Ciclo de vida das ofertas: produtos e serviços

Visão tradicional

Esta seção apresenta a evolução do conceito de ciclo de vida de produtos, com foco na distinção entre os fluxos de informação e material ao longo das fases BOL, MOL e EOL, estruturando uma base para práticas sustentáveis.

Introdução

Esta seção da flexM4i apresenta a visão tradicional do ciclo de vida das ofertas, estruturada em três grandes fases: Beginning of Life (BOL), Middle of Life (MOL) e End of Life (EOL). Essas fases organizam tanto o fluxo de informação, que percorre os processos de negócio relacionados à oferta, quanto o fluxo de material, que representa a transformação e movimentação de materiais desde a extração da matéria prima, sua transformação até o uso, retorno ou disposição.

Ao articular essas duas dimensões, torna-se possível analisar os impactos, orientar decisões em cada fase e identificar oportunidades de inovação incremental ou radical. Esta visão constitui um ponto de partida conceitual e prático para conectar a gestão do ciclo de vida à sustentabilidade.

No final, indicamos a evolução dessa visão de ciclo de vida no contexto da economia circular e remetemos para as seções da flexM4i que tratam dessa abordagem.

Embora esta seção trate do ciclo de vida das ofertas em sentido amplo, a ênfase está nos produtos físicos, cuja gestão envolve o fluxo de materiais e seus impactos ambientais.

No entanto, os serviços associados a esses produtos — como nos sistemas produto-serviço (PSS) — também participam do ciclo de vida, especialmente nas fases de uso (MOL) e fim de vida (EOL), influenciando o desempenho, a durabilidade e as estratégias de retorno ou destinação.

Além disso, mesmo produtos físicos, ao serem colocados no mercado, dependem do suporte de serviços complementares para agregar valor aos clientes — como manutenção, assistência técnica, help desk, treinamento de uso, entre outros.

Evolução do conceito de gestão do ciclo de vida

O conceito de ciclo de vida de produto evoluiu de uma visão originalmente centrada no marketing (focada nas fases de introdução, crescimento, maturidade e declínio do produto no mercado) para uma abordagem mais abrangente e sistêmica.

A partir dos anos 1980, consolidou-se o modelo denominado Engineering Product Life Cycle (E-PLC), que considera o ciclo completo de um produto – da concepção ao descarte – integrando aspectos técnicos, econômicos e ambientais.

Essa transição paradigmática decorre da incorporação de práticas como Life Cycle Costing (LCC), Life Cycle Assessment (LCA) e metodologias de design para a sustentabilidade (DfX).

O conceito contemporâneo de gestão do ciclo de vida (PLM) passou, assim, a incluir o fluxo de informações ao longo da cadeia de valor e a permitir melhorias contínuas, baseadas em dados de uso, manutenção e descarte, promovendo inovação e sustentabilidade ao longo de todo o ciclo.

Integração do ciclo de vida do produto e material

A integração entre o ciclo de vida do produto (fluxo de informação) e o ciclo de vida do material (fluxo físico) consolidou-se como resposta às limitações dos modelos lineares tradicionais.

Essa integração é representada pela estrutura em três grandes fases – Beginning of Life (BOL), Middle of Life (MOL) e End of Life (EOL) –, conectadas por fluxos cíclicos e retroalimentados. 

O fluxo de informações, viabilizado por sistemas como PLM, viabiliza a retroalimentação do design com dados de uso e descarte, enquanto o fluxo de materiais se fecha com estratégias como reutilização, remanufatura e reciclagem. 

Essa abordagem integrada é fundamental para melhorar a gestão técnica do ciclo de vida do produto, permitindo o reaproveitamento de materiais, o retorno de informações para fases anteriores e a redução de impactos ao longo da cadeia de valor.

Fases do ciclo de vida de produtos: informação e material

Uma das visões de ciclo de vida estabelece três fases:

  • BOL (beginning of life) –  início da vida
  • MOL (middle of life) – no meio da vida
  • EOL (end of life) – fim da vida

A consideração das fases de ciclo de vida surgiram da preocupação com a sustentabilidade, ou melhor, com os aspectos e impactos ambientais, econômicos e sociais dos produtos.

|Não confunda o ciclo de vida das ofertas com o ciclo de vida de um projeto.

Essas fases abrangem tanto o ciclo da informação (que ocorre por meio dos processos de negócio) quanto o ciclo (fluxo) de material, como mostra a tabela abaixo.

Após a tabela apresentamos as observações destacadas com (*). O foco aqui é no impacto ambiental do produto, quando ele for um bem físico. 

Tabela 303: paralelo dos principais processos /fases entre o fluxo de informações e o fluxo de materiais nas fases do ciclo de vida

Observações:

(*1): são destacados somente alguns dos processos de negócio que estão diretamente relacionados com ciclo (fluxo) de material.
(*2): a criação e desenvolvimento referem-se às ofertas.  As melhorias referem-se a qualquer objeto de inovação associado com as ofertas: modelo de negócio, processos, canais, tecnologia, pessoas, organização etc.
(*3): do ponto de vista ambiental, o objetivo na fase de produção é não gerar resíduos (graças ao DfE – design for environment) realizado no BOL (criação – desenvolvimento) ou por meio de inovações: melhorias durante a fase de MOL (mudanças tecnológicas no produto ou processo produtivo, substituição de matéria prima, recursos produtivos mais eficientes etc.).
(*4): do ponto de vista ambiental, o objetivo na fase de uso e consumo é prolongar a vida do produto (graças ao  DfE – design for environment) ou reduzir a geração de resíduos por meio de inovações: melhorias durante a fase de MOL (mudanças tecnológicas no produto ou processo produtivo, substituição de matéria prima, recursos produtivos mais eficientes etc.).
(*5): coletar e retornar o produto visa reutilizar, redistribuir, remanufaturar ou recondicionar o produto para ele entrar em uma nova fase de uso (MOL) sem a geração de resíduos.
(*6): a destinação dos resíduos pode envolver: reutilização, reciclagem, ou compostagem e reaproveitamento energético.
(*7): a disposição (final) envolve distribuir os rejeitos em aterros, observando as normas existentes para minimizar os impactos ambientais. Rejeitos são resíduos sólidos que não podem sofrer qualquer outro tratamento, após serem esgotadas todas possibilidades.
(*8): esses ciclos referem-se a ofertas que geram resíduos sólidos. Não foram citadas nesta discussão as estratégias e atividades para minimizar os impactos sociais.

Representação das fases

Como toda representação é limitada, pode parecer que esses ciclos são lineares. Mas como o próprio termo “ciclo” remete, eles são circulares, como representado na próxima figura.

Figura 304: representação do ciclo de vida de um material e do fluxo correspondente dos processos de negócio, que são compostos pelas atividades realizadas, e suas informações produzidas ao longo das três grandes fases: início de vida (BOM: beginning of life), meio de vida (MOL: middle of life); e fim de vida (EOL: end-of-life).

Outras estratégias de sustentabilidade e economia circular não foram discutidas neste tópico. Na abordagem de economia circular, são considerados os ciclos técnico e biológico representados pelo “diagrama  da borboleta”.  A figura acima pode ser considerada um detalhamento do ciclo técnico. Era a visão mais usual do ciclos ciclos de retorno (os Rs) da visão de ciclo de vida, antes da economia circular incluir o ciclo biológico.

Em quais fases surgem oportunidades de inovação?

Observe na figura anterior que em todas as atividades do ciclo de vida surgem oportunidades de inovação. As oportunidades que aparecem nas fases de MOL e EOL são de melhorias incrementais ou de sustentação. É quando ocorrem inovações que buscam a excelência operacional para diminuição de custo ou aumento da produtividade..

Podemos relacionar essas inovações com os estágios de evolução do negócio, pois em cada fase de evolução (todas ainda no MOL), devemos enfatizar um tipo de inovação. Normalmente, dentro do MOL ocorrem os estágios de:

  • aceleração
  • sustentação
  • aumento da eficiência operacional

Em alguns casos, na perspectiva temporal, a fase de uso das ofertas (produtos e serviços) – MOL –  pode durar anos e ser, portanto, muito maior do que as demais fases. Isso significa que surgem muitas oportunidades de inovação incremental nesse período, pois sempre aparecem novas necessidades e tecnologias. Assim, provavelmente outros elementos do negócio também sofrem inovação.

Isso por causa do princípio que quando uma inovação ocorre, provavelmente outras inovações devem ocorrer como consequência da inovação inicial.

Por exemplo, imagine que você criou e lançou um novo produto e serviços associados a esse produto. Essa inovação exigir:
– novos processos de fabricação, de logística, de vendas, de assistência técnica;
– a contratação e treinamento de novos colaboradores;
– o estabelecimento de novas parcerias, como, por exemplo,  com startups e prestadores de serviço de manutenção para ter uma abrangência nacional;
– uma mudança organizacional para gerenciar o ciclo de vida da nova solução;
– uma nova estratégia de marketing, que pode influenciar a marca, que por sua vez junto com novos canais, contribuem para uma nova experiência dos seus clientes;
– a aquisição e implementação de novos recursos (como um equipamento especial para monitorar os serviços).

Essa inovação pode até exigir uma mudança no modelo de negócio.

A fase de MOL de uma aeronave pode durar de 25 a 30 anos até ser descontinuado, como ilustra a próxima figura..

Figura 305: ilustração comparativa (qualitativa) da duração das três grandes fases do ciclo de vida de uma oferta / produto: início de vida (BOM: beginning of life), meio de vida (MOL: middle of life); e fim de vida (EOL: end-of-life). Essa duração pode variar significativamente conforme o tipo de produto.

Do ponto de vista ambiental, durante a fase de MOL é quando se procura diminuir o impacto da produção por meio da produção mais limpa, entre outras abordagens. Porém, em alguns casos, o MOL é o momento de maior impacto devido ao uso do produto (pense na produção de CO2 de um motor de combustão). 

A fase EOL é um momento de condução das atividades que diminuem o impacto ambiental por meio da reutilização, redistribuição, remanufatura e recondicionamento dos produtos; ou por meio da destinação dos resíduos (reciclagem ou reaproveitamento), quando pode se considerar a possibilidade de encontrar parceiros para a simbiose industrial; ou disposição final dos rejeitos. Mas essas atividades devem ser delineadas nas fases anteriores (BOM e MOL), principalmente no BOL durante o design do produto e da produção.

Devemos focar na fase de BOL para realizar inovações (mais) radicais ou disruptivas, que também implicam na diminuição do impacto ambiental e social. A própria definição de economia circular afirma que temos de pensar em sustentabilidade no design ao repensar a forma de consumo.

É na fase de BOL, na criação,  que se consegue “desenhar” um modelo de negócios ou uma solução que tenha um menor impacto no MOL e no EOL. É o momento de repensar a lógica de uso e consumo para aumentar a vida útil dos produtos, reduzir a necessidade de materiais, regenerar os sistemas naturais, eliminar os resíduos, rejeitos e a poluição desde o início do MOL etc. Durante a fase de BOL são definidas as características (aspectos) da oferta e cadeia de valor que irão causar impactos nas demais fases.

Deixar para pensar nessas questões somente no MOL pode ser tarde demais. Por isso, as inovações na fase de BOL devem considerar a aplicação de estratégias de economia circular e DfE (design for environment), que engloba o ecodesign.

Evolução para a visão da economia circular

A distinção entre o ciclo da informação (processos de negócio) e o ciclo de material (fluxo físico) estrutura uma visão consolidada do ciclo de vida de produtos, em que diferentes estratégias de retorno — como reutilização, remanufatura e reciclagem — já indicam movimentos circulares.

Essa visão corresponde ao que mais tarde passou a ser chamado de ciclo técnico, um dos dois ciclos propostos pela economia circular.

O outro, introduzido pela economia circular, é o ciclo biológico, que se refere ao processamento de materiais biodegradáveis e renováveis.

Leia mais na flexM4i:
– Conheça os conceitos da economia circular
– Explore o diagrama “borboleta” da economia circular
– Os Rs da sustentabilidade, representados na figura do ciclo de vida anterior, evoluíram e não representam hoje em dia somente os retornos de materiais.
– As estratégias de economia circular também contribuíram para expandir a visão de ciclo de vida trazendo uma visão sistêmica dos negócios.

Referências

Cao, H., & Folan, P. (2012). Product life cycle: The evolution of a paradigm and literature review from 1950-2009. Production Planning and Control, 23(8), 641–662. https://doi.org/10.1080/09537287.2011.577460

Seção da flexM4i sobre economia circular.

Seção da flexM4i sobre o diagrama “borboleta” da economia circular.

#printfriendly a { color: blue !important; text-decoration: underline !important; } #printfriendly i, #printfriendly em { color: purple !important; } @media print { .break-page-before { page-break-before: always !important; } h1 { page-break-before: always !important; font-size: 32px !important; } div.no-page-break-before h1, div.no-break-page-before h1 { page-break-before: avoid !important; } }