Metodologia da invincible company
flexM4I > abordagens e práticas > Metodologia da invincible company (versão 1.2)
Autoria: Henrique Rozenfeld (roz@usp.br)
Introdução
A proposta desta metodologia é gerenciar de forma integrada o portfólio de projetos de desenvolvimento, melhoria e transformação de modelos de negócio de exploration (explorar o novo) e de exploitation (explorar o existente). Apresenta uma biblioteca de 39 padrões (patterns) de modelos de negócio com exemplos reais e traz uma proposta de como transformar a cultura para aplicação da metodologia.
Esta metodologia é baseada no livro de Osterwalder et al. (2020) intitulado The invincible company. Neste livro, Osterwalder e seus coautores propõem a gestão da inovação baseada na gestão de portfólio de modelos de negócio dividida em dois quadros: o de exploration e o de exploitation (Osterwalder et al., 2020).
Eles afirmam que empresas de classe mundial gerenciam simultaneamente as estratégias de explorar novos negócios (exploration) e explorar os negócios existentes (exploitation). Elas devem manter o “espírito” de startups, enquanto gerenciam o dia a dia (Osterwalder et al., 2020).
Eles utilizam os termos exploration e exploitation, que resumidamente significam (na perspectiva de modelo de negócio):
- exploration (explorar o futuro): busca de novas ideias, propostas de valor e modelos de negócios para garantir o futuro da empresa. Os projetos de inovação visam maximizar os resultados futuros e minimizar os riscos, que ocorre por meio de criação de ideias (muitas irão falhar), testes e adaptações.
- exploitation (explorar o presente): manter o modelo de negócio atual em uma trajetória de crescimento. Inclui escalar modelos de negócio emergentes, renovar os modelos em declínio e proteger os modelos de sucesso. Os projetos de inovação visam melhorar a lucratividade e minimizar os riscos de disrupção causados por concorrentes.
Apesar de os autores não citarem a abordagem da ambidestria organizacional, consideramos que os conceitos desta metodologia estão alinhados com essa abordagem. Somente em um ponto do livro (pag. 292) eles afirmam que a transformação cultural, que a aplicação desta metodologia exige, visa praticar a cultura ambidestra para gerenciar ao mesmo tempo o exploration e o exploitation. |
Comparação entre exploration e exploitation
Os autores consideram cinco dimensões ao comparar o exploration com o exploitation.
- Foco
- exploration: procura e ruptura
- exploitation: eficiência e crescimento
- exploration: elevada
- exploitation: baixa
- Filosofia de financiamento
- exploration: estilo de venture capital, assume riscos, espera que somente poucas iniciativas sejam as vencedoras
- exploitation: segurança com retornos e dividendos constantes
- Cultura e processos
- exploration: experimentação iterativa; abraça agilidade; falhar, aprender e adaptação rápida
- exploitation: execução linear baseada no planejamento; metas previsíveis com o mínimo de falhas
- Pessoas e habilidades
- exploration: exploradores que se sentem confortáveis com incertezas; conseguem reconhecer padrões e navegar entre a visão ampla e os detalhes
- exploitation: gestores que são bons em organizar e planejar e que conseguem desenhar processos eficientes e estabelecer orçamento planejados
Quadros para a gestão de portfólio de negócios
Esta metodologia propõe um “mapa de portfólio”, dividido em dois quadros, como uma ferramenta de gestão estratégica que simultaneamente permite a visualização, análise e gestão dos
- modelos de negócio futuros que a empresa está procurando e testando (exploration)
- modelos de negócio que a empresa está melhorando e focando em crescimento (exploitation)
A figura a seguir mostra os dois quadros que compõem o mapa. Eles servem para posicionar os modelos de negócio com o objetivo de gerenciar o portfólio dos projetos correspondentes.
Figura 838: quadros para apoiar a gestão de portfólio de modelos de negócio
Fonte: baseado em Osterwalder et al. 2020.
No quadro de exploration, os eixos para posicionamento das ideias de modelo de negócio são:
- retorno esperado: qual seria a lucratividade de uma ideia de negócio, se ela se tornar um sucesso
- risco da inovação: qual o risco de falha de uma ideia de negócio, que possui um potencial de sucesso. O risco é alto se existem poucas evidências das chances de sucesso (por exemplo, só existem slides e planilhas como evidências). O risco diminui de acordo com a quantidade de evidências que demonstram que a ideia é adaptável, possui fit de mercado, é possível desenvolver e o negócio é viável.
No quadro de exploitation, os eixos para posicionamento dos modelos de negócio atuais são:
- retorno: qual a lucratividade atual de uma área de negócio
- morte e risco de disrupção: qual o risco que o negócio atual vai morrer ou sofrer uma disrupção, devido ao surgimento de um novo modelo de negócio de concorrentes. O risco é alto quando um negócio está emergindo e ainda está vulnerável ou quando um negócio está sob ameaça de disrupção por causa de uma mudanças tecnológicas, competidores, mudanças regulatórias ou outras tendências. O risco diminui se existem características do negócio que o protegem dos concorrentes ou de alguma disrupção.
Os autores propõem 8 classes dos modelos de negócio, de acordo com o seu posicionamento nos dois quadros, como ilustra a próxima figura.
Figura 839: classificação de modelos de negócio de acordo com o seu posicionamento nos quadros de explore ou exploit da proposta da metodologia da invincible company
Fonte: baseado em Osterwalder et al. 2020.
Além disso, eles propõem estratégias e ações para se sair de uma posição e ir a outra.
Confira na publicação original a descrição dessas classificações e das estratégias / ações. |
Padrões (patterns) de modelos de negócio
O conceito de padrões de modelos de negócio
O conceito de padrões de modelo de negócio é algo muito interessante de ser considerado e explorado pelas empresas.
Definição: Um padrão de modelo de negócio é uma configuração repetitiva de diferentes componentes do modelo de negócio, que traz exemplos previsíveis e sistemáticos de combinações entre os componentes do modelo de negócio. Esses padrões são soluções reutilizáveis documentadas de forma generalizada e abstrata, visando serem acessíveis e aplicáveis para outros casos.
Essa definição é uma combinação das definições de Osterwalder et al. (2020), Gassmann et al., (2014) e Amshoff et al. (2015). Veja essas definições e outras no nosso glossário. |
Um padrão de modelo de negócio representa alguns elementos de modelos existentes, que aplicados em um negócio determinam certas características do negócio. É como se cada componente no modelo de negócio fosse uma “peça de lego”, que quando combinadas caracterizam um modelo de negócio.
Já no seu primeiro livro do modelo CANVAS, Osterwalder & Pigneur (2010 ) apresentam 5 padrões: modelos de negócio desagregados, a cauda longa, plataformas multilaterais, grátis como modelo de negócio, modelos de negócio aberto.
Por exemplo, o padrão “grátis como modelo de negócio” é um negócio que oferece seus serviços gratuitamente e a fonte de receitas vem, por exemplo, de propaganda e dos dados sobre os clientes, como no caso do Google.
Padrões da metodologia da invincible company
No livro, os autores propõem “padrões” de modelos de negócio (patterns) com base na análise de várias empresas. Nessa análise, eles usam o formato do modelo de negócio CANVAS do seu primeiro livro (Osterwalder & Pigneur, 2010) para representar características desses padrões de modelos de negócio.
Como o modelo de negócio é uma representação de alto nível de abstração das principais dimensões ou componentes de um negócio, ele contém mais de um objeto de inovação, tornando ele próprio um objeto.
Se considerarmos o modelo CANVAS dos mesmos autores como referência (Osterwalder & Pigneur, 2010), um modelo de negócio representa:
- o segmento de mercado
- a proposição de valor
- os canais de relacionamento com os clientes
- os tipos de relacionamento
- as atividades principais (processos)
- os recursos principais
- os parceiros
- o modelo de custos
- o modelo de receitas
Na prática é difícil diferenciar entre os canais de relacionamento com os clientes e os tipos de relacionamentos, como mostra o trabalho de Coes (2014). |
No livro “invincible company”, eles propõem 27 padrões para exploration e 12 para exploitation. Para cada padrão são apresentados exemplos de empresas reais, que aplicam aquele modelo de negócio.
Um exemplo de padrão de exploration é “licenciar as atividades da sua empresa para poder escalar o negócio e monetizar a propriedade intelectual”, como no caso da empresa ARM, fabricante de computadores, que lançou uma spinoff para projetar (design) e licenciar processadores (chips) para celulares (página 182 do livro).
Um exemplo de padrão de exploitation é “a mudança da oferta de produtos para serviços recorrentes” (resultante da servitização), com no caso da empresa Hilti, que vendia ferramentas de alta qualidade e passou a vender serviços de gestão de ferramentas para empresas de construção civil (página 232 do livro).
Transformação cultural
A cultura de exploration é baseada na criação, descoberta, validação e aceleração de ideias completamente novas que são totalmente estranhas para a empresa.
A cultura de exploitation é baseada na gestão, melhoria sistemática e crescimento dos negócios existentes.
A companhia invencível deve desenvolver, gerenciar e manter as duas culturas simultaneamente.
Os autores contrapõem essas duas culturas de acordo com as seguintes questões:
- Qual é a mentalidade (mindset)?
- exploration: admitimos que não sabemos e assumimos uma mentalidade de iniciantes. Procuramos soluções e aceitamos que nem todos os projetos terão sucesso
- exploitation: estamos baseados na nossa experiência e adotamos uma mentalidade de especialistas. Planejamos e executamos os projetos acreditando que a falha não é uma opção.
- Como nós lidamos com riscos e incertezas?
- exploration: aceitamos riscos e incertezas. Eles são gerenciados por meio de experimentações, aprendizado e adaptações. Realizamos muitas apostas pequenas para encontrar soluções de sucesso.
- exploitation: evitamos riscos e incertezas. Eles são minimizados por meio de planejamento, execução e gestão. Realizamos poucas apostas muito bem calculadas nas soluções de sucesso.
- Como nós trabalhamos?
- exploration: iterativamente e criando MVPs e protótipos simplificados.
- exploitation: sequencialmente com elevada disciplina.
- Qual a nossa atitude perante falhas?
- exploration: falha é um efeito colateral inevitável. Aceitamos, gerenciamos e aprendemos com as falhas. O custo das falhas é minimizado porque realizamos muitas apostas pequenas.
- exploitation: falha é inaceitável. Evitamos e punimos quando elas ocorrem. Elas podem ser evitadas com um planejamento e execução cuidadosos.
- Como nós mensuramos o progresso e o sucesso?
- exploration: definimos hipóteses para explicitar os riscos. Tentamos validar as hipóteses medindo ao mesmo tempo a redução dos riscos.
- exploitation: definimos marcos e gates para explicitar o progresso esperado. Medimos se a duração e o orçamento planejados estão sendo cumpridos.
- Como nós recompensamos / reconhecemos as pessoas?
- exploration: por tentar, aprender e reduzir os riscos das novas ideias.
- exploitation: por planejar, executar e manter a duração e o orçamento planejados.
- Qual a nossa atitude perante a velocidade de tomada de decisão?
- exploration: agimos rapidamente em decisões reversíveis e as testamos da forma mais rápida e barata possível para produzir evidências reais para validar as hipóteses.
- exploitation: dedicamos um tempo para analisar cuidadosamente, pensar e planejar decisões irreversíveis com grandes custos irrecuperáveis.
- Como nós investimos?
- exploration: realizamos apostas pequenas quando os riscos são elevados. Aumentamos os investimentos baseados na evidências de sucesso.
- exploitation: dedicamos um tempo para planejar um projeto e liberamos mais recursos de acordo com os resultados atingidos.
- O que nós valorizamos?
- exploration: a habilidade de lidar com ambiguidades, agilidade, adaptabilidade e experimentação para redução de riscos.
- exploitation: rigor, disciplina, a habilidade de planejar e executar, assim como a capacidade de desenhar processos e entregar resultados confiáveis.
Os autores propõem um mapa de cultura para atingir essa dualidade, ou seja, o que eles chamaram de ambidestria cultural. Confira na publicação original.
Informações adicionais
O site do livro possui uma visão geral da metodologia, uma sinopse, a possibilidade de você baixar uma parte do livro e revisões sobre o livro.
https://www.strategyzer.com/books/the-invincible-company
Veja também 21 exemplos de padrões de modelos de negócio com os exemplos, extraídos deste livro.
https://www.strategyzer.com/business-model-examples
Para os leitores acadêmicos do nível de detalhamento avançado. A seção 2.5.4 da revisão bibliográfica da dissertação de mestrado da Cristina Gurian é sobre padrões de modelos de negócio. Acesse essa dissertação no banco de dissertações da USP. |
Referências
Amshoff, B. et al. (2015). Business Model Patterns for Disruptive Technologies. International Journal of Innovation Management Vol. 19, No. 3.
Coes, D. H. (2014). Critically assessing the strengths and limitations of the Business Model Canvas (Master’s thesis, University of Twente).
Gassmann, O., Frankenberger, K. And M. Csik. (2014). The business model navigator: 55 models that will revolutionize your business. Harlow: Pearson Education Limited.
Gurian, C. T. (2021). Casos paradigmáticos de PSS no setor de bens de capital – referências para complementar o uso de arquétipos e padrões para inovação em modelos de negócios. Dissertação de Mestrado, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. doi:10.11606/D.18.2021.tde-15072021-103009. Recuperado em 2023-01-08, de www.teses.usp.br
Osterwalder, A.; Pigneur, Y. (2010) Business Model Generation: A Handbook for Visionaries, Game Changers, and Challengers; John Wiley and Sons: Hoboken, NJ, USA.
Osterwalder, A., Pigneur, Y., Smith, A., & Etiemble, F. (2020). The Invincible Company: How to Constantly Reinvent Your Organization with Inspiration From the World’s Best Business Models (Vol. 4). John Wiley & Sons.
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