Governança da inovação
Seção principal: fundamentos e motivos para adoção
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Autoria: Henrique Rozenfeld ([email protected]) com apoio do chatGPT (leia mais).
Seção em desenvolvimento e edição
Conteúdo desta página
- 1 Introdução
- 2 Definições
- 3 Quando considerar essa abordagem
- 4 Por que considerar essa abordagem
- 5 Principais funções da governança da inovação
- 6 Como evitar o engessamento: a governança como suporte adaptativo à inovação
- 7 Quer ir além? Veja como aplicar, estruturar e integrar a governança da inovação
- 8 Referências
Introdução
A governança da inovação ainda é um conceito pouco estruturado na maioria das empresas, embora exerça um papel importante para que as empresas possam inovar de forma sistemática e com resultados.
A inovação em gestão tem sido apontada como um dos principais determinantes do desempenho em inovação — sustentando que mecanismos de governança não são apenas estruturas, mas inovações gerenciais em si (Volberda et al., 2013).
Quando as lideranças das empresas ouvem falar em governança, elas pensam em governança corporativa. O conselho de administração da empresa geralmente considera que não faz parte da sua missão administrar a inovação.
Essa visão limitada contrasta com evidências encontradas por Deschamps & Nelson (2014). Eles mostram diversos exemplos de empresas que consideram a governança da inovação como parte da missão do conselho e da alta direção da empresa e não somente de uma “diretoria” ou “função” responsável pela inovação.
Na flexM4i, a governança da inovação não é um conceito acessório, ela compõe o primeiro componente da definição de gestão da inovação da flexM4i, como mostramos a seguir
A gestão da inovação é estruturada e administrada pela governança da inovação
Conheça os outros elementos da definição completa da gestão da inovação. |
A governança define como a organização deve inovar, ou seja, as regras, papéis e mecanismos que sustentam a gestão da inovação.
Leia mais sobre o aspecto amplo da relação entre governança e gestão no tópico “Governança orienta, gestão executa: uma visão integrada” da seção sobre “Governança corporativa”. |
No entanto, dois contrapontos precisam ser considerados:
- A governança, quando aplicada com rigidez excessiva ou sem considerar o tipo e a fase da inovação, pode engessar sua dinâmica.
- Na prática, as organizações raramente começam pela governança; é comum que ela emerja apenas após os primeiros esforços de gestão da inovação.
1) A governança pode engessar a inovação
Apesar da governança da inovação contribuir para construir a capabilidade de inovar, é fundamental manter-se atento ao risco de que seus mecanismos — quando excessivamente formais ou rígidos — inibam a criatividade, a experimentação e a agilidade.
Por que startups são mais inovadoras?
Justamente porque operam com estruturas leves, decisões descentralizadas e liberdade para errar. A governança da inovação deve apoiar e não coibir o potencial inovador da organização.
2) As organizações raramente começam pela governança
Em vez de começar pela governança, muitas empresas começam inovando na prática, e somente mais tarde estruturam a gestão da inovação. É nesse processo incremental que a governança emerge — primeiro como práticas dispersas, e apenas depois como um sistema explícito.
O processo evolutivo da gestão da inovação começa com desenvolvimento de inovações; depois de limitações ou quando o negócio cresce, pensamos em estruturar a gestão da inovação (o que já poderia ser considerado um embrião da governança da inovação). Em fases posteriores, quando a empresa atinge um nível mais elevado de maturidade ou de complexidade, destacamos alguns agentes de governança, determinamos suas atribuições relacionadas com a inovação e, então, “formalmente” constituimos a governança da inovação.
Esse fenômeno é discutido no tópico “A teoria na prática é outra” da seção “Governança da inovação – Convergências e distinções com a gestão da inovação” (em desenvolvimento) |
Porém, ao implementar a governança da inovação, não podemos esquecer de manter o “espírito de startup”.
Apresentamos referências adaptáveis
Como em outras abordagens da flexM4i, as práticas aqui apresentadas devem ser interpretadas como referências adaptáveis, que podem ser introduzidas progressivamente, conforme o nível de maturidade e as necessidades específicas da organização.
Não pense em maturidade como algo prescritivo. Cada empresa, de acordo com os seus fatores contextuais e objetivos podem adotar abordagens de práticas diferenciadas.
Diferentemente da governança corporativa, que muitas vezes existe para estruturar o modo como uma empresa opera, para estar de acordo com padrões aceitáveis, a governança da inovação deve contribuir para o sucesso da empresa.
A governança da inovação não deve ser prescritiva.
A estrutura e o conteúdo das seções relacionadas com a governança da inovação usou como referência inicial e principal o livro “Innovation governance: How top management organizes and mobilizes for innovation” (Deschamps & Nelson, 2014). Sempre que conteúdo adicional for extraído de outras fontes, a citação correspondente estará indicada. Quando não houver referência explícita, considere que o conteúdo foi adaptado de Deschamps & Nelson (2014). Para mais informações, consulte o tópico “Procedimento e apoio do ChatGPT”. |
Esta é a seção principal sobre a governança da inovação, complementada por outras seções..
Definições
“Governança da inovação é uma abordagem holística para direcionar, promover e sustentar a inovação. É uma responsabilidade da direção da empresa (conselho / board) garantir o crescimento e, particularmente, a transformação do negócio. O conselho não precisa interferir na gestão diária da inovação, sob responsabilidade da liderança, mas deveria incorporar a inovação na missão tradicional da governança corporativa por meio de (Deschamps, 2015):
- revisar as estratégias de inovação;
- auditar;
- revisar o desempenho da inovação;
- prevenir riscos e
- nomear o CEO (nossa nota: comprometido com a inovação).
Para isso, o conselho deveria refletir regularmente com relação a duas questões:
- Até que ponto a inovação é um item da agenda das reuniões do conselho?
- Qual o papel do conselho com relação à gestão da inovação?
Duplo sentido da governança da inovação
A governança da inovação pode ser compreendida de duas formas complementares:
- Como liderança organizacional coletiva orientada à inovação, isto é, o exercício compartilhado de decisões, diretrizes e responsabilidades por parte de múltiplos atores organizacionais, especialmente nos níveis mais altos da hierarquia.
- Como uma constituição corporativa da inovação, ou seja, um sistema normativo que estabelece as regras do jogo: define quem decide o quê, como os recursos são alocados, quais os parâmetros de legitimidade, como se resolvem conflitos e como se alinham diferentes interesses em prol da estratégia corporativa.
Essa analogia com uma constituição reforça a ideia de que a governança da inovação deve proteger o interesse coletivo da organização, moderando disputas funcionais ou decisões fragmentadas que comprometam sua coerência estratégica.
Diferenças em relação a outras formas de governança
Embora o termo “governança” seja amplamente utilizado em contextos como governança corporativa, de projetos ou de tecnologia, a governança da inovação se distingue por sua natureza transversal, exploratória e estratégica. Seu foco principal está em:
- Alinhar esforços e decisões de inovação aos objetivos corporativos;
- Mobilizar e coordenar múltiplos atores e funções;
- Definir os contornos organizacionais que sustentam o sistema de inovação como um todo.
Além da perspectiva organizacional, autores recentes propõem ampliar o conceito de governança da inovação para incorporar também sua dimensão institucional e social, como mostram Smith et al. (2024). Eles propõem uma ampliação do escopo da governança da inovação para além das práticas organizacionais tradicionais, especialmente aquelas baseadas exclusivamente na gestão de projetos. Essa lógica projetizada, segundo os autores, limita a reflexão crítica e inibe a deliberação sobre os rumos desejáveis da ciência e da tecnologia.
Como alternativa, sugerem que a governança da inovação seja concebida como um processo institucional mais amplo, que envolva:
- A definição participativa de agendas e prioridades;
- A criação de espaços de deliberação e aprendizagem organizacional;
- E o engajamento de múltiplas vozes na construção dos rumos da inovação, especialmente em contextos que envolvam ciência emergente, riscos sociais e dilemas éticos.
Perspectiva ampliada: política, institucional e adaptativa
Essa perspectiva reforça a visão da governança da inovação como um sistema social e político, e não apenas técnico ou gerencial, ampliando seu papel para incluir responsabilidade coletiva, inclusão e orientação social. Trata-se, portanto, de um complemento relevante às definições mais centradas na estrutura organizacional.
Filatotchev et al. (2020) propõem deslocar o foco da “governança da inovação” para as “inovações na governança”, destacando que novos arranjos são continuamente criados em resposta à ambiguidade, à complexidade e à necessidade de flexibilidade institucional. Essa concepção reforça que a governança da inovação não é apenas um sistema preexistente que regula a inovação, mas também um campo onde a própria governança é objeto de experimentação e adaptação.
Tratar a governança da inovação a partir de políticas organizacionais
Água e Correia (2020) reforçam a necessidade de tratar a governança da inovação de forma institucionalizada, a partir de políticas organizacionais que ajudem a tornar a inovação parte do funcionamento normal da empresa.
Ao utilizarem o Business Policy Model como base conceitual, os autores propõem que a governança da inovação deve considerar quatro áreas centrais:
- o negócio,
- a estrutura diretiva,
- o compromisso profissional e
- a configuração institucional.
- O negócio refere-se à lógica estratégica que fundamenta a atuação da organização: qual valor ela busca entregar, a quem e como. Em termos de governança da inovação, esse elemento exige clareza sobre:
- A visão de futuro da empresa;
- O posicionamento competitivo pretendido;
- E o papel esperado da inovação para viabilizar essa trajetória.
Governança, aqui, significa alinhar as decisões de inovação à proposta de valor e aos objetivos estratégicos da organização. |
- A estrutura diretiva trata da forma como a autoridade é distribuída e exercida na empresa — quem toma decisões, como e com base em que critérios. Envolve tanto a estrutura formal quanto os mecanismos de coordenação e os processos decisórios.
Na governança da inovação, isso implica explicitar papéis, responsabilidades, fóruns de decisão e fluxos de legitimidade, evitando tanto o excesso de centralização quanto a dispersão de poder. |
- O compromisso profissional refere-se à motivação, aos comportamentos e às competências das pessoas envolvidas nos processos de decisão e execução. Inclui a disposição para inovar, o engajamento com os valores da organização e a abertura para aprender e assumir riscos.
A governança deve criar condições para que os profissionais se sintam autorizados, reconhecidos e preparados para inovar, promovendo comportamentos consistentes com a cultura desejada. |
- A configuração institucional diz respeito às regras do jogo, formais e informais, que regem o funcionamento da organização. Envolve políticas internas, sistemas de incentivos, práticas consolidadas e crenças compartilhadas
Governar a inovação, nesse contexto, significa também modificar ou adaptar essas regras para sustentar a mudança organizacional exigida pela inovação, garantindo coerência entre estrutura, cultura e processos. |
Essa estrutura busca integrar dimensões como estratégia, organização, incentivos e poder, articulando elementos técnicos e políticos que sustentam a arquitetura de inovação. Trata-se de uma proposta que aproxima a governança da inovação da realidade das decisões corporativas, especialmente no contexto dos conselhos de administração.
A governança da inovação, ao definir papéis, estruturas e mecanismos de decisão, está diretamente relacionada ao design organizacional da empresa.
No tópico “Modelos de governança da inovação e arquitetura organizacional” da seção “Relação com a governança corporativa, papéis, modelos” detalhamos essa questão. |
Perspectivas complementares na literatura
Governar a governança
A proposta de Smith et al. (2024) está alinhada à abordagem sistêmica de Deschamps & Nelson (2014), mas acrescenta uma dimensão institucional relevante ao enfatizar a necessidade de “governar a governança” — ou seja, supervisionar criticamente os próprios instrumentos e mecanismos utilizados no processo de inovação. Essa contribuição valoriza a governança como uma prática reflexiva e adaptável, capaz de responder aos dilemas emergentes da inovação em contextos sociais e tecnológicos dinâmicos.
Adotar sistemas abertos
Filatotchev, Aguilera e Wright (2020) propõem uma mudança teórica na forma como se compreende a governança da inovação, deslocando o foco de modelos fechados baseados na teoria da agência para uma perspectiva de sistemas abertos. Essa abordagem reconhece que a efetividade da governança não se limita à eficiência econômica ou ao controle acionário, mas depende da capacidade de alinhar os mecanismos de decisão e coordenação às transformações institucionais, tecnológicas e sociais em curso.
Conheça no glossário a definição de teoria da agência e a crítica da sua aplicação para a governança da inovação. |
Nessa visão, a governança da inovação deve ser sensível ao contexto e aberta à experimentação, permitindo inovações nos próprios mecanismos de governança — o que os autores denominam “inovações na governança”. Isso inclui, por exemplo, novos arranjos de participação de stakeholders, o uso de tecnologias digitais (como IA e big data) para monitoramento e tomada de decisão, e a emergência de modelos híbridos em empresas orientadas por propósito (for-purpose organizations).
Essa abordagem amplia a compreensão da governança da inovação para além de sua estrutura organizacional, incorporando seus aspectos institucionais, tecnológicos e sociais. Com isso, a governança deixa de ser apenas um sistema de controle para tornar-se também um espaço de experimentação, legitimação e adaptação contínua — papel essencial diante de incertezas sistêmicas e desafios societais complexos.
Quando considerar essa abordagem
Ausência de visão sistêmica como barreira à inovação sustentável
Em muitas organizações, a principal lacuna não está na falta de ideias, mas na ausência de uma abordagem sistêmica para a inovação. Sem mecanismos de coordenação que integrem estratégia, processos, estruturas e cultura, os esforços inovadores tornam-se desconectados, vulneráveis a mudanças externas e ineficientes na alocação de recursos.
Limitações da governança tradicional diante da inovação
A governança corporativa convencional, orientada por controle, estabilidade e previsibilidade, nem sempre consegue dar conta dos desafios da inovação, que exigem flexibilidade, abertura e orientação para o futuro. Casos como os analisados por Deschamps & Nelson mostram que a ausência de um sistema próprio de governança para a inovação compromete sua continuidade e legitimidade.
Cenários que demandam governança específica para inovação
- Ambientes de alta incerteza e dinamismo tecnológico;
- Projetos com múltiplos stakeholders e impactos interfuncionais;
- Redes colaborativas e parcerias com startups, universidades ou governos;
- Iniciativas de longo prazo e com retorno incerto; e
- Dependência de políticas públicas ou regulações em evolução.
Criação de pontes entre níveis estratégico, tático e operacional
Água & Correia (2020) reforçam que a governança da inovação deve atuar como ponte entre os níveis estratégico, tático e operacional. Para ser efetiva, ela precisa garantir que as diretrizes formuladas no topo da organização sejam desdobradas em estruturas, comportamentos e processos que façam sentido no cotidiano das unidades de negócio e equipes operacionais.
Exemplos típicos de aplicação
- Grupos empresariais que atuam em setores regulados ou altamente inovadores.
- Organizações que passaram por ciclos de crescimento e precisam renovar sua lógica de geração de valor.
- Empresas que desejam expandir sua atuação para modelos de negócio baseados em plataformas, digitalização ou servitização.
Mas cuidado para não engessar a gestão da inovação com a governança. Leia mais sobre isso no tópico adiante “Como evitar o engessamento: a governança como suporte adaptativo à inovação”. |
Por que considerar essa abordagem
A inovação exige tanto liderança quanto governança
Para que a inovação seja sustentável ao longo do tempo, não basta contar com líderes visionários. É essencial um sistema de governança que garanta alinhamento estratégico, continuidade institucional e coerência entre os diversos atores organizacionais. Um sistema sem liderança se torna ineficaz; uma liderança sem governança tende à dispersão. Água e Correia (2020) argumentam que a governança deve incluir não apenas regras e papéis, mas também políticas institucionais que reforcem uma cultura de inovação e alinhem incentivos, estruturas e decisões à estratégia organizacional.
A governança da inovação tornou-se uma exigência estratégica
Cada vez mais empresas reconhecem que inovar de forma consistente requer mais do que iniciativas pontuais. É necessário estabelecer mecanismos organizacionais que confiram legitimidade, direção e coordenação aos esforços inovadores. A governança da inovação deixou de ser opcional e passou a integrar a agenda corporativa de alto nível.
Redução de redundâncias, dispersões e desalinhamentos
A inovação é uma atividade transversal, que mobiliza diferentes áreas da empresa. Sem um sistema de governança adequado, surgem conflitos de prioridade, sobreposição de projetos e alocação ineficiente de recursos. A governança contribui para tornar os objetivos claros, coordenar ações e evitar desperdícios.
Esse papel de coordenação é ainda mais crítico em organizações complexas e descentralizadas, como apontam Água & Correia (2020), nas quais a ausência de governança explícita pode levar a disputas entre áreas, duplicidade de projetos e fragmentação de esforços.
Fortalecimento da legitimidade, da responsabilização e da priorização
A governança da inovação permite tornar explícitos os critérios de decisão, os papéis e responsabilidades, e os mecanismos de alocação de recursos. Isso fortalece a transparência, estimula a responsabilização dos líderes envolvidos e facilita a priorização de investimentos, projetos e iniciativas.
Ausência de modelo explícito gera ineficiências ocultas
Mesmo quando não formalizada, toda organização opera segundo algum modelo de governança da inovação. O problema é que modelos implícitos tendem a gerar lacunas, conflitos e incoerências. Especificar e avaliar o modelo de governança é essencial para garantir clareza e efetividade.
Como destacam Filatotchev et al. (2020), a ausência de modelos explícitos não apenas compromete a efetividade da inovação, mas também dificulta a capacidade das organizações de revisar os próprios mecanismos de governança. A criação de espaços reflexivos — nos quais seja possível questionar, revisar e aprimorar continuamente a governança — é parte essencial de sua efetividade em ambientes de alta complexidade.
A inovação é um desafio sistêmico que demanda coordenação organizacional
Assim como temas complexos e transversais (como qualidade ou sustentabilidade), a inovação exige um sistema de governança que seja capaz de coordenar esforços entre áreas, resolver disputas, alocar recursos de forma deliberada e alinhar decisões ao longo do tempo com os objetivos estratégicos.
Principais funções da governança da inovação
As funções da governança da inovação listadas a seguir foram sintetizadas a partir das propostas de Deschamps & Nelson (2014) e Boeira (2021).
- Definir papéis, responsabilidades e formas de trabalho no processo de inovação, assegurando clareza sobre quem faz o quê, com que grau de autonomia e sob quais critérios.
- Estabelecer linhas de poder decisório e compromissos organizacionais relacionados à inovação, evitando tanto a centralização excessiva quanto a dispersão de autoridade.
- Definir os valores organizacionais que sustentam a inovação, promovendo uma cultura coerente com os princípios de experimentação, aprendizado e colaboração.
- Tomar decisões que definem expectativas, estabelecendo direcionamentos estratégicos e balizadores de desempenho.
- Determinar como a inovação será medida, com indicadores adequados aos diferentes tipos e estágios das iniciativas.
- Deliberar sobre orçamentos de inovação, assegurando recursos para viabilizar tanto iniciativas incrementais quanto exploratórias.
- Orquestrar, equilibrar e priorizar atividades de inovação entre diferentes divisões e unidades, promovendo coerência e sinergia organizacional.
- Estabelecer rotinas de gestão para comunicação e tomada de decisões, garantindo fluidez informacional e legitimidade nos processos de escolha e priorização.
É importante definir em quais situações as regras de governança não devem ser consideradas. Ou seja, a própria governança define que para processos de discovery, fases iniciais da inovação, inovações mais radicais ou disruptivas etc., temos de abrir mão das estruturas e procedimentos mais rígidos.
Como destacam Água & Correia (2020), cabe à governança moderar as tensões entre prioridades de curto prazo (eficiência, controle) e demandas de longo prazo (exploração, transformação), evitando que a inovação seja ofuscada por rotinas operacionais. Para isso, deve-se promover a ambidestria organizacional — ou seja, o equilíbrio entre a excelência operacional (exploitation) e a renovação estratégica (exploration), evitando que a inovação seja ofuscada pelas rotinas e metas operacionais.
A governança da inovação traz estrutura e previsibilidade
Um modelo robusto de governança da inovação deve oferecer clareza de papéis, critérios de decisão e mecanismos de coordenação que assegurem estabilidade institucional sem engessar a inovação. Assim como uma constituição organizacional, a governança deve sustentar a coerência e a legitimidade das decisões em um ambiente dinâmico e incerto.
Os elementos estruturantes que compõem a governança da inovação são detalhados na seção “Governança da inovação – Relação com a governança corporativa, papéis e modelos” (em desenvolvimento), na qual detalhamos as responsabilidades dos principais agentes da governança. Essas responsabilidades expandem as atribuições listadas acima. |
Como evitar o engessamento: a governança como suporte adaptativo à inovação
Já mencionamos que a governança deve dar legitimidade, foco e coerência à inovação — mas pode engessar quando aplicada de forma homogênea a contextos distintos. O problema não está nos processos em si, mas na falta de adaptação às características de cada tipo e fase da inovação.
Nas fases iniciais de descoberta e exploração — como o discovery — regras rígidas, indicadores de desempenho não apropriados, modelos de avaliação que não consideram as incertezas, aprovações sequenciais podem sufocar a experimentação, atrasar aprendizados e, em última análise, limitar a inovação.
Já nas etapas subsequentes de desenvolvimento e execução, sobretudo em inovações de maior risco ou impacto, é necessário ter processos e responsabilidades bem definidas, realizar análise de falhas e utilizar critérios rigorosos. É quando certificamos um produto, homologamos a produção etc. Isso é mais critico para produtos complexos e sensíveis, tais como, grandes obras, indústria farmacêutica, produtos aeronáuticos, automotivos e semelhantes.
As empresas não estão criando produtos disruptivos o tempo todo. Na abordagem da ambidestria organização, associada à gestão de portfólio, que considera os três horizontes da inovação (H1, H2 e H3) temos de saber até que ponto devemos aplicar a governança.
A experimentação e as falhas fazem parte do processo de aprendizado, que permite que possamos criar novas soluções.
Por isso, a governança da inovação deve ser desenhada com base em princípios contingenciais, combinando controle e flexibilidade, segundo o grau de incerteza, o estágio da iniciativa e a natureza do desafio.
A figura abaixo ilustra essa lógica: a inovação está no centro, contornada pela camada de governança. Ao seu redor encontram-se as abordagens e práticas de gestão da inovação que devem permear a governança impedindo-a que ela se torne um obstáculo à inovação, ou seja, deve evitar que os mecanismos de controle inerentes da governança se tornem inibidores da inovação.
Figura 1350: ilustração de exemplos de abordagens e práticas de gestão da inovação permeando a governança da inovação para flexibilização das “amarras” de governança.
Esses elementos incluem:
- Processo de discovery: promovem a exploração contínua de problemas e oportunidades, mesmo antes da formulação de soluções.
- Ambidestria organizacional: permite equilibrar eficiência operacional (exploit) com exploração de novas possibilidades (explore).
- Horizontes de inovação (H1, H2, H3): ajudam a distribuir recursos e expectativas de forma coerente com os diferentes prazos e riscos.
- Inovação aberta e conexão com startups: ampliam o acesso a ideias externas, mitigando o risco de miopia organizacional.
- Corporate venturing e hubs de inovação: criam ambientes separados (mas conectados) para iniciativas de maior risco e disrupção.
- Métricas apropriadas e dinâmicas: evitam o uso de KPIs operacionais para julgar iniciativas experimentais.
- Gestão ágil e ciclos curtos de aprendizado: sustentam a adaptação contínua, mesmo em contextos formais.
- Espaços de experimentação e zonas protegidas: permitem testar ideias sem comprometer a operação principal.
- Capacitação e autonomia dos times: evitam o excesso de escalonamento hierárquico, acelerando decisões.
- Intraempreendedorismo: criação de um ambiente, no qual todos podem inovar.
Acima estão somente alguns exemplos de abordagens e práticas de gestão da inovação, que não substituem a governança — são parte de sua arquitetura adaptativa. Sua presença garante que a governança não se torne uma camisa de força, mas sim um sistema vivo, ajustável e coerente com os princípios da inovação.
Se a governança não protege a capacidade de aprender e adaptar-se, ela ainda serve à inovação?
Na seção “Quem deve coordenar a inovação?” discutimos que a coordenação da inovação deve ser pensada de forma sistêmica, integrada à arquitetura organizacional e sustentada por mecanismos de governança da inovação.
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Quer ir além? Veja como aplicar, estruturar e integrar a governança da inovação
Os fundamentos apresentados até aqui são o ponto de partida. Nas próximas três partes, você encontrará orientações práticas para estruturar modelos de governança, implantar mecanismos adequados à realidade da sua organização e entender como a governança se articula com a gestão da inovação.
- Parte 2 – Modelos, indicadores e mecanismos de auditoria: apresenta diferentes formas de organizar a governança da inovação, sua relação com a governança corporativa e como escolher e combinar modelos e acompanhar sua efetividade com indicadores e auditorias.
- Parte 3 – Como implementar, barreiras, premissas e dicas: mostra como colocar a governança da inovação em prática, enfrentando barreiras organizacionais e adotando princípios e ações coerentes com o grau de maturidade da empresa.
- Parte 4 – Convergências e distinções com a gestão da inovação: discute como a governança e a gestão da inovação se complementam, e por que é essencial diferenciar seus papéis para garantir coerência, foco estratégico e capacidade de execução.
Referências
Essas referências são comuns às seções relacionadas com a governança da inovação.
Água, P. B., & Correia, A. (2020). Innovation governance in practice: A business policy approach. Corporate Board Role Duties and Composition, 16(2), 54–64. https://doi.org/10.22495/cbv16i2art5
Deschamps, J.-P., & Nelson, H. (2014). Innovation governance: How top management organizes and mobilizes for innovation. John Wiley & Sons.
Filatotchev, I., Aguilera, R. V., & Wright, M. (2020). From governance of innovation to innovations in governance. Academy of Management Perspectives, 34(2), 173–181. https://doi.org/10.5465/amp.2017.0011
IBGC (2015). Código das melhores práticas de governança corporativa. 5.ed. / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, São Paulo, SP. 108p. Disponível em: https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=21138 Recuperado em: 14/4/2025
Jarzabkowski, P., Balogun, J., & Seidl, D. (2007). Strategizing: The challenges of a practice perspective. Human Relations, 60(1), 5–27. https://doi.org/10.1177/0018726707075703
Smith, R. D. J., Schäfer, S., & Bernstein, M. J. (2024). Governing beyond the project: Refocusing innovation governance in emerging science and technology funding. Social Studies of Science, 54(3), 377–404. https://doi.org/10.1177/03063127231205043
Van de Ven, A. H., Polley, D. E., Garud, R., & Venkataraman, S. (2008). The innovation journey. Oxford University Press.
Van de Ven, A. H. (2017). The innovation journey: you can’t control it, but you can learn to maneuver it. Innovation: Organization and Management, 19(1), 39–42. https://doi.org/10.1080/14479338.2016.1256780
Volberda, H. W., Van Den Bosch, F. A. J., & Heij, C. V. (2013). Management innovation: Management as fertile ground for innovation. European Management Review, 10(1), 1–15. https://doi.org/10.1111/emre.12007