– as definições de gestão híbrida de projetos e de tailoring no glossário
– uma visão completa e ampla do que é a inovação aberta (que vai além da conexão empresa-startups)
ecossistema de inovação e empreendedorismo
– sobre a abordagem de design thinking 

 

Análise das críticas à representação do funil

Vamos repetir as críticas principais à representação do funil para mostrar porque elas não fazem mais sentido, quando consideramos o conceito mais amplo, flexível e atual do que seria um (ou mais) funil (filtros), como apresentado anteriormente nesta seção.

Algumas análises das crítica contém certa redundância, pois as críticas tratam de questões semelhantes.

As críticas foram referenciadas na bibliografia e, portanto, não vamos mudar as críticas originais. 

1. Demasiada ênfase nas fases iniciais, deixando de mostrar a importância das fases subsequentes

No conceito atualizado de funis (filtros), a experimentação e os testes de validação ocorrem ao longo de todo o processo, em diferentes níveis de abstração. Isso garante que a evolução da inovação não seja limitada às fases iniciais, mas que as fases subsequentes, como a validação de hipóteses, desenvolvimento detalhado e a escalabilidade, também recebam a devida atenção. Essa abordagem amplia o foco tradicional, oferecendo uma visão mais abrangente e integrada do ciclo de inovação.

2. Congestionamento no início do funil devido à colocação de muitas ideias, tornando o processo lento

O conceito atualizado de filtros utiliza múltiplos funis, que podem operar em dinâmicas diferentes e orquestradas. Isso elimina a ideia de um único ponto de entrada com congestionamento, permitindo que diferentes tipos de inovações sejam tratadas em processos específicos, como:

  • o de gestão de ideias para realizar um grande filtro inicial quando múltiplas ideias vierem de várias fontes
  • e o discovery de inovações disruptivas com a aplicação de metodologias de design thinking.

Essas são somente algumas fontes e origens da inovação, como ilustra a próxima figura.

Figura 84: fontes de oportunidades, desafios e ideias para inovação

Cada elemento desta figura está descrito na seção “Motivações e origens da inovação”. 

Além disso, a integração com abordagens como Lean Startup promove a experimentação iterativa e a possibilidade de pivotar, o que torna o processo mais ágil e eficiente.

3. Gates inefetivos, que deixam passar muitas ideias sem valor

A evolução do conceito inclui a aplicação de critérios baseados em experimentação, hipóteses de valor e escalabilidade, antes mesmo de as ideias avançarem nos processos. Isso reduz a possibilidade de realização de gates inefetivos, substituindo-os por decisões baseadas em dados obtidos em experimentos, evitando o avanço de ideias sem valor comprovado. A integração de dirigentes no processo de validação e pivotagem também enriquece a qualidade das decisões.

Veja na flexM4i a seção específica sobre Gates (revisões de fases) de projetos, o tópico sobre os critério dos gates. 

4. Falta de flexibilidade e lentidão dos processos, dificultando a agilidade

A utilização de práticas ágeis, como sprints da gestão adaptativa, promove maior flexibilidade e rapidez nas decisões. A combinação de práticas preditivas e adaptativas (gestão híbrida) garante que a abordagem seja ajustada conforme o contexto e o tipo de inovação, superando as limitações dos processos engessados de stage-gate tradicionais.

5. O foco do funil está em selecionar as inovações com mais chances de sucesso no mercado e que entregam valor para os stakeholders

A crítica é válida no contexto de um funil tradicional e limitado ao horizonte 1 (H1), focado em inovações incrementais e de menor risco. Na verdade, para este horizonte, devemos selecionar inovações com mais chance de sucesso. Contudo, no modelo atualizado de múltiplos funis, práticas como a gestão de portfólio equilibrada permitem integrar iniciativas dos horizontes 2 (H2) e 3 (H3). Isso garante que inovações disruptivas e radicais sejam consideradas no contexto da ambidestria organizacional, alinhando a busca por sucesso imediato com a construção de vantagens competitivas de longo prazo. Assim, o modelo atual prioriza não apenas o sucesso imediato, mas também a diversificação de iniciativas estratégicas, lembrando que estamos falando de múltiplos funis e uma gestão de portfólio abrangente.

Leia mais na flexM4i sobre:
Três horizontes de inovação e crescimento
Ambidestria organizacional

6. Burocracia nas escolhas, favorecendo ideias familiares e limitando inovação disruptiva

Os critério e filtros atualizados, aliados ao uso de metodologias como design thinking e Lean Startup, incentivam a experimentação e a validação de ideias que podem ser inicialmente desafiadoras ou fora da caixa. Além disso, a abordagem de inovação aberta permite que ideias externas e parcerias com startups sejam integradas ao processo, diversificando as fontes de inovação e possibilitando que ideias “fora da caixa” sejam consideradas.

7. Competição não saudável entre times e falta de colaboração dos dirigentes na resolução de problemas

No conceito atualizado, os dirigentes agem como investidores de venture capital, contribuindo ativamente na avaliação e melhoria dos projetos, em vez de apenas apontar falhas. A dinâmica de múltiplos funis e parcerias com ecossistemas promove uma colaboração saudável entre times e parceiros externos, substituindo a competição interna por esforços conjuntos para o sucesso das iniciativas.

8. O funil promove o uso de soluções internas (tecnologia, subsistemas, etc.) em detrimento de melhores soluções existentes no ecossistema

O conceito de inovação aberta, central no modelo atualizado, resolve essa limitação ao integrar o ecossistema de inovação. O inbound innovation facilita a entrada de soluções externas, como licenciamento de patentes, parcerias com startups e aquisições. Por outro lado, o outbound innovation permite que soluções internas sejam compartilhadas com o ecossistema, gerando oportunidades como spin-offs e desenvolvimento colaborativo. Essa integração supera a dependência exclusiva de soluções internas e amplia as opções disponíveis para inovação.

9. Os dirigentes participam das reuniões de gate com o objetivo de apontar falhas nos projetos e tomar decisão, mas não contribuem para melhorias

No modelo atualizado, os dirigentes assumem um papel mais ativo e colaborativo, semelhante ao de investidores de venture capital. Em vez de apenas apontar falhas, eles se envolvem na avaliação estratégica, na validação de hipóteses e na resolução de problemas, utilizando sua experiência técnica e de mercado. Além disso, a dinâmica iterativa e experimental dos múltiplos funis cria oportunidades para que os dirigentes contribuam diretamente para ajustes, pivotagens e melhorias, maximizando seu impacto no sucesso das iniciativas.

10. Gasto excessivo de tempo com administração do processo em vez de criatividade

O foco em práticas ágeis, experimentação contínua e integração de conceitos de inovação aberta reduz o peso burocrático do processo, deslocando o esforço para atividades criativas e estratégicas. A iteração constante e o uso de hipóteses garantem que as atividades criativas sejam aplicadas diretamente na validação e evolução das ideias.

11. Baixa qualidade das ideias devido à entrada descontrolada de qualquer ideia

O conceito atualizado incorpora filtros mais criteriosos e práticas de gestão de ideias que integram a compreensão dos stakeholders e a experimentação. Isso melhora a qualidade das ideias desde a entrada no processo por meio de um funil separado da gestão de ideias. A integração de dirigentes na geração e validação de ideias garante maior alinhamento estratégico e relevância.

Referências

Cooper, R. G. (2016). Agile – Stage-Gate Hybrids: The Next Stage for Product Development. Research-Technology Management, 6308(January), 21–28. https://doi.org/10.1080/08956308.2016.1117317 

Cooper, R.G., & Sommer, A.F., (2016). Agile-Stage-Gate: New idea-to-launch method for manufactured new products is faster, more responsive, Industrial Marketing Management http://dx.doi.org/10.1016/j.indmarman.2016.10.006 

Hakkarainen, K., & Talonen, T. (2014). The innovation funnel fallacy. International Journal of Innovation Science, 6(2), 63–71. https://doi.org/10.1260/1757-2223.6.2.63

Nichols, David (2007). Why innovation funnels don’t work and why rockets do. Market Leader, 9.

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