Abordagens e Práticas
Reengenharia, beyond reengineering e “a nova reengenharia”

Apesar de estigmatizada, difundiu a visão dos processos ponta a ponta

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Esta abordagem foi editada por Henrique Rozenfeld (roz@usp.br). 

Colocamos este título provocativo nesta seção para indicar a evolução da reengenharia.

A grande contribuição do movimento da reengenharia foi trazer a visão de processos para a agenda dos gestores e líderes

Reengenharia - a original

Em 1990, o artigo do Michael Hammer, intitulado “Reengenharia do trabalho:  não automatize, destrua”, causou um grande impacto (Hammer, 1990). Depois do livro que ele e o James Champy publicaram em 1993, reengenharia estava na moda em todas empresas e, portanto, nas empresas de consultoria que “ensinavam” como seguir essa jornada. 

A crença que com os sistemas de informação (como os ERP) poderíamos ter ganhos enormes de produtividade e revolucionar os negócios, resultou na verdade em um tremendo “downsizing” (termo efêmero que indica diminuir a força de trabalho), sobrecarregando as pessoas que ficaram. Os “sobreviventes” das iniciativas de reengenharia tornaram-se inseguros e avessos a quaisquer outras iniciativas de racionalização do trabalho.

Baldam et al. (2014) citam algumas das razões para a frustração com a reengenharia: mudança da forma de trabalho, sem análise criteriosa; TIC sendo a panaceia, mas automatizando processos ruins e não integrados; movimento de cima para baixo desprezando a experiência dos colaboradores; consultorias pregando a revolução, sem focar nas necessidades das empresas; crença que só mudanças radicais trazem resultados, contrapondo-se ao método japonês (kaizen), que se mostrou anos depois ser muito mais eficaz.

A reengenharia, ou termo equivalente adotado BPR (business process reengineering) “caiu em desgraca”.

Leia uma análise mais profunda sobre os problemas causados pela reengenharia no capítulo “promisses and problems of reengineering” do livro do “BPM the third wave” de Smith & Fingar (2003).

Beyond reengineering

Logo em seguida, em 1996, Hammer publicou um livro, intitulado, beyond reengineering (além da reengenharia). No prólogo deste livro, Hammer mostra os casos de sucesso que inspiraram a reengenharia, com ênfase nas mudanças radicais. A reengenharia visa redesenhar os processos de negócio de forma radical para obter melhorias dramáticas nos resultados.

Segundo o autor, o maior problema é que depois da reengenharia, os líderes descobriram que eles não conseguiam mais administrar seus negócios, porque a transformação os tornou irreconhecíveis.

Hammer então faz um “mea culpa”. Ele diz que no início deste movimento, ele achava que o mais importante era realizar mudanças radicais. Neste livro ele conclui que estava errado, pois o “caráter radical da reengenharia, apesar de importante e excitante, não é o mais significativo” (Hammer, 1996). O aspecto mais importante é o processo ponta a ponta, ou seja, o conjunto de atividades que criam valor para os clientes.

Afirma que até então, a maioria das práticas de gestão tratava da melhoria de tarefas. Não tinham a visão de processo ponta a ponta. A nova visão forçava uma mudança de paradigma nos trabalhos das pessoas; nos cargos; nas habilidades necessárias; na maneira de se medir desempenho e gratificar as pessoas; nas carreiras; nos papéis dos gestores; e nos princípios das estratégias. 

Seria o fim de cargos com escopo limitado, hierarquia rígidas, gestão de supervisão do trabalho, carreiras tradicionais e “silos” de cultura. A visão de processos resultaria em profissionais articulados com treinadores (coaches); proprietários de processos, pagos por resultados; e organizações sem fronteiras (abertas) com a capacidade institucionalizada para mudanças constantes.

Curiosidade

Na época da febre da reengenharia, Davenport escreveu um livro, intitulado “process engineering”, que trazia propostas muito mais factíveis, razoáveis e menos revolucionárias, baseadas em evidências. O título do livro no Brasil foi traduzido como “reengenharia de processos”, porque estava na moda.

O movimento da reengenharia fez com que no ano 2000 a própria ISO 9000 adotasse a orientação por processo.

Uma afirmação que utilizamos nesta seção, também foi expressa por Hammer: “É importante perceber que as empresas que migram para a orientação por processos não criam ou inventam seus processos. Os processos estiveram lá o tempo todo, produzindo os resultados da empresa. Só que até então as pessoas da empresa desconheciam seus processos”. Os processos estavam fragmentados, provavelmente com muitos hands-off, invisíveis para a maioria das pessoas e, principalmente, para os gestores.

Todo o livro discorre sobre conceitos de gestão de processos.

A “nova reengenharia”

Na nova edição do livro de 1993, eles reafirmam a importância da reengenharia (Hammer & Champy, 2001). Os autores listam que as críticas realizadas consideravam a reengenharia baseada, no pensamento da velha economia, voltado para os tempos de recessão e falta de competitividade das empresas americanas.

Eles comentam que os maiores problemas, de quando a reengenharia virou uma buzzword (palavra da moda), foram: entusiasmo excessivo considerando-a uma panaceia, que o CEO poderia delegar para a gerência média; promoção da reengenharia sem conhecimento dos conceitos; muitas empresas chamavam de reengenharia qualquer uma das suas atividades para implementação de sistemas de informação à reestruturação da organização e “downsizing”; etc.  

Os autores mostram que a reengenharia transformou várias empresas melhorando sua competitividade. Dizem que é a grande oportunidade para o século 21 com base no potencial das novas tecnologias de comunicação e informação. Ela que integra não somente as funções de uma corporação com foco nos processos ponta a ponta, mas as corporações ultrapassando as fronteiras das empresas. “Os processos não param nas portas das corporações” (Hammer & Champy, 2001). 

A “nova reengenharia” é um termo cunhado por nós. Os autores afirmam que os princípios e recomendações da primeira edição do livro são válidos.

Legado da reengenharia

O maior legado da reengenharia são os seguintes princípios:

  • considerar os processos de negócio ponta a ponta;
  • repensar as premissas do negócio atual e reinventá-lo;
  • buscar melhorias significativas quebrando paradigmas atuais;
  • não ter medo de abandonar o que tem garantido o sucesso atual.

Observe que aproximadamente 20 anos após a publicação da “nova reengenharia”, Pedro Waengertner, consultor com um vasta experiência em gestão da inovação e empreendedorismo, à frente da empresa ACE, afirma que um dos princípios da inovação radical é “mate o seu próprio negócio”. 

Alguma semelhança com “não ter medo de abandonar o que tem garantido o sucesso atual”?

Não precisamos usar a buzzword reengenharia, que ficou estigmatizada, mas considerar esses princípios, desde que acompanhados da gestão de mudanças, na gestão da inovação. Observamos hoje princípios equivalentes nas iniciativas de transformação digital.

Mesmo a abordagem da organização exponencial traz princípios semelhantes ao partir do potencial das novas tecnologias de informação e comunicação. Todos os princípios listados acima, a menos da consideração do processo ponta a ponta, podem ser encontrados na abordagem da organização exponencial, que contém outros princípios.

A tecnologia de informação e comunicação (TIC) traz atualmente um potencial sem precedentes para a transformação dos negócios.

Na nova reengenharia, ou seja lá o título que você adote, o ponto básico a ser considerado é a visão de processo ponta a ponta, proporcionada pela gestão de (por) processos (a quarta onda do BPM?).

Assim, como a gestão da qualidade já está incorporada nas capabilidades ordinárias das empresas (já foi revolucionária no passado), a visão de processos ponta a ponta também é considerada um princípio comum (assim como os outros princípios listados no início deste tópico).

Essa é a razão pela qual não se fala mais nessas abordagens “ultrapassadas”, além do estigma associado ao termo reengenharia.

Mas muitas empresas ainda não possuem a visão de processo ponta a ponta

Mesmo assim, existem empresas que ainda não adotaram de verdade o princípio da visão de processo ponta a ponta. Continuam a valorizar a estrutura organizacional e consideram como processo o que uma área organizacional realiza. Isso só é válido, se todas as atividades de um processo forem realizadas dentro de uma área organizacional. No entanto, processos multifuncionais e transversais continuam a ter problemas de handoff, como por exemplo, processos relacionados com a inovação.

Referências

Baldam, Roquemar; Valle, Rogerio; Rozenfeld, Henrique (2014). Gerenciamento de processos de negócios – BPM: uma referência para implantação prática. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier.

Hammer, M. (1990). Reengineering work: Don’t automate, obliterate. Harvard Business Review, 68(4), 104–112.

Hammer, M. and Champy J. (1993), Reengineering the Corporation, Harper Business.

Hammer, M. (1996). Beyond reengineering: How the process-centered organization is changing our work and our lives. New York: HarperBusiness.

Hammer, M. and Champy J. (2001), Reengineering the Corporation, A manifesto for business revolution. HarperCollins Publishers

Smith, H., & Fingar, P. (2003). Business Process Management: The Third Wave., Meghan-Kiffer, Tampa, FL, USA.

Waengertner, P. (2018). A estratégia da inovação radical: como qualquer empresa pode crescer e lucrar aplicando os princípios das organizações de ponta do Vale do Silício. Editora Gente Liv e Edit Ltd.

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