Servitização
Oportunidades de aplicação da Inteligência Artificial na Servitização

flexM4I > abordagens e  práticasOportunidades de aplicação da Inteligência Artificial na Servitização (versão 1.1)
Autoria: Henrique Rozenfeld ([email protected]) com apoio do chatGPT (leia maise revisado por Alejandro Frank ([email protected]

Esta seção é baseada na publicação de Ayala et al. (2025) com anuência do autor Alejandro Frank.

Esta seção explora como diferentes tipos de serviços se beneficiam da Inteligência Artificial (IA) no contexto da servitização, com base na análise de seis casos práticos. São discutidas aplicações por tipo de serviço, capabilidades da IA, estratégias organizacionais, desafios enfrentados e oportunidades para ampliar o valor gerado ao cliente.

Conteúdo desta página

Introdução

A transformação digital tem reconfigurado profundamente a forma como produtos e serviços são concebidos, entregues e monetizados. Nesse contexto, a Inteligência Artificial (IA) desponta como uma tecnologia estratégica para alavancar a servitização, ampliando sua escala, eficiência e personalização. Mais do que um conjunto de soluções técnicas, a IA pode ser compreendida como uma capabilidade organizacional composta por diferentes funções cognitivas — como análise de dados, automação e interação com o usuário — que habilitam novos modelos de serviço e ampliam o papel da empresa na entrega de valor.

Nos últimos anos, o conceito de servitização digital tem ganhado relevância, ao reconhecer que a digitalização — e, em especial, tecnologias como IA — não apenas aprimoram serviços existentes, mas transformam a lógica de valor. Essa transformação ocorre quando a empresa passa a monitorar continuamente o uso do produto, antecipar necessidades, adaptar sua oferta em tempo real e, em casos mais avançados, assumir responsabilidade por resultados mensuráveis. Nessa nova lógica, a IA viabiliza serviços mais proativos, personalizados e orientados a desempenho.

Nos últimos anos, o conceito de servitização digital tem ganhado relevância ao evidenciar que a digitalização — e, em especial, tecnologias como a IA — não apenas aprimoram serviços existentes, mas transformam a lógica de geração de valor. Essa transformação ocorre quando a empresa passa a

  • monitorar continuamente o uso do produto, 
  • antecipar necessidades, 
  • adaptar a oferta em tempo real e, 
  • nos serviços mais avançados, assumir responsabilidade por resultados mensuráveis.

Nessa nova lógica de serviço orientada a dados (data-driven) e comprometida com o desempenho, a IA viabiliza serviços mais proativos, personalizados e com entregas mensuráveis, reforçando o papel estratégico da empresa na jornada do cliente.

A seção principal sobre servitização na flexM4I já discute como a integração de produtos e serviços contribui para a geração de valor contínuo ao cliente, com base em estratégias de diferenciação, recorrência de receita e foco em resultados.

A presente seção complementa essa abordagem ao investigar quais são as contribuições potenciais da  IA para a servitização , com base nos achados de uma pesquisa empírica que analisou seis casos de empresas que adotaram soluções servitizadas baseadas em IA, em setores como tecnologia, manufatura e equipamentos industriais, com serviços de diferentes níveis de sofisticação (Ayala et al., 2025).

Esta seção é uma síntese de alguns aspectos da pesquisa realizada. Recomendamos que as pessoas interessadas no nível de detalhamento avançado consultem a publicação original para conhecer os detalhes da pesquisa e a discussão mais completa dos resultados. A referência completa da publicação está no final desta seção.

Enquanto a aplicação da IA pode assumir diferentes formas — como automação de processos, geração de insights a partir de dados ou interação personalizada com usuários —, sua adoção bem-sucedida depende também de decisões organizacionais estruturadas, como a composição de equipes, o desenho de processos, a maturidade digital e a integração com o modelo de negócio.

Esta seção está organizada em tópicos que abordam:

  • Tipologia de serviços adotada que serve de base para relacionar qualitativamente com as atividades realizadas pela IA
  • Quando a IA pode ser aplicada na servitização, considerando o tipo de serviço, o contexto de uso e o grau de responsabilidade assumida pela empresa na entrega de valor (veja o próximo tópico que explica esses termos)
  • Por que adotar a IA como diferencial estratégico e operacional, com base nos ganhos esperados
  • Como diferentes capabilidades de IA viabilizam as propostas de valor nos serviços
  • Quais proposições estratégicas emergem da análise integrada dos casos, indicando oportunidades de aplicação da IA conforme o tipo de serviço, a função cognitiva e a maturidade organizacional
  • Quais estratégias organizacionais têm sido adotadas pelas empresas para incorporar a IA aos seus serviços
  • Quais desafios críticos afetam a adoção bem-sucedida da IA na prática

Por fim, apresentamos uma síntese dos casos analisados, evidenciando padrões práticos e aprendizados relevantes para empresas que desejam incorporar IA como vetor de inovação em serviços.

Terminologia
Adotamos o termo capabilidade como um anglicismo para traduzir o termo “capability” em inglês. Leia mais sobre isso no verbete do glossário da flexM4i, que define este termo.

Tipologia de serviços adotada e paralelo com outras classificações

Antes de analisarmos os contextos de aplicação da IA na servitização, é necessário explicitar a tipologia de serviços adotada nesta seção, pois ela estrutura a forma como a aplicação da IA será analisada nos tópicos seguintes e permite estabelecer conexões com classificações consolidadas na literatura.

A tipologia utilizada nesta seção — que classifica os serviços em base, intermediários e avançados — foi proposta por Baines et al. (2013) e tem sido amplamente empregada em estudos sobre servitização digital. Seu diferencial está em articular o tipo de serviço com o grau de sofisticação da proposta de valor e com o nível de responsabilidade assumida pela empresa em relação ao desempenho do produto.

Grau de sofisticação da proposta de valor:  Refere-se ao nível de complexidade e personalização dos serviços ofertados, bem como à sua capacidade de gerar valor além da funcionalidade básica do produto. Propostas mais sofisticadas incluem, por exemplo, entregas baseadas em resultados, integração com operações do cliente ou serviços adaptativos baseados em dados.

Nível de responsabilidade assumida pela empresa:  Diz respeito ao grau de comprometimento da empresa com os resultados obtidos pelo cliente a partir do uso do produto. Em serviços mais simples, a responsabilidade se limita ao suporte ou orientação de uso. Nos serviços avançados, a empresa pode assumir obrigações contratuais por desempenho, disponibilidade ou eficiência.

Essa estrutura pode ser relacionada a outras classificações tratadas na seção principal da flexM4I:

Serviços base se relacionam com:
– Serviços que apoiam o produto (Mathieu, 2001)
– Serviços de base instalada (Oliva & Kallenberg, 2003)

Serviços intermediários se aproximam de:
– Serviços que apoiam as ações do cliente (Mathieu, 2001)
– Serviços de manutenção (Oliva & Kallenberg, 2003)
– Serviços complementares (Cusumano et al., 2015)

Serviços avançados correspondem a:
– Serviços de substituição (Mathieu, 2001)
– Serviços orientados a resultados (Visnjic et al., 2019)

Além dessas classificações centradas no tipo de serviço, a literatura recente apresenta diferentes formas de categorizar as capabilidades da IA em contextos organizacionais. Embora não haja consenso, há convergência em torno de três grandes funções desempenhadas pela IA:

– Apoiar a decisão, por meio de sistemas especializados e diagnósticos
– Aprimorar a ação, com base em análises preditivas e prescritivas
– Executar ações de forma autônoma, sem intervenção humana

Abordagens mais específicas, como a de Wirtz et al. (2018), incluem capabilidades como automação de processos, agentes virtuais, analytics preditivos e robótica cognitiva. Em modelos de negócios circulares, Madanaguli et al. (2024) identificam capabilidades como infraestrutura de IA, inteligência integrada, automação com aumento cognitivo e orquestração de ecossistemas.

A tipologia adotada nesta seção, ao ser relacionada às capabilidades de engajamento cognitivo, insight cognitivo e automação de processos, oferece uma síntese prática dessas diferentes abordagens. Ela fornece uma estrutura operacional clara para analisar como e onde a IA pode ser aplicada, de forma alinhada ao tipo de serviço e ao papel estratégico assumido pela empresa na entrega de valor.

Dessa forma, essa tipologia não substitui as demais classificações, mas as complementa ao fornecer um critério adicional baseado na complexidade do serviço e no uso de tecnologias digitais, como a Inteligência Artificial, para amplificar o valor gerado ao cliente.

Quando podemos aplicar a IA na servitização

A aplicação da Inteligência Artificial (IA) na servitização não segue um padrão único. Ela ocorre em diferentes contextos, condicionada principalmente por dois fatores:

  1. O tipo de serviço oferecido, segundo o nível de sofisticação e o grau de responsabilidade assumida pela empresa;
  2. A natureza das atividades onde a IA será empregada, distinguindo-se entre atividades de front-office (voltadas à interação com o cliente) e de back-office (voltadas ao funcionamento interno do serviço).

A seguir, detalhamos os principais contextos onde a IA tende a ser aplicada, considerando esses dois eixos.

Serviços base

São serviços cujo foco está em apoiar o uso do produto pelo cliente, geralmente com alto grau de padronização e escalabilidade. Enquadram-se aqui, por exemplo, serviços como suporte à instalação, dashboards informacionais, interfaces interativas ou assistentes digitais embarcados.

Utilizamos o termo “serviços base” em alinhamento com a tipologia de Baines et al. (2013), que designa serviços focados na provisão do produto, com menor complexidade e responsabilidade assumida pela empresa. Optamos por manter “base” em vez de “básico” para evitar interpretações equivocadas associadas a serviços essenciais ou de baixa importância.

Nesse tipo de serviço, a IA é aplicada principalmente no front-office, com o objetivo de facilitar a experiência de uso, simplificar a interação e permitir personalização em tempo real. A aplicação demanda capabilidades de engajamento cognitivo, como compreensão de linguagem natural, recomendação baseada em preferências e interação automatizada.

O que são capabilidades de engajamento cognitivo?
Referem-se à aplicação da IA em interfaces que interagem diretamente com os usuários, simulando comportamentos humanos por meio de linguagem natural, imagens ou outros canais de comunicação. Essas capabilidades permitem que o cliente se relacione com o serviço de forma mais intuitiva, personalizada e autônoma. Exemplos incluem chatbots, assistentes virtuais e sistemas de recomendação adaptativos. O foco está em melhorar a experiência de uso e facilitar a interação.

Serviços intermediários

Estes serviços visam garantir a manutenção da condição funcional do produto durante sua operação, com foco em confiabilidade, desempenho e continuidade de uso. Exemplos incluem monitoramento de condição, manutenção preditiva, suporte técnico remoto ou alertas de uso indevido.

Nesse contexto, a IA opera predominantemente no back-office, processando grandes volumes de dados operacionais, detectando padrões, antecipando falhas e oferecendo diagnósticos técnicos. As aplicações requerem capabilidades de insight cognitivo, como análise preditiva, detecção de anomalias e extração de conhecimento a partir de dados históricos e em tempo real.

O que são capabilidades de insight cognitivo
Dizem respeito à habilidade da IA de analisar grandes volumes de dados estruturados e não estruturados para identificar padrões, gerar previsões e apoiar a tomada de decisões. São utilizadas principalmente em processos internos de monitoramento, diagnóstico ou recomendação. Essa capabilidade amplia a inteligência operacional da empresa, permitindo intervenções mais precisas e proativas, baseadas em evidências extraídas do uso real dos produtos ou serviços.

Serviços avançados

São serviços em que a empresa assume responsabilidade direta por resultados relacionados ao desempenho do produto, muitas vezes por meio de contratos de performance ou modelos “as a service”. São exemplos: reposição automatizada de peças, contratos de disponibilidade, ou gerenciamento integrado de ativos.

 Nesse caso, a IA atua no back-office, combinando automação de processos (como geração automática de ordens de serviço ou compras) com insights cognitivos voltados à otimização contínua. A IA é empregada para garantir a execução autônoma de atividades, tomada de decisões em tempo real e entrega de valor com base em indicadores de performance previamente acordados.

Essa estrutura de aplicação da IA alinha-se à lógica da servitização digital, em que a complexidade dos serviços e o grau de envolvimento com o cliente determinam quais capabilidades cognitivas da IA são necessárias e onde devem ser alocadas no processo de entrega de valor.

Além de esclarecer os contextos de aplicação da IA, essa tipologia também pode ser relacionada às classificações já adotadas na flexM4I, reforçando sua complementaridade conceitual.

O que são capabilidades de automação de processos
Envolvem o uso da IA para executar tarefas repetitivas ou estruturadas de forma autônoma, substituindo rotinas anteriormente realizadas por operadores humanos ou sistemas tradicionais baseados em regras fixas. Essa capabilidade é aplicada, por exemplo, na geração automática de ordens de serviço, controle de estoque ou acionamento de equipamentos. O foco está na execução eficiente e confiável de processos, sem necessidade de interação direta com o cliente.

Paralelo com outras classificações

A tipologia apresentada neste tópico — que classifica os serviços em base, intermediários e avançados — foi proposta originalmente por Baines et al. (2013) e tem sido utilizada em estudos recentes sobre servitização digital. Ela se diferencia por articular o tipo de serviço com o grau de sofisticação da proposta de valor e com a responsabilidade assumida pela empresa em relação ao desempenho do produto.

Essa tipologia pode ser mapeada em relação às classificações já tratadas na seção principal da flexM4I:

  • Serviços base se relacionam com:
    – Serviços que apoiam o produto (Mathieu, 2001)
    – Serviços de base instalada (Oliva & Kallenberg, 2003)
  • Serviços intermediários se aproximam de:
    – Serviços que apoiam as ações do cliente (Mathieu, 2001)
    – Serviços de manutenção (Oliva & Kallenberg, 2003)
    – Serviços complementares (Cusumano et al., 2015)
  • Serviços avançados correspondem a:
    – Serviços de substituição (Mathieu, 2001)
    – Serviços orientados a resultados (Visnjic et al., 2019)

Além das classificações sobre tipos de serviços, a literatura recente também propõe diferentes formas de categorizar as capabilidades da IA no contexto empresarial. Embora não haja consenso definitivo, diversos estudos apontam que as capabilidades podem ser agrupadas conforme a função que exercem nas organizações:

  • Apoio à decisão, por meio de sistemas especializados e diagnósticos;
  • Aprimoramento da ação, com base em análises preditivas e prescritivas;
  • Execução autônoma, com uso de algoritmos que tomam decisões e agem sem intervenção humana.

Outras abordagens, como a de Wirtz et al. (2018), detalham funcionalidades específicas, como sistemas de automação de processos, agentes virtuais, analytics preditivos e robótica cognitiva. Já em contextos de modelos de negócios circulares, Madanaguli et al. (2024) identificam capabilidades como infraestrutura de IA, inteligência integrada, automação com aumento cognitivo e orquestração de ecossistemas.

A tipologia adotada neste tópico — serviços base, intermediários e avançados —, ao ser relacionada às capabilidades de engajamento cognitivo, insight cognitivo e automação de processos, sintetiza essas diferentes abordagens com foco prático. Ela fornece uma estrutura para analisar como e onde a IA pode ser aplicada de forma alinhada ao tipo de serviço e ao papel estratégico que a empresa assume na entrega de valor.

Dessa forma, a tipologia adotada aqui não substitui as classificações existentes, mas as complementa ao oferecer um critério adicional relacionado à complexidade e ao papel da empresa na entrega de valor. Ela também é especialmente útil para mapear o potencial de aplicação de tecnologias digitais, como a Inteligência Artificial, em cada categoria de serviço.

Por que devemos aplicar a IA na servitização

A aplicação da Inteligência Artificial (IA) na servitização é motivada por uma combinação de ganhos operacionais e estratégicos. A IA permite automatizar tarefas repetitivas, antecipar necessidades, adaptar serviços em tempo real e ampliar a escala de atendimento com eficiência. Esses benefícios resultam em:

  • redução de custos;
  • aumento de confiabilidade
  • melhoria da experiência do cliente.

Ao mesmo tempo, a IA viabiliza propostas de valor mais sofisticadas, sustentando:

  • modelos de serviço baseados em desempenho;
  • entregas personalizadas em larga escala
  • novas formas de capturar valor.

Dessa forma, sua adoção não apenas otimiza a operação, mas amplia o escopo da servitização, reposicionando o papel da empresa no relacionamento com o cliente.

As motivações listadas a seguir atuam como vetores de sofisticação e diferenciação da oferta servitizada. Sua adoção contribui para reposicionar a empresa no ecossistema de valor, permitindo que …

… a oferta evolua de uma função de apoio à operação para um papel ativo na geração de resultados para o cliente.

A seguir, destacamos as principais motivações para a adoção da IA em cada tipo de serviço.

Os exemplos apresentados a seguir não foram extraídos da publicação original. Eles foram inseridos com o objetivo de ilustrar as motivações, uma vez que os casos analisados na publicação serão descritos no final desta seção.

Escalabilidade e personalização em serviços base

Em serviços voltados ao uso do produto, a IA viabiliza atendimento automatizado, personalização da experiência e redução da dependência de suporte humano. Isso permite escalar o serviço mantendo sua relevância para diferentes perfis de usuário.

Exemplo ilustrativo: Uma empresa que fabrica purificadores de água lança um aplicativo conectado ao dispositivo, com uma interface baseada em IA que orienta o cliente por comandos de voz e mensagens visuais sobre o funcionamento do equipamento. A IA responde dúvidas frequentes, ensina como trocar o filtro e sinaliza quando a limpeza é recomendada, com linguagem acessível. Toda a decisão permanece com o usuário — a IA apenas facilita a interação com o serviço.

Motivador estratégico: Aumentar o alcance da oferta mantendo a qualidade da experiência, com mínima sobrecarga operacional.

Antecipação e confiabilidade em serviços intermediários

Nos serviços focados na manutenção da funcionalidade do produto, a IA permite diagnósticos preditivos, intervenções proativas e análise contínua do desempenho. Isso contribui para maior confiabilidade e menor tempo de inatividade, com base em decisões orientadas por dados.

Exemplo ilustrativo: Uma empresa de climatização corporativa implementa um serviço que coleta dados dos sistemas de ar-condicionado instalados nos clientes, processa as informações com IA e gera alertas sobre queda de desempenho. O sistema recomenda ajustes no uso, sugere manutenção e estima a vida útil de componentes. A ação antecipada evita quebras inesperadas e melhora a eficiência energética.

Motivador estratégico: Oferecer previsibilidade e continuidade operacional ao cliente, com base em dados reais de uso, reduzindo riscos e custos associados a falhas.

Responsabilidade por resultados e diferenciação em serviços avançados

Em serviços nos quais a empresa assume compromissos de entrega baseados em desempenho, a IA viabiliza execução autônoma, decisões em tempo real e coordenação de processos complexos, permitindo a entrega de valor sob a forma de resultados contratualmente acordados.

Exemplo ilustrativo: Uma empresa que fornece sistemas de irrigação inteligentes oferece um serviço completo de gestão hídrica para grandes áreas agrícolas. A IA combina dados climáticos, sensores de solo e satélites para definir o momento ideal da irrigação. O sistema ativa automaticamente as válvulas, ajusta o volume de água e reporta os resultados ao cliente. A empresa assume o compromisso de reduzir o consumo hídrico por hectare com base em metas estabelecidas em contrato.

Motivador estratégico: Diferenciar a oferta com base em valor entregue, criando barreiras à imitação e estabelecendo relações de longo prazo com o cliente.

Como diferentes capabilidades de IA viabilizam a servitização

Enquanto o tópico anterior (por que …) discutiu os motivos estratégicos e operacionais que justificam a adoção da IA na servitização, neste tópico o foco está em como diferentes capabilidades da IA contribuem para viabilizar essa transformação na prática. Ou seja, trata-se de compreender quais funções cognitivas a IA pode assumir dentro de um serviço, e como essas funções se alinham às demandas dos diferentes tipos de oferta.

Essas capabilidades, quando apropriadas ao contexto do serviço, não apenas otimizam processos existentes, mas possibilitam novas formas de operação, entrega de valor e relacionamento com o cliente, representando uma ampliação real das capacidades organizacionais.

A IA não deve ser tratada como uma solução genérica, mas como um conjunto de capabilidades organizacionais que operam em níveis distintos. Com base na tipologia proposta por Davenport e Ronanki (2018), os autores adotaram três capabilidade fundamentais, que representam funções cognitivas aplicáveis a diferentes partes do sistema de serviço:

  • Automação de processos: execução autônoma de tarefas rotineiras, baseadas em regras ou decisões estruturadas.
  • Insight cognitivo: análise de grandes volumes de dados para gerar diagnósticos, previsões ou recomendações.
  • Engajamento cognitivo: interação inteligente com usuários por meio de interfaces adaptativas e linguagem natural.

Essas capabilidades são tecnologicamente complementares, mas estrategicamente seletivas. A escolha de qual capabilidades aplicar depende da natureza do serviço, do tipo de valor a ser entregue e do papel da empresa na entrega.

A seguir, detalhamos cada uma dessas capabilidades, suas características e o que tornam possível no contexto da servitização.

Engajamento cognitivo – tornar a interação mais acessível e personalizada

Essa capabilidade foca na interface entre o cliente e o serviço. A IA atua para reduzir barreiras de uso, adaptar a comunicação ao perfil do usuário e facilitar a compreensão do produto ou solução. É particularmente útil quando o cliente tem contato direto com a tecnologia e precisa operar sistemas, configurar parâmetros ou interpretar dados.

Observe que os autores não estão falando apenas de recursos tecnológicos, mas de formas de atuação inteligente da organização.

Aplicações típicas:

  • Assistentes virtuais e chatbots com linguagem natural
  • Interfaces que aprendem com o uso e adaptam menus ou sugestões
  • Dashboards explicativos com sugestões orientadas por contexto

Função viabilizadora: Permitir que o cliente interaja com o serviço com fluidez e autonomia, mesmo sem conhecimento técnico, ampliando o alcance e a acessibilidade da solução.

Insight cognitivo – transformar dados em recomendações e decisões

Aqui, a IA é aplicada para entender o comportamento do produto, prever eventos e apoiar decisões humanas. A ênfase está na análise contínua de dados operacionais ou contextuais que permitam antecipar problemas, ajustar parâmetros ou identificar oportunidades de melhoria.

Aplicações típicas:

  • Manutenção preditiva com base em sensores
  • Análise de uso para personalização de configurações
  • Geração de alertas, recomendações ou insights para técnicos e gestores

Função viabilizadora: Permitir que o serviço seja proativo, adaptativo e baseado em evidências, gerando maior confiabilidade e relevância.

Automação de processos – executar ações sem intervenção humana

Essa capabilidade refere-se à execução autônoma de processos operacionais, administrativos ou técnicos, baseados em regras definidas ou instruções geradas pela própria IA. Ela é crucial em serviços que exigem tempo de resposta rápido, alta repetição de tarefas ou operação contínua.

Aplicações típicas:

  • Geração automática de ordens de serviço, pedidos ou reposições
  • Execução de rotinas de controle, parametrização ou calibragem
  • Ações corretivas automatizadas com base em detecção de falhas

Função viabilizadora: Permitir que a empresa assuma maior responsabilidade operacional, oferecendo serviços orientados a desempenho e com menor dependência de estruturas humanas para execução.

Essas três capabilidades não são mutuamente exclusivas. Em muitos serviços — especialmente os mais avançados — elas são combinadas em arquiteturas integradas, onde a IA analisa, decide e executa de forma coordenada. Contudo, sua aplicação isolada já pode agregar valor significativo quando bem alinhada ao modelo de serviço e ao papel que a empresa deseja assumir na entrega de valor.

Ao compreender essas capabilidades como blocos funcionais da IA — e não apenas como recursos tecnológicos —, as empresas conseguem estruturar melhor suas iniciativas de servitização digital, evitando tanto o subaproveitamento quanto a adoção indiscriminada de soluções tecnológicas sem aderência ao seu modelo de negócios.

Oportunidades para a aplicação estratégica da IA na servitização

A análise integrada dos casos e da literatura especializada permitiu aos autores do estudo identificar cinco proposições que configuram oportunidades estratégicas para o uso da Inteligência Artificial (IA) em contextos de servitização. Essas proposições foram sintetizadas em um modelo visual (ver figura a seguir), que articula o tipo de serviço, a natureza da aplicação de IA, a abordagem de implementação e o valor gerado.

Figura 1334: Modelo conceitual com proposições estratégicas de aplicação da IA na servitização (clique na figura para abrir em outra aba)
Adaptado de Ayala et al., (2025)

Inserimos exemplos ilustrativos das proposições, que não necessariamente foram citados na publicação original, usando a formatação deste parágrafo. Em alguns casos, generalizamos os casos, que estão resumidamente descritos no final desta seção. 

Para conhecer com maior profundidade os casos citados, recomendamos a leitura da publicação original.

A seguir, apresentamos essas proposições com base na estrutura conceitual do artigo.

P1 – Alinhamento entre tipo de serviço e função cognitiva da IA

A aplicação da IA deve ser orientada pelas características do serviço ofertado.

  • Nos serviços base, o foco recai sobre o engajamento cognitivo, como o uso de modelos generativos para interação com o cliente (P1a) e o suporte à educação do usuário (P2a).
  • Nos serviços intermediários, predominam os insights cognitivos, com aplicações de aprendizado de máquina e profundo para compreender e adaptar as necessidades dos usuários (P1b, P2b).

Por exemplo, em serviços base, uma interface conversacional embarcada em um cooktop pode oferecer recomendações personalizadas de receitas, apoiando o engajamento do cliente com o produto. Já em serviços intermediários, algoritmos de aprendizado de máquina podem adaptar parâmetros de manutenção com base nos padrões operacionais de uso do cliente.

P2 – Diferenciação entre front-office e back-office na aplicação da IA

As funções cognitivas da IA se distribuem de forma distinta entre atividades voltadas à interface com o cliente (front-office) e à operação interna do serviço (back-office).

  • No front-office, prevalece o engajamento cognitivo, com aplicações voltadas à interação adaptativa com o usuário, como o uso de linguagem natural, recomendações personalizadas e suporte automatizado. Em serviços base, esse engajamento muitas vezes exige educação prévia do cliente sobre o uso da tecnologia (P2a), o que demanda interfaces intuitivas e ações de onboarding digital.
  • No back-office, a ênfase recai sobre insights cognitivos e automação de processos. Nos serviços intermediários, a IA é empregada para adaptar requisitos e parâmetros operacionais às exigências específicas dos usuários (P2b), com base na análise contínua de dados contextuais.
  • Já nos serviços avançados, a IA atua em automação de processos, especialmente voltada à redução de custos e à entrega de performance garantida (P2c), operando de forma autônoma em tarefas técnicas, administrativas ou logísticas.

Por exemplo, enquanto um chatbot com linguagem natural pode atuar no front-office respondendo dúvidas operacionais de usuários sobre o uso de funcionalidades específicas de um sistema ERP, como geração de relatórios ou consulta a dados de estoque, no back-office a IA pode operar de forma autônoma ao analisar continuamente dados captados por sensores instalados em máquinas industriais para identificar padrões de degradação, prever falhas e recomendar planos de manutenção preditiva antes que o problema afete a operação.

P3 – Valor agregado orientado por tipo de capabilidade de IA

 As capabilidades de IA contribuem para a geração de valor de maneiras distintas:

  • P3a: Insights cognitivos ampliam a transparência da informação e otimizam o uso de dados.

Por exemplo, o uso de IA para geração de insights cognitivos permite, por exemplo, analisar padrões de consumo de componentes em tempo real e prever o momento ideal para reposição automática. Isso garante a disponibilidade contínua de materiais críticos, reduz desperdícios e otimiza a eficiência logística, gerando maior transparência para o cliente sobre os processos envolvidos.

  • P3b: Engajamento cognitivo melhora a experiência do cliente, aumentando a percepção de valor e autonomia no uso dos serviços.

Por exemplo, as aplicações de engajamento cognitivo, como assistentes embarcados em eletrodomésticos, utilizam linguagem natural para orientar o usuário sobre funcionalidades, modos de uso e manutenção do produto. Isso não apenas facilita a interação com o equipamento, mas também eleva a percepção de sofisticação e valor da solução oferecida.

 

P4 – Estratégias de implementação em função do estágio de maturidade

Três abordagens organizacionais podem ser adotadas, refletindo o estágio de maturidade e os recursos disponíveis:

  • P4a: Adoção baseada na aquisição externa de IA, comum em serviços base.

Por exemplo, uma empresa com baixa maturidade digital pode iniciar sua jornada com a IA adquirindo soluções prontas, como um chatbot desenvolvido por um fornecedor especializado e integrado ao seu sistema de atendimento ao cliente. Essa abordagem permite oferecer uma interface inteligente de interação sem demandar desenvolvimento interno. Ao mesmo tempo, a colaboração com fornecedores externos — especialmente startups — pode atuar como vetor de aprendizado organizacional, permitindo que a empresa evolua e adquira competências para desenvolver soluções próprias, como descrito na proposição seguinte (P4b).

  • P4b: Desenvolvimento de capabilidades internas, predominante em serviços intermediários.

À medida que avança digitalmente, a empresa pode estruturar uma equipe própria de ciência de dados e desenvolver algoritmos preditivos customizados. Por exemplo, pode criar modelos que antecipam falhas de equipamentos com base em dados operacionais coletados de sensores, aumentando a autonomia e a customização da solução.

  • P4c: Construção de ecossistemas com atores especializados, típica de serviços avançados.

Empresas com maior maturidade digital podem adotar estratégias mais complexas, estruturando ecossistemas com universidades, startups, integradores e outros parceiros para desenvolver soluções customizadas de IA. Nessa configuração, a empresa não apenas coordena os esforços, mas também compartilha ativos tecnológicos, como dados e APIs. Além disso, se a empresa desenvolver uma plataforma aberta, ela permitirá que atores de um ecossistema mais amplo possam criar aplicações complementares a jusante, que agregam valor aos clientes e, portanto, à oferta de serviços — sem a necessidade de uma contratação formal.

Leia mais na flexM4i sobre ecossistema de inovação e empreendedorismo.

P5 – Trajetória de evolução organizacional

A implementação da IA na servitização deve ser encarada como um processo gradual, que reduz a dependência externa à medida que a empresa desenvolve maturidade interna. A progressão ocorre do uso de soluções prontas à construção de arquiteturas organizacionais complexas e sustentáveis, alinhadas ao avanço do portfólio de serviços.

Por exemplo, uma empresa pode iniciar sua jornada com a adoção de soluções de IA prontas embarcadas nos equipamentos, como assistentes inteligentes ou sensores preditivos. À medida que evolui, ela pode estruturar uma equipe interna de ciência de dados, desenvolver modelos próprios e criar uma plataforma analítica integrada ao seu portfólio de serviços. Com isso, passa a oferecer contratos baseados em desempenho com maior autonomia e controle sobre a geração de valor, reduzindo gradualmente a dependência de fornecedores externos.

Essas proposições não são prescrições rígidas, mas diretrizes estratégicas que ajudam a orientar decisões de investimento, desenho de soluções e organização interna das empresas. Elas também servem de base para interpretar os padrões observados nos casos analisados, que serão descritos no tópico seguinte.

Estratégias organizacionais para adoção da IA na servitização

Enquanto os tópicos anteriores discutiram os contextos de aplicação, os benefícios esperados e as capabilidades tecnológicas da Inteligência Artificial (IA) na servitização, este tópico foca em como as empresas organizam sua estrutura, competências e decisões para viabilizar essa adoção. A questão central aqui não é o que aplicar, mas como construir condições organizacionais para aplicar com sucesso.

Essas estratégias organizacionais detalham e concretizam as abordagens de implementação descritas na proposição P4 e P5 da seção anterior, traduzindo em práticas observadas nos casos reais as diferentes abordagens de implementação e estágios de maturidade na adoção da IA.”

A análise dos seis casos revela quatro padrões recorrentes de estratégia organizacional, que podem ocorrer isoladamente ou em combinação, dependendo da maturidade digital, cultura interna e modelo de negócios da empresa.

Parcerias com startups ou fornecedores especializados

Outra estratégia observada é a colaboração com agentes externos, especialmente startups, universidades ou empresas de tecnologia com soluções maduras de IA. Essa abordagem acelera a implementação e reduz a curva de aprendizado interno, principalmente em empresas com foco mais industrial ou de produto.

Essa estratégia corresponde à proposição P4a, baseada na aquisição externa de soluções de IA, sendo adequada para empresas em estágio inicial de maturidade digital.

Destaque organizacional: Exige capabilidades de gestão de parcerias e contratos que garantam a customização e a apropriação do conhecimento gerado.

Leia mais na flexM4i sobre a conexão empresa-startups.

Estruturação interna de times multidisciplinares

Muitas empresas optam por criar equipes internas dedicadas à aplicação da IA, formadas por cientistas de dados, desenvolvedores e especialistas do domínio do serviço (engenheiros, técnicos, especialistas de produto). Essa abordagem favorece a integração entre conhecimento técnico e conhecimento do negócio, permitindo o desenvolvimento de soluções contextualizadas.

Essa estratégia se alinha à proposição P4b, que enfatiza o desenvolvimento de capabilidades internas de IA para maior autonomia e customização da solução.

Destaque organizacional: Estimular o aprendizado cruzado entre áreas e reduzir o risco de soluções tecnicamente corretas, mas descoladas da realidade do serviço.

Reconfiguração do modelo de negócios ou da unidade de serviço

Nos casos mais avançados, a aplicação da IA na servitização motivou a revisão de processos organizacionais, estruturas de governança e até da proposta de valor. Algumas empresas criaram unidades autônomas, com lógica operacional própria, voltadas exclusivamente para a oferta servitizada com IA.

Esta estratégia representa a proposição P4c, baseada na formação de ecossistemas organizacionais especializados, capazes de sustentar ofertas servitizadas de alta complexidade com autonomia operacional.

Destaque organizacional: Implica decisões estratégicas de médio prazo, incluindo mudança de portfólio, precificação orientada a resultados e revisão da relação com o cliente.

Incorporação progressiva em serviços existentes

Em vez de lançar novos serviços baseados em IA de forma isolada, muitas empresas optam por incorporar progressivamente funcionalidades baseadas em IA em serviços já consolidados. Isso permite testar hipóteses, ajustar gradualmente os processos e reduzir riscos de rejeição interna e externa.

Essa estratégia está alinhada à proposição P5, ao representar uma trajetória gradual de implementação que permite à empresa desenvolver maturidade interna e reduzir a dependência de soluções externas.

Destaque organizacional: Requer alinhamento entre equipes de serviço, TI e produto para orquestrar a introdução da IA sem comprometer a operação atual.

Essas estratégias evidenciam que a adoção bem-sucedida da IA na servitização depende tanto de escolhas técnicas quanto de decisões organizacionais estruturadas. A tecnologia pode estar disponível, mas a apropriação do valor só ocorre quando a organização estiver preparada para absorvê-la, adaptá-la e sustentá-la em escala.

As evidências empíricas sugerem que a adoção bem-sucedida da IA na servitização não se limita à incorporação de tecnologias avançadas.

Ela exige o alinhamento dessas tecnologias com estruturas organizacionais preparadas para sustentar a inovação em escala e extrair valor das capabilidades digitais. Esse alinhamento deve ocorrer de forma progressiva, conforme a organização amadurece internamente — em consonância com a trajetória evolutiva descrita na proposição P5.

Desafios e fatores críticos para aplicação da IA na servitização

Embora o artigo de Ayala et al. (2025) não apresente uma seção específica dedicada aos desafios, pois não era o objetivo da publicação, consideramos relevantes inserir neste contexto alguns desafios.

A inclusão deste tópico visa orientar organizações que planejam adotar IA em seus serviços, antecipando fatores críticos que podem afetar a viabilidade e o impacto da implementação

A análise dos seis casos permite inferir dificuldades organizacionais e operacionais recorrentes enfrentadas pelas empresas ao aplicar a Inteligência Artificial (IA) em seus serviços.  Essas dificuldades aparecem de forma dispersa nas descrições dos casos e estão associadas a somente dois desafios identificados:

  • Integração entre especialistas em IA e especialistas do negócio e
  • Necessidade de pré-condições resultantes da transformação digital para viabilizar a IA

Após descrever esses desafios, buscamos em outras fontes outros desafios para complementar este tópico. No entanto, eles são relacionados com a aplicação de IA em geral e não especificamente na servitização. Consideramos, no entanto, que vale a pena mencioná-los para que os leitores possam conhecer as implicações de se inserir a IA nas empresas.

Colaboração entre especialistas em IA e especialistas do negócio

Em um dos casos foi citado que  as soluções de IA só ganharam tração quando houve maior colaboração entre cientistas de dados e especialistas do negócio.

“As a major challenge, the company needed to integrate the new team of developers that mastered AI with the long-standing business specialists that mastered the knowledge about customers’ businesses.”

Implicação organizacional:  Criar estruturas de colaboração interfuncional — como times multidisciplinares ou papéis de mediação técnica — é essencial para garantir que as soluções de IA reflitam as reais necessidades operacionais e estratégicas dos serviços.

Comentário:  O sucesso da aplicação da IA depende da comunicação fluida entre quem entende da tecnologia e quem entende do serviço. Em muitas organizações, a falta de linguagem comum ou objetivos compartilhados entre cientistas de dados e especialistas do domínio compromete a relevância e aplicabilidade das soluções desenvolvidas.

Necessidade de pré-condições resultantes da transformação digital para viabilizar a IA

Em um dos casos de serviços intermediários, o CEO da empresa citou que a empresa já tinha passado por uma jornada de transformação digital na sua operação antes de incorporar IA nos produtos e serviços.

“[…] his pre-existing digital infrastructure provided a privileged perspective on AI’s possibilities and allowed us to test it within our own factories.”

Implicação organizacional:  A aplicação da IA — especialmente em capabilidades de insight cognitivo e automação de processos — requer fundamentos digitais mínimos, como sensores, conectividade, integração de sistemas e padronização de dados. Já em aplicações de engajamento cognitivo, esses requisitos podem ser mais leves, envolvendo apenas dados estruturados localmente e menor dependência de integração com sistemas legados.

Comentário interpretativo: Este desafio revela que a IA só alcança seu potencial quando integrada a um ambiente já digitalizado. Para empresas em estágios iniciais, isso implica reconhecer que a transformação digital é uma etapa preparatória — e que o nível dessa preparação varia conforme o tipo de capabilidade que se deseja implementar.

Essa distinção do tipo de capabilidade desejada é relevante porque serviços baseados em engajamento cognitivo exigem requisitos tecnológicos mais acessíveis, viabilizando pilotos mesmo em empresas com baixa maturidade digital.

Os próximos desafios não foram extraídos da publicação de Ayala et al. (2025).

Resistência cultural à adoção da IA

Um estudo publicado na AI & Society (Gegenhuber & Liu, 2024) destaca que a cultura organizacional é um dos principais desafios na adoção da IA, enfatizando a importância de habilidades individuais, treinamento e motivação dos funcionários para superar essa resistência.

Um estudo publicado na AI & Society (Gegenhuber & Liu, 2024) evidencia que a resistência está frequentemente associada à ausência de competências digitais, ao medo de substituição e à dificuldade de compreensão das decisões algorítmicas.

Implicação organizacional: Superar esse desafio exige ações de gestão da mudança que vão além do treinamento técnico. É necessário promover engajamento ativo dos colaboradores, comunicação clara sobre os objetivos e limites da IA, além de mecanismos de participação que deem voz às equipes no processo de implementação.

Comentário: A resistência cultural não é apenas um obstáculo técnico, mas um reflexo das relações de confiança e da cultura organizacional. Fomentar uma mentalidade aberta à inovação — na qual a IA é percebida como ferramenta de apoio e não de substituição — é essencial para legitimar sua aplicação e garantir sua aceitação no cotidiano dos serviços.

Qualidade e governança dos dados

O desempenho dos sistemas de Inteligência Artificial depende diretamente da qualidade, consistência e confiabilidade dos dados utilizados. Dados incompletos, desatualizados ou não contextualizados comprometem a acurácia dos algoritmos, limitando sua utilidade na tomada de decisão e na personalização de serviços.

Um relatório técnico da Informatica (2023) destaca que, em muitos projetos de IA, a ausência de políticas estruturadas de governança de dados é um dos principais fatores de insucesso, comprometendo não apenas os resultados técnicos, mas também a aceitação organizacional.

Um relatório técnico da Informatica (2023) destaca que, em muitos projetos de IA, a ausência de políticas estruturadas de governança de dados é um dos principais fatores de insucesso, comprometendo não apenas os resultados técnicos, mas também a aceitação organizacional. Entre os desafios mais recorrentes identificados estão:

  • a baixa qualidade dos dados de origem, 
  • a falta de padronização entre sistemas legados, 
  • a dificuldade de acesso a dados confiáveis em tempo real, e 
  • a ausência de uma cultura organizacional voltada para o uso estratégico de dados. 

Esses obstáculos comprometem a performance dos modelos de IA e geram desconfiança entre usuários e gestores sobre os resultados produzidos.

Implicação organizacional: A adoção da IA deve ser precedida pela implantação de práticas maduras de gestão de dados, incluindo taxonomias consistentes, controle de qualidade, padronização de formatos, rastreabilidade e conformidade com marcos regulatórios. Isso requer investimento em processos, tecnologias e competências específicas de governança de dados.

Comentário: A governança de dados não é um requisito apenas técnico, mas estratégico. Ela sustenta a credibilidade dos sistemas de IA, assegura a integridade das análises e viabiliza a geração de valor em escala. Sem dados de qualidade, a IA opera sobre premissas frágeis — e os resultados obtidos podem comprometer mais do que ajudar.

Questões éticas e regulatórias na implementação da IA

A aplicação da Inteligência Artificial em serviços impõe às organizações o enfrentamento de dilemas éticos e um ambiente regulatório em constante transformação. Aspectos como privacidade de dados, explicabilidade algorítmica, viés discriminatório e responsabilidade por decisões automatizadas geram riscos reputacionais e jurídicos relevantes. 

Floridi & Cowls (2024), em artigo publicado na Nature, destacam que esses desafios exigem não apenas conformidade com a legislação vigente, mas também compromissos proativos com princípios éticos amplamente reconhecidos, como justiça, beneficência, responsabilidade e transparência.

Implicação organizacional: As organizações devem instituir mecanismos formais de governança da IA, como comitês interdisciplinares de ética e conformidade, políticas internas de desenvolvimento responsável e processos de auditoria algorítmica. Esses mecanismos devem atuar desde a concepção até a operação dos sistemas de IA, assegurando aderência a padrões regulatórios e valores sociais.

Comentário: A gestão ética da IA vai além da mitigação de riscos — ela constitui um diferencial competitivo em ambientes sensíveis à confiança e à legitimidade. Ao adotar práticas transparentes e responsáveis, as empresas fortalecem sua reputação, antecipam exigências legais futuras e estabelecem relações mais sustentáveis com clientes, parceiros e sociedade.

Esses desafios não devem ser vistos como barreiras intransponíveis, mas como variáveis críticas que precisam ser antecipadas e gerenciadas estrategicamente

Em última instância, o sucesso da IA na servitização está menos em sua capabilidade computacional e mais nas capacidades organizacionais de absorver, adaptar e orquestrar suas funções dentro do sistema de serviço, de forma legítima, útil e confiável.

Casos analisados

A análise de seis empresas que adotaram a Inteligência Artificial (IA) como componente central de seus serviços evidencia a diversidade de aplicações, estratégias e desafios envolvidos na servitização digital. Esses casos deram o embasamento empírico ao artigo usado como referência para a geração desta seção da flexM4i (Ayala et al., 2025).

Os casos foram agrupados conforme a tipologia de serviços proposta por Baines et al. (2013) — base, intermediário e avançado — e permitem ilustrar, de forma prática, como a IA pode ser integrada de maneira diferenciada à oferta de serviços, alinhando capabilidades técnicas a objetivos específicos de negócio.

A seguir, apresentamos uma síntese de cada caso, destacando o tipo de serviço, a capabilidade de IA empregada, o local de aplicação (front-office ou back-office) e os principais ganhos observados.

Serviços base

CASO MANAGE
Setor: Tecnologia da informação
Serviço: Assistente virtual acoplado a um sistema ERP de gestão empresarial
Capabilidade de IA: Engajamento cognitivo
Aplicação: Front-office
Descrição e contribuição da IA:
A empresa desenvolveu um assistente virtual que permite aos usuários interagir com o ERP por meio de comandos em linguagem natural. A IA é utilizada para interpretar perguntas e fornecer respostas automatizadas sobre relatórios, status de pedidos, movimentações financeiras e indicadores operacionais. Essa interface reduz a dependência de suporte técnico, facilita o acesso a informações e democratiza o uso da plataforma por profissionais de diferentes perfis.
Benefício observado: Ampliação do acesso à informação, agilidade na operação e redução da carga sobre áreas de suporte técnico.

CASO KITCHEN
Setor: Eletrodomésticos
Serviço: Assistente embarcado em cooktops inteligentes
Capabilidade de IA: Engajamento cognitivo
Aplicação: Front-office
Descrição e contribuição da IA:
A empresa inseriu em seus produtos um sistema de assistência baseado em IA que orienta o consumidor durante o uso do cooktop. A IA interpreta comandos de voz e apresenta orientações sobre receitas, modos de preparo e segurança, além de emitir sugestões para uso eficiente de energia. A capabilidade de engajamento cognitivo permite personalizar a experiência conforme o perfil do usuário.
Benefício observado: Valorização da experiência de uso e percepção de sofisticação, com potencial de diferenciação no ponto de venda.

Serviços intermediários

CASO ENGINE
Setor: Equipamentos industriais
Serviço: Manutenção preditiva baseada em sensores instalados em motores industriais
Capabilidade de IA: Insight cognitivo
Aplicação: Back-office
Descrição e contribuição da IA:
A empresa implantou sensores nos equipamentos e utilizou  algoritmos de IA para monitorar variáveis como vibração, temperatura e pressão. A IA identifica padrões anômalos e antecipa falhas com base em dados históricos e operacionais em tempo real. Os diagnósticos são integrados a painéis internos da equipe de manutenção.
Benefício observado: Aumento da disponibilidade dos ativos e redução de custos não planejados com reparos emergenciais.

CASO HANDLING
Setor: Equipamentos logísticos
Serviço: Monitoramento remoto e suporte técnico com IA
Capabilidade de IA: Insight cognitivo
Aplicação: Back-office
Descrição e contribuição da IA:
A empresa implementou uma solução de suporte técnico remoto alimentada por IA, que monitora continuamente o estado operacional de empilhadeiras e transportadores. A IA classifica o risco de falhas, sugere ações preventivas e orienta os técnicos durante as intervenções. O sistema também gera relatórios automáticos para gestores operacionais.
Benefício observado: Eficiência no suporte, maior assertividade nas decisões técnicas e menor tempo de inatividade.

Serviços avançados

CASO LASER
Setor: Máquinas de corte a laser
Serviço: Contrato de manutenção total com automação de processos
Capabilidade de IA: Insight cognitivo + automação de processos
Aplicação: Back-office
Descrição e contribuição da IA:
A empresa oferece um serviço completo de manutenção baseado em resultados acordados por contrato. A IA monitora continuamente os equipamentos, identifica condições que indicam necessidade de manutenção e gera ordens de serviço automaticamente, acionando equipes técnicas conforme protocolos predefinidos. A automação reduz a necessidade de intervenção humana nas etapas operacionais e administrativas.
Benefício observado: Melhoria na entrega de desempenho, aumento da previsibilidade dos resultados e redução da intervenção manual.

CASO SCREWS
Setor: Fixadores industriais
Serviço: Reposição automática com base em consumo monitorado
Capabilidade de IA: Insight cognitivo + automação de processos
Aplicação: Back-office
Descrição e contribuição da IA:
A empresa monitora o consumo de parafusos e fixadores por meio de sensores instalados nas linhas de montagem dos clientes. A IA analisa os padrões de consumo e projeta necessidades futuras, gerando automaticamente pedidos de reposição e coordenando a logística de entrega. O serviço elimina a necessidade de controle manual por parte do cliente.
Benefício observado: Garantia de disponibilidade contínua, menor esforço de gestão de estoque e fidelização do cliente pela conveniência.

Procedimentos e apoio do chatGPT

Foi utilizada a versão mais recente do ChatGPT-4o, com funcionalidades aprimoradas de análise e geração textual.

Procedimento antes da iteração com o chatGPT

Antes de alimentar o chatGPT, o autor analisou o artigo Ayala et al. (2025) e o considerou uma boa referência para discutir a aplicação da IA na servitização. Ponderou se deveria realizar uma revisão mais ampla incluindo outras publicações. No entanto, a classificação utilizada no artigo (Baines et al., 2013) é única e os seis estudos de casos foram bem específicos. Além disso, o artigo realizou uma revisão ampla e identificou essa lacuna. Por serem autores qualificados em um periódico qualificado, resolvemos adotar como referência principal.

Após a decisão, o autor desta seção entrou em contato com um dos autores do artigo para discutir a viabilidade de utilizar o artigo como referência principal e solicitou sua anuência para discutir os seus resultados para um público não acadêmico. Recebendo a anuência, o autor desta seção estudou em detalhes o artigo.

Trabalho interativo com o chatGPT

Esta fase do desenvolvimento desta seção teve a duração de mais de 20 horas de interações “ser humano – máquina (chatGPT)”, e foi distribuída ao longo de 4 dias. A conversa com o chatGPT compôs 154 páginas com um total de mais de 53 mil palavras.

O autor definiu um sumário, alimentou o chatGPT com o artigo e solicitou uma primeira versão do conteúdo do artigo com base no sumário.

Inconsistências geradas pela IA e o trabalho de validação e correção pelo autor.

A partir da leitura da primeira versão gerada pela IA, iniciaram-se interações intensivas. Surgiram alguns problemas neste procedimento, que exigiu várias alterações, pois o ChatGPT frequentemente acrescentava resultados inexistentes no artigo.

O autor não concordava com algumas afirmações e solicitou diversas vezes para o chatGPT indicar com precisão qual o trecho do artigo do qual ele extraiu as afirmações. Na maior parte das vezes, o trecho fornecido pelo chatGPT não existia no artigo. 

Esses ajustes exigiram iterações extensas e repetitivas, até que se atingisse uma versão consistente com os dados originais do artigo.

Em diversos momentos, as versões dos tópicos foram alimentadas no chatGPT para que ele analisasse e indicasse pontos de melhoria, que foram avaliados pelo autor. Algumas vezes, o autor não concordava com as sugestões. A partir de “debates” e após ajustes e reformulações, chegamos a um consenso sobre a versão final.

Tipologia de serviços

Os tipos de serviços adotados pelos autores do artigo foram comparados com outras classificações constantes na seção da flexM4i sobre servitização. 

Repetição de conteúdos

Alguns pontos de explicação foram adicionados pelo autor, mesmo que tivesse alguma repetição, para que a apresentação  facilitasse o entendimento do usuário do texto, segundo a opinião do autor (precisa ainda ser testada com os usuários).

Exemplos para ilustrar conteúdos

Da mesma forma, foram adicionados exemplos genéricos em alguns pontos para ilustrar as proposições Os prompts escritos pelo autor continham trechos específicos do artigo e instruções detalhadas do que deveria ser realizado.

Optamos por apresentar os casos somente no final de forma bem resumida para mostrar quais foram as referências que os autores do artigo original utilizaram.

Os exemplos inseridos ao longo da seção foram parcialmente inspirados nos casos analisados no artigo, mas foram deliberadamente generalizados, sem referência explícita, para ampliar sua aplicabilidade e facilitar a compreensão conceitual sem se referir a um contexto específico.

Outros exemplos para ilustrar os tópicos foram extraídos de outras publicações e também foram generalizados.

Desafios da aplicação de IA na servitização

Dado que o artigo original não tratava diretamente dos desafios da adoção da IA na servitização, o autor propôs incluir esse tópico adicional, considerando sua relevância prática.

Inicialmente, consideramos que as discussões dos casos refletiam esses desafios. No final, constatamos que somente dois desafios foram explicitamente citados na discussão dos casos. Decidiu-se então consultar outras referências citadas, para adicionar outros desafios relevantes, como governança de dados, questões éticas e resistência cultural. 

Como o objetivo desta seção é oferecer uma base prática de reflexão para profissionais, optou-se por incluir desafios relevantes, mesmo quando derivados de estudos sobre IA em geral e não especificamente sobre servitização.

Referências

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