Funil de inovação ainda é válido?

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Autoria: Henrique Rozenfeld (roz@usp.br). 

Para muitos, o funil de desenvolvimento de produtos está associado a modelos de processo rígidos e prescritivos. Hoje em dia, o conceito de funil é simplesmente uma seleção de alternativas com base em testes de validação, experimentação e outros critérios. A gestão da inovação pode orquestrar múltiplos funis de diferentes objetos.

Introdução

Na área de gestão de desenvolvimento de produtos, existe uma representação clássica de funil de inovação, que procura mostrar a evolução de um portfólio de projetos de desenvolvimento, desde a ideia até o lançamento.

O funil procura representar que saímos de muitas alternativas e ao longo do desenvolvimento chegamos em poucas.

Não consideramos o termo “funil” apropriado. No funil, tudo que entra sai. Preferimos usar o termo “filtro”, pois algumas alternativas ficam no caminho. 

Figura 067: Representação de um funil simples de evolução de uma inovação

Consideramos essa representação muito boa para indicar que partimos de muitas alternativas para poucas, que se tornam projetos de inovação e, finalmente, ofertas (produtos, serviços), modelos de negócio, mudanças internas etc.

Críticas à representação do funil

Existem críticas com relação a este tipo de representação, entre elas (Hakkarainen & Talonen, 2014):

  • demasiada ênfase nas fases iniciais, deixando de mostrar a importância das fases subsequentes;
  • enfatiza colocar muitas ideias no início do funil (filtro), que causa um congestionamento e torna o processo de inovação lento;
  • necessidade de gates para avaliar o progresso de tantas ideias, que os tornam não efetivos, deixando passar muitas ideias que não dão em nada;
  • os processos de inovação ficam sem flexibilidade e lentos para reagir, portanto, não são ágeis.

Outro autor diz ainda (Nichols, 2007)

  • o foco do funil está em selecionar as inovações com mais chances de sucesso no mercado e que entregam valor para os stakeholders 
  • o processo do funil tende a ser burocrático nas escolhas ao usar métodos de avaliação que favorecem o que é familiar e não o que é novo e difícil. Não nutre ideias “fora da caixa”;
  • o funil cria uma “competição não saudável” entre os times que querem que seus conceitos sejam selecionados;
  • o funil promove o uso de soluções internas (tecnologia, subsistemas, etc..) em detrimento de melhores soluções existente no ecossistema;
  • os dirigentes participam das reuniões de gate (reuniões de avaliação dos projeto) com o objetivo de apontar falhas nos projetos e tomar decisão. Este tipo de processo não envolve dirigentes em melhorias dos problemas encontrados. Dirigentes, diretores técnicos, de marketing, de operação, etc. possuem experiência e por isso um grande potencial de contribuição na resolução de problemas, que não é aproveitado;
  • é gasto muito mais tempo da administração do processo do que com criatividade, o que torna o processo demorado e mais caro;
  • o processo parte do princípio que é simples criar boas ideias que entram no funil. Assume que é só realizar uma sessão de brainstorming e gerar muitas ideias que aos poucos serão eliminadas pelo funil. Os funis estão “abertos” para qualquer ideia. Dessa forma, muitas ideias de baixa qualidade entram no processo. E os dirigentes não estão envolvidos no processo de geração de ideias.

O Stage-Gate © também evoluiu

Todas as críticas citadas no tópico anterior são válidas. Muitas pessoas associam os funis e os “processos “engessados ao conceito de funil com o conceito antigo de processos de desenvolvimento de produtos do tipo stage-gate.

A próxima figura ilustra este processo. Ele é constituído por uma sequência de fases, que contém atividades prescritas e com critérios de passagem entre essas fases (os gates).

Figura 419: ilustração do funil do conceito antigo e “ultrapassado” de stage-gates

A versão mais recente do stage-gate ™ já incorporou conceitos de agilidade, flexibilidade design thinking e outros. A primeira versão das ideias sobre stage-gate foi publicada em 1986 e o termo stage-gate foi usado pela primeira vez em 1988. Nas palavras do próprio autor deste modelo, “Embora Stage-Gate tenha durado muitos anos, a versão atual é irreconhecível comparada com o modelo original. O Stage-Gate evoluiu muito ao longo do tempo” ( Cooper & Sommer, 2016; Cooper, 2017). 

“O Stage-Gate ™  evoluiu muito ao longo do tempo. A versão atual é  irreconhecível comparada com o modelo original”

Novo conceito de funil

Funil é a representação de várias entradas e poucas saídas, que como já comentamos, preferimos denominar de filtros.

Funis na inovação aberta

Na figura a seguir ilustramos o conceito atualizado de filtro de inovação. As flechas pontilhadas da figura indicam inovações que vieram de fora (inbound innovation) e outras que saíram dos processos de inovação (outbound innovation):

  • Inbound innovation: As inovações que vieram de fora podem ser na forma de contratação de serviços, licenciamento de patentes, aquisição ou fusão (M&A) com outras empresas, assim como serem desenvolvidas por empresas parceiras com uma ênfase atual em startups.
  • Outbound innovation: As que saíram podem ser na forma de licenciamento de tecnologias e soluções criadas ou mesmo abertura de plataformas para que parceiros do ecossistema possam desenvolver soluções complementares usando a plataforma desenvolvida. Outra opção seriam as spin offs (startups) que surgem desta prática.

Conexão e criação de startups

A figura representa, por meio de esferas laranjas, projetos  que são realizados em parceria com membros do ecossistema dentro do conceito de inovação aberta (open innovation). A maior parte desses projetos são realizados com startups (inbound innovation) ou resultam em startups.(outbound innovation) Essas parcerias também poderiam ter sido representadas pelas flechas pontilhadas, mas isso deixaria a figura muito carregada.

A abordagem de inovação aberta e conexão com startups traz vários benefícios

Leia as seções específicas sobre inovação aberta, conexão com startups e corporate venturing

Observe ainda que, ao invés de existir uma fase dedicada à construção e teste de protótipos, como nos modelos tradicionais de stage-gate, experimentações ocorrem ao longo de todos os projetos nos diferentes níveis de abstração e evolução das inovações.

Figura 420: ilustração de “funis” (filtros) de projetos e iniciativas de inovação integrados com a inovação aberta
Conheça a lista completa de mecanismos e práticas de inovação aberta que expande essa figura na seção sobre inovação aberta

Os membros de um comitê de gates devem agir como se fossem investidores de capital de risco (venture capital)

Este conceito de funil permite que sejam considerados múltiplos funis na gestão da inovação.

Múltiplos funis

No contexto da inovação, que vai além do desenvolvimento de produtos, podemos ter diversos funis como ilustra a próxima figura.

A representação de funis comunica que de diversas alternativas iniciais, após:

algumas alternativas são eliminadas e outras continuam a ser desenvolvidas até:

  • o seu lançamento no mercado ou 
  • sua implementação na empresa (inovações internas para mudanças na empresa, como as inovações de melhoria operacional para aumento da eficácia, eficiência, ações de sustentabilidade e desenvolvimento de novas capabilidades).

Figura 434: exemplos de múltiplos funis de inovação

Leia mais na flexM4i:
Objetos de inovação
Tipos de inovação
Business case versus business plan
Capabilidades dinâmicas e ordinárias
Iniciativas de sustentabilidade
Rs da sustentabilidade
checklist de estratégias de economia circular 

Utilização da representação do funil na flexM4i

O conceito de funil (preferimos usar o termo “filtro”) que utilizamos na flexM4I é mostrar que várias alternativas podem ser filtradas ao longo do processo e somente algumas continuam após os testes de validação e experimentações. 

Ao invés de serem selecionadas por meio de um processo stage-gate, vários filtros ocorrem com dinâmicas diferentes e de forma orquestrada durante os processos de inovação. O processo de discovery de inovações disruptivas e radicais pode trabalhar de forma ad-hoc alimentando o filtro do planejamento da inovação.

O processo de gestão de ideias possui uma dinâmica. O processo de geração de ideias, integrado ao de entendimento dos stakeholders, com base nos conceitos de design thinking , possui outra dinâmica. Esse processo avalia ideias por meio de experimentação, já considerando hipóteses de valor (product-market fit) e de mercado (escalabilidade) e, antes de serem descartadas, podemos pivotar.

Conceitos extraídos do Lean Startup.

As atividades são realizadas de forma iterativa por meio de sprints dentro do conceito de gestão ágil de projetos. Lógico que a forma de realizar as atividades depende da abordagem de desenvolvimento do projeto que pode ser:

  • preditiva (projetos planejáveis e estáveis) ou 
  • adaptativa (diante de incertezas), tabela conhecida como gestão ágil de projetos.

Existe ainda a possibilidade de combinar essas abordagens na Gestão híbrida de projetos.

Além disso, a inovação ocorre no contexto da inovação aberta (open innovation) utilizando-se o potencial do ecossistema de inovação e empreendedorismo.

Referências

Cooper, R. G. (2016). Agile – Stage-Gate Hybrids: The Next Stage for Product Development. Research-Technology Management, 6308(January), 21–28. https://doi.org/10.1080/08956308.2016.1117317 

Cooper, R.G., & Sommer, A.F., (2016). Agile-Stage-Gate: New idea-to-launch method for manufactured new products is faster, more responsive, Industrial Marketing Management http://dx.doi.org/10.1016/j.indmarman.2016.10.006 

Hakkarainen, K., & Talonen, T. (2014). The innovation funnel fallacy. International Journal of Innovation Science, 6(2), 63–71. https://doi.org/10.1260/1757-2223.6.2.63

Nichols, David (2007). Why innovation funnels don’t work and why rockets do. Market Leader, 9.

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