Efeitos rebote de iniciativas da economia circular
flexM4I > abordagens e práticas > Efeitos rebote de iniciativas da economia circular (versão 2.2)
Autoria: Camila Castro (milatelcontar@gmail.com)
Introdução
Esta seção expande a descrição resumida sobre efeito rebote que foi apresentada na seção principal sobre economia circular.
Dados os grandes desafios da economia circular em minimizar o uso de recursos fechando os ciclos de materiais e energia, alguns entraves são percebidos para alcançar todo o seu potencial.
Efeitos rebote são consequências negativas e não intencionais que surgem na transição para a economia circular. Esses efeitos podem minimizar os resultados esperados com a adoção de estratégias e práticas de economia circular, ou seja, pode levar a um maior nível de produção e de consumo. Assim, eles podem
- comprometer os objetivos sustentáveis;
- levar à ocorrência de greenwashing;
- (*) ocultar a dissociação entre a atividade econômica e consumo de recursos, que são finitos; e
- (*) gerar resíduos e excedentes no sistema de produção, devido a outros comportamentos e atividades.
(*) como apresentado na seção sobre economia circular, seus objetivos são:
Os efeitos rebote podem impedir que esses objetivos sejam alcançados. |
A abordagem sistêmica que apresentamos nesta seção é um primeiro passo para entender o fenômeno do efeito rebote circular.
Conceitos
O efeito rebote circular é um fenômeno, ou seja, um conjunto complexo de eventos sem causa única, que é percebido pelo público como:
- uma diminuição dos resultados em vista do potencial da economia circular, ou
- o aparecimento de outras consequências não intencionadas nem previstas.
No âmbito da economia circular, o efeito rebote se manifesta como …
uma consequência paradoxal que, embora derivada de ações bem-intencionadas para aprimorar a eficiência dos recursos, pode levar a um incremento no consumo geral de recursos …
… devido a comportamentos adaptativos dos consumidores e produtores.
Tal efeito contradiz a lógica de que melhorias na eficiência levam diretamente a reduções no uso de recursos. Ao invés disso, podem desencadear uma série de reações em cadeia que, …
sem o devido monitoramento e compreensão, os efeitos rebotes minam os esforços de sustentabilidade.
Importância da visão holística
Este fenômeno ressalta a importância de uma abordagem holística na implementação de estratégias circulares, onde:
- a economia comportamental,
- os modelos de negócio e
- a inovação tecnológica
devem ser considerados em conjunto para mitigar os efeitos indesejados e promover um ciclo virtuoso de uso de recursos.
Essa abordagem sistêmica é essencial para minimizar os efeitos rebotes focando não apenas na dimensão ambiental, mas também em aspectos sociais (como prejuízos a trabalhadores, à saúde da população, etc.).
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Histórico
1865
O conceito de efeito rebote tem suas raízes na economia energética, onde, já em 1865, o matemático William Stanley Jevons constatou que melhorias na eficiência do uso do carvão não levaram à redução do consumo deste recurso, mas sim ao oposto.
Jevons notou que as inovações tecnológicas nos trens a carvão, que pretendiam reduzir as emissões, acabaram por melhorar a eficiência em outras indústrias, como a siderúrgica, o que, por sua vez, impulsionou a demanda por transporte ferroviário. Este contraintuitivo aumento no uso do carvão, mesmo com a eficiência melhorada, ficou conhecido como paradoxo de Jevons.
Anos 70
Posteriormente, na esteira da crise do petróleo dos anos 70, o economista Daniel Khazzoom retomou essa noção, sugerindo que políticas unicamente voltadas para a eficiência energética poderiam não resultar na redução do consumo de energia esperada.
2000
Outros pesquisadores, como Greening et al. (2000), expandiram a discussão do efeito rebote para além do setor industrial, trazendo insights sobre a eficiência energética dentro dos domicílios e a eficiência do transporte.
Esses estudos colocaram em destaque a relação entre:
- demanda, comportamento de consumo e
- produção e suas influências nas medidas de eficiência e no consumo de recursos.
No início dos anos 2000, a pesquisa sobre o efeito rebote ganhou novas camadas com estudos sobre sua tipologia e níveis, ainda fortemente ancorados no uso de energia.
2010
A pesquisa se expandiu para abranger o desenvolvimento tecnológico para além do uso de energia, incluindo estratégias para diminuir consumo material e aumentar a eficiência de processos, por exemplo, e ampliando o escopo do que entendemos por efeito rebote.
2014
Por volta de 2014, começaram a ser realizados estudos relacionando efeitos rebotes ambientais, estudando ações que estavam sendo implementadas por empresas e estimuladas por políticas públicas específicas
Por exemplo, políticas que davam subsídios para empresas fazerem renovação de prédios industriais antigos para serem transformados em residências, alteravam os preços de materiais de construção e impactavam a demanda e preço dos materiais em outros setores.
2016
Autores como Laurenti e Font Vivanco começaram a investigar …
como os impactos do ciclo de vida dos produtos poderiam aumentar devido a efeitos indesejados de iniciativas circulares e com incentivos públicos que visavam aumentar a eficiência ambiental, mas inadvertidamente levaram a efeito rebote.
Essa evolução histórica do conceito reflete uma constante interação com o desenvolvimento tecnológico, onde o uso de tecnologias consideradas ambientalmente corretas, como os veículos elétricos, pode levar a novas dinâmicas de consumo. O aumento da eficiência desses veículos poderia, paradoxalmente, encorajar um uso mais frequente em detrimento do transporte público, potencialmente erodindo alguns dos benefícios ambientais pretendidos e exemplificando o complexo desafio que o efeito rebote representa para a sustentabilidade.
O aumento da eficiência dos veículos elétricos poderia, paradoxalmente, encorajar um uso mais frequente em detrimento do transporte público, potencialmente erodindo alguns dos benefícios ambientais pretendidos.
2022
Atualmente pesquisadores de economia circular têm buscado formas de entender como o fenômeno do efeito rebote circular se diferencia do tradicional, estudando seus mecanismos e fazendo ligações com a teoria de economia circular. Outras pesquisas aparecem para incorporar o entendimento de efeito rebote dentro do planejamento para desenvolvimento de produtos e novos modelos de negócio que evitem as consequências já previstas.
Definições formais
Diferentes definições têm sido utilizadas, e elas refletem a perspectiva que os pesquisadores adotam ao investigar este fenômeno. Duas linhas principais foram identificadas, que podem conter pequenas variações, mas são semelhantes em estrutura:
1) Uma consequência negativa de uma ação proposital
A primeira perspectiva argumenta que o efeito rebote é uma consequência negativa de uma ação de melhoria ou mudança tecnológica. Nessa linha, a primeira definição que liga o efeito rebote e o meio ambiente fora do contexto de economia energética foi proposta por Font Vivanco et al. (2016 p.61):
“O ERE (environmental rebound effect) pode ser definido como as consequências ambientais decorrentes de mudanças na demanda em resposta a mudanças de eficiência provenientes de melhorias técnicas”.
De forma mais específica, Laurenti et al. (2015 p.282) definem que:
“Consequências não intencionais são aqueles resultados intencionais e antecipados que podem causar efeitos negativos diretos ou indiretos e indesejáveis na perspectiva de um observador externo”.
2) Resultado esperado versus resultado alcançado
A segunda perspectiva vai na direção de que o efeito rebote é a diferença na melhoria ou nos resultados da mudança tecnológica, argumentando que houve uma compensação nos benefícios em relação ao esperado. A definição mais recorrente usada nessa linha é a definição de Sorrell & Dimitropoulos (2008) da economia de energia:
“O efeito rebote resulta em parte de um aumento no consumo de serviços de energia após uma melhoria na eficiência técnica na entrega desses serviços. Esse aumento no consumo compensa as economias de energia que poderiam ser alcançadas de outra forma”.
A mudança no comportamento do consumidor e as respostas do mercado a essas melhorias também são consideradas nas definições usadas por outros autores. É sob essa perspectiva que a principal definição do efeito rebote circular foi desenvolvida.
Esta primeira e mais utilizada definição de efeito rebote circular foi proposta por Zink & Geyer (2017 p.596):
“O efeito rebote da economia circular ocorre quando aumentos na eficiência da produção ou consumo são compensados por níveis aumentados de produção e consumo”.
Assim, os autores cunharam o termo efeito rebote da economia circular e incluíram em sua definição a melhoria da eficiência de ambos os lados, produção e consumo, compartilhando a responsabilidade pelo desenvolvimento do fenômeno efeito rebote.
Posteriormente, Siderius & Poldner (2021) expandiram o conceito e afirmaram que …
.. o efeito rebote da economia circular é uma das razões emergentes para o possível fracasso de iniciativas de economia circular.
Sua definição, em contraste com as da economia de energia, que consideram que a melhoria da eficiência muda o comportamento, o CER é um resultado da falta de mudança em nosso comportamento diante de um aumento de eficiência. Ou seja, com um aumento na eficiência na produção, o consumidor também aumenta o consumo.
Quadro 1123: as definições de efeito rebote segundo duas perspectivas
Tipos e níveis de efeito rebote
O efeito rebote pode ocorrer em diferentes níveis, refletindo a complexidade entre melhorias de eficiência e consumo. Na literatura existem algumas classificações de efeito rebote ambíguas, mas de forma geral, a contribuição de Steve Sorrell para esta área é amplamente aceita. Ele fez uma distinção entre os dois tipos de efeitos rebote:
- diretos e
- indiretos.
Efeitos diretos
Efeitos diretos surgem do aumento de consumo de bens ou serviços que experimentam um incremento na eficiência; eles podem ser categorizados mais adiante em efeitos de substituição e de renda/output.
Efeitos indiretos
Efeitos indiretos são mais abrangentes e incluem outros recursos necessários para melhorar a eficiência energética, bem como os efeitos secundários, que podem variar desde mudanças na demanda por outros bens e serviços até alterações nos preços gerais.
Por exemplo, a substituição de lâmpadas incandescentes por lâmpadas de LED pode levar a uma redução inicial significativa no consumo de energia de uma casa, mas a economia pode ser direcionada para aumentar a iluminação (efeito direto) ou para ser utilizada em outros serviços, como ar condicionado. Outro efeito também associado com o mesmo produto é a forma do seu descarte, que causa mais problemas ambientais do que o descarte de uma lâmpada incandescente comum.
A sociedade não irá alcançar todo o benefício prometido com a troca para um produto mais eficiente, porque os efeitos rebote diminuem os benefícios ambientais.
Por exemplo, a troca de um modelo energético menos poluente pode ter um efeito rebote direto que não traz todo o potencial de redução de consumo e de diminuição de emissões ligadas, como era esperado.
O efeito indireto apresenta outras consequências indesejadas, que podem ter impacto nos mesmos resultados ou não.
Por exemplo, o lixo descartado incorretamente aumenta as emissões e a reciclagem mais complicada das lâmpadas LED consome mais energia. Efeitos que não são relacionados com o produto inicial , a lâmpada.
Os efeitos rebotes indiretos também podem não estar relacionados com o produto inicial, como tornar um produto mais caro e limitar o acesso da população à ele.
Sorrell sublinha que:
é provável que a magnitude do efeito rebote cresça com o tempo, e aponta a importância de diferenciar entre as consequências de curto e longo prazo, um aspecto fundamental na compreensão da dinâmica do efeito rebote.
Isso acontece porque a melhoria na eficiência de um produto ou da oferta de um novo serviço geralmente leva a mudanças que podem ser lentas, e o impacto só poderá ser conhecido plenamente depois de um período mais longo.
Por exemplo, o serviço de streaming Netflix, que alterou todo um modo de consumo de entretenimento. A curto prazo, teve um efeito nos negócios locação de filmes, que foram perdendo espaço na preferência dos consumidores. A longo prazo aumentou o consumo de energia, quando o espectador usa duas telas, ou quando o impacto de produção de novos itens de seu catálogo é maior do que anteriormente, pois seu sucesso é baseado em oferecer grande número de alternativas para os usuários.
Apesar de serviços de streaming terem desmaterializado o produto, pois hoje não temos mais CD de música ou DVDs de filmes, a produção e a pós produção do seu conteúdo ainda tem um impacto ambiental relevante. Se formos aprofundar um pouco mais, a dinâmica de poder da Netflix ainda está alterando culturas locais, e aspectos socioculturais podem desaparecer (Jin, 2023)..
Além disso, Sorrell e outros autores (Metic e Pigosso, 2022; Lange et al, 2021) sugerem uma categorização adicional ao longo de diferentes níveis econômicos de efeitos rebote:
- micro,
- meso,
- macro e
- global.
Nível micro: No nível micro, encontramos repercussões dentro de uma atividade ou setor específico devido a melhorias em eficiência energética.
Por exemplo, o aumento na eficiência de geladeiras leva a uma maior utilização e compra de aparelhos maiores e mais potentes por parte dos consumidores, aumentando o consumo de energia no lar.
Nível meso: No nível meso, são contemplados efeitos que se estendem do âmbito empresarial até o nível de setores ou mercados.
Por exemplo, a melhoria na eficiência energética de processos industriais em uma fábrica de automóveis, ou a integração em simbiose industrial pode reduzir os custos de produção e, por consequência, baixar os preços ao consumidor, incentivando um aumento na demanda por veículos novos.
Nível macro: Os efeitos no nível macro refletem as interações em larga escala entre o uso mais eficiente de energia e o crescimento econômico.
Por exemplo, a redução no consumo de energia devido a políticas de eficiência (tarifas verde e vermelhas) pode aumentar a disponibilidade de energia a nível nacional, potencialmente baixando os preços da energia e estimulando o crescimento econômico em outros setores.
Nível global: No nível global, os efeitos consideram as implicações em toda a economia mundial, incluindo aspectos como as regras do comércio internacional.
Por exemplo, a ampliação da adoção de tecnologias de energia renovável pode alterar os padrões de comércio internacional de petróleo e gás, influenciando os preços globais de energia e as relações econômicas entre os países. A queda no consumo de petróleo em países com uma grande frota de carros elétricos pode pressionar o preço para baixo em outros países, aumentando o consumo de combustível fóssil e aumentando as emissões de CO2 nesses outros países.
Sorrell também critica algumas das tipologias existentes por não serem suficientemente transparentes ou facilitarem a diferenciação necessária, o que pode levar a equívocos como a ‘falácia da dupla contagem’, onde o crescimento econômico é erroneamente interpretado como um acúmulo simples dos efeitos de demanda. Essa falácia acontece quando as pessoas veem o aumento do consumo (por exemplo, mais gente comprando e usando carros elétricos) e o crescimento econômico (como o aumento nas vendas de carros elétricos impulsionando a economia) como se fossem dois benefícios separados e adicionais, quando, na verdade, um é consequência do outro.
As contribuições de Sorrel (2007) refletem a complexidade e as nuances envolvidas na medição e no gerenciamento do efeito rebote, uma consideração crucial para a criação de políticas eficazes e sustentáveis. Ele sugere que precisamos de uma maneira melhor e mais clara de diferenciar os vários impactos e efeitos para não superestimar os benefícios ou resultados.
A perspectiva de Metic e Pigosso sublinha a complexidade do fenômeno, reconhecendo que o efeito rebote pode também ser um obstáculo para o crescimento sustentável, uma vez que ganhos em eficiência são potencialmente neutralizados por um maior consumo em outras áreas, ilustrando a necessidade de uma abordagem mais holística e sistêmica para compreender e gerir os efeitos rebote na transição para uma economia mais circular e sustentável.
O fenômeno “efeito rebote circular” e seus mecanismos
Algumas características do fenômeno “efeito rebote circular” são:
- ocorre em diferentes níveis e escalas (como visto no tópico anterior),
- não tem uma causa única que explique o seu surgimento, e
- sua reação não é única ou linear, o que a sociedade verá como resposta depende do contexto (não é única) e vários efeitos podem se acumular, não seguindo um padrão linear.
O tempo e o contexto social são importantes para os resultados esperados das ações circulares e os efeitos rebotes percebidos. Isso implica que diversos fatores devem ser considerados ao se analisar o fenômeno, suas causas (eficiência energética, estratégias de PSS, reciclagem de materiais) e a relação com os resultados (aumento de emissões, aumento no consumo de matéria prima) (Castro et al. 2022).
Na próxima figura ilustramos a relação entre os fatores que influenciam os efeitos rebotes da economia circular.
Figura 1124: visão geral dos fatores e relações que devem ser consideradas para se analisar os efeitos rebote da economia circular
Fonte: adaptado de Castro et al. (2022)
Esta figura ilustra como o fenômeno do efeito rebote circular ocorre. Alguma ação circular (inovação circular, servitização, entre outros) provoca uma alteração na estrutura do sistema, ou seja, o mecanismo desenvolvedor é uma resposta à ação inicial, que causa um efeito rebote circular. Nenhum destes mecanismos são respostas estáveis, e o contexto irá agir modificando as respostas. Uma mesma ação circular, em diferentes contextos sociais, geográficos não terão as mesmas respostas de mecanismos desenvolvedores, podendo não gerar efeito rebote, ou até gerar um outro efeito rebote ainda desconhecido.
Nos próximos tópicos vamos detalhar esses fatores.
Mecanismos iniciadores
Um mecanismo iniciador serve como um gatilho que leva ao efeito rebote ou a uma alteração no sistema dentro da Economia Circular. Isso pode ser observado em várias estratégias e abordagens, como inovação, novos modelos de negócios e políticas ambientais, como ilustra a próxima figura.
Figura 1125 : mecanismos iniciadores dos efeitos rebote da economia circular
Fonte: adaptado de de Castro et al. (2022)
Observe na figura 1124 da visão geral dos fatores e suas relações, que esses mecanismos iniciadores são os que causam os impactos da economia circular, que geralmente são considerados positivos. |
Embora as estratégias da economia circular busquem melhorar a eficiência ambiental e reduzir o uso de recursos, muitas vezes elas produzem efeitos não intencionais.
Por exemplo, esforços para melhorar a eficiência na gestão de resíduos podem paradoxalmente levar a mais geração de resíduos, como vemos na indústria fashion. Em alguns casos, o comércio de roupas usadas não diminui o consumo de roupas novas, pois os consumidores veem como uma oportunidade de compra adicional, a compra de roupas usadas não substitui a compra de roupas novas.
Similarmente, a valorização de alguns tipos de resíduos, como os eletroeletrônicos pode induzir um aumento de reciclagem informal, que é menos eficiente e oferece outros riscos, como contaminação de solo, de pessoas, riscos de acidentes de trabalhos entre outros.
Além disso, inovações que parecem melhorar a eficiência podem, de fato, levar ao consumo de mais produtos e, por fim, ao aumento da obsolescência.
Por exemplo, na troca de eletrodomésticos por modelos mais eficientes, que consumam menos e que integrem inteligência para prever o estilo de uso do consumidor, gera um aumento do número de produtos oferecidos.
Outro ponto muito importante a se observar é a complexidade dos novos modelos de negócios e políticas ambientais. Os modelos de negócios que surgem do pensamento circular podem criar um novo mercado em torno de estratégias como recuperação, remanufatura e reciclagem, sem necessitar de novos fluxos de materiais e informações, mas também podem levar a efeitos rebote.
Por exemplo, ao se adotar um modelo de negócio baseado em reutilização de produtos, deve haver uma nova logística reversa para que haja produtos sobressalentes e uma sincronização entre demanda de produtos remanufaturados, que resulta em um maior número de atividades. Esses processos adicionais também causam impacto ambiental.
Novas políticas ambientais, como impostos sobre carbono, podem ter efeitos além das fronteiras do país onde são implementadas, afetando a competitividade e causando efeitos rebote em outras regiões.
Por exemplo, uma região ou país pode adotar um imposto maior sobre o uso de algum material. Esa política pode causar que empresas em outras localidades, sem esse imposto, obtenham uma vantagem competitiva e passem a produzir mais, aumentando emissões e geração de resíduos.
O mecanismo iniciador mostra que a responsabilidade pelo efeito rebote circular é compartilhada por produtores, remanufaturadores, vendedores e formuladores de políticas, e que uma compreensão abrangente do sistema e do comportamento é necessária ao desenvolver novas estratégias para a transição rumo à economia circular.
Mecanismos desenvolvedores
O mecanismo desenvolvedor dentro do fenômeno do “efeito rebote circular” é um mecanismo que propaga, amplifica ou modifica os efeitos iniciais desencadeados pelo mecanismo iniciador. Este mecanismo é categorizado em três grupos: comportamento do consumidor, comportamento do produtor e fatores macroeconômicos, como ilustra a próxima figura.
Figura 1126: exemplos de mecanismos desenvolvedores do efeito rebote da economia circular
Observe na figura 1124 da visão geral dos fatores e suas relações, que esses mecanismos desenvolvedores são diretamente responsáveis pelo efeito rebote circular, são influenciados pelos mecanismos iniciadores (iniciativas da economia circular) e podem ser modificados pelos mecanismos mitigadoras e obviamente pelo contexto socioeconômico. |
O comportamento do consumidor é sensível a variáveis como dinheiro, tempo e acesso, podendo resultar em aumentos de consumo que contrariam os objetivos de eficiência e sustentabilidade.
Por exemplo, se um consumidor economizar utilizando um sistema de compartilhamento de carros, ele pode utilizar os recursos que sobraram em uma viagem de avião que produz um efeito estufa maior do que se ele tivesse comprado um automóvel.
O sistema produtivo e as condições macroeconômicas também exercem um papel significativo na dinâmica do efeito rebote. Mudanças na produção ou na eficiência podem ter efeitos cascata em toda a rede de produção e consumo, incluindo atividades ilegais e reciclagem informal.
Por exemplo, com aumento da eficiência na produção de eletroeletrônicos, pode levar a uma redução de preços e incentivar o aumento de consumo. Isso pode acarretar em maior geração de resíduos de um produto cujo fim de vida ainda é um desafio. Este produto no final de vida pode ter um valor agregado, que pode levar a coleta e reciclagem ilegal em países com maior desigualdade social. Essa reciclagem pode resultar na contaminação do solo e dos cursos d’água com metais pesados.
Esses mecanismos desenvolvedores atuam em um padrão circular de causalidade com os mecanismos iniciadores, tornando o fenômeno do efeito rebote um sistema complexo e interconectado. Alguns destes efeitos podem inclusive ter caráter exponencial.
Mecanismos mitigadores
O mecanismo mitigador no fenômeno do efeito rebote circular são ações e estratégias implementadas que visam atenuar ou interromper os efeitos rebotes desencadeados pelos mecanismos iniciador e desenvolvedor. Este mecanismo é multidimensional e envolve uma série de estratégias interconectadas, como detecção precoce, políticas ambientais, eficiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D), e controle de preços, como ilustra a próxima figura.
Figura 1127: exemplos de mecanismos mitigadores do efeito rebote da economia circular
Observe na figura 1124 da visão geral dos fatores e suas relações, que esses mecanismos mitigadoras, como o próprio nome diz, possuem o objetivo de mitigar e até eliminar o efeito rebote circular agindo sobre os mecanismos desenvolvedores e influenciando o contexto socioeconômico, que por sua vez também pode mudar os mecanismos desenvolvedores dos efeitos rebote. |
É fundamental considerar a distribuição assimétrica de riqueza e desigualdade, pois algumas estratégias, como o controle de preços, podem prejudicar grupos de consumidores de baixa renda.
Políticas fiscais e incentivos a ações ambientais são comumente citados como instrumentos eficazes para mitigar o efeito rebote, porém as medidas de mitigação devem considerar fortemente o contexto em que estão inseridas, para não iniciarem outros efeitos rebote.
Por exemplo, o aumento de impostos sobre consumo de energia pode sim levar a uma economia geral, mas também, se não existir um sistema de subsídios, pode onerar famílias de baixa renda e aumentar a desigualdade social.
Além das políticas, a eficácia em P&D sustentável também são pontos críticos para a mitigação e devem ser estratégias desenvolvidas em conjunto.
Por exemplo, investimento em produtos sustentáveis mais eficientes, como automóveis elétricos, pode sim ser menos prejudicial ao meio ambiente, mas é necessário que tenham políticas combinadas para que essas inovações sustentáveis sejam acessíveis a uma parcela maior da população, que não aumente o número de sucatas automobilística, e que o sistema elétrico seja aprimorado para conseguir fornecer para uma frota crescente.
Há quem diga que os veículos elétricos individuais fornecem uma sobrevida à indústria automotiva. Mas do ponto de vista ambiental, deveríamos investir em transporte coletivo elétrico. |
Estratégias bem-sucedidas em negócios circulares devem considerar a disponibilidade de materiais, marketing eficaz e aumento na demanda do consumidor. É crucial que as estratégias de mitigação sejam holísticas e envolvam consumidores, fabricantes, varejistas e formuladores de políticas em ações coordenadas.
A mitigação eficaz requer uma visão sistêmica e a adoção de uma abordagem cooperativa e competitiva (coopetição) para mudar permanentemente o comportamento dos atores envolvidos.
Um ponto de partida é considerar os níveis mais altos de economia circular e propor soluções que mudem os paradigmas atuais de consumo e ofereçam produtos ou serviços mais sustentáveis, sempre analisando o que será desencadeado por essas ações.
Casos
Apresentamos aqui links de três casos, que são mostrados com mais detalhes na seção de casos da flexM4i.
Efeitos rebote de ações de economia circular para smartphones
Efeitos rebote do compartilhamento de alimentos
Efeitos rebotes do ecossistema de recuperação de embalagens de vidro
Nas informações adicionais apresentamos fontes de outros casos e publicações sobre o efeito rebote que você pode acessar.
Informações adicionais
Conheça o projeto Reboundless, que está sendo desenvolvido na Universidade Técnica da Dinamarca, que objetiva permitir uma mudança de paradigma para prevenir a ocorrência de efeitos rebote desde o desenvolvimento de soluções, a partir de metodologias, modelos de simulação, e estratégias para tal.
A página deste projeto no LinkedIn traz exemplos de efeitos rebote e indica algumas soluções. Explore os posts desta página.
Em seguida, vamos explorar alguns desses posts.
Neste vídeo (22 segundos), Marina Pieroni explica a confusão que os usuários fazem entre os termos “Biobased” e “Biodegradável”, que causa efeitos rebote.
Neste vídeo (41 segundos), Daniela Pigosso apresenta o caso dos efeitos rebote que ocorrem quando mudamos para lâmpadas de LED.
Neste post do linkedin, o projeto Reboundless apresenta um dashboard para explorar os resultados de 530 efeitos rebote, extraídos de 390 publicações, selecionadas de 1413. Você pode explorar a quantidade de efeitos, seus impactos, países das publicações, acesso aos títulos das publicações.
Referências
Castro, C. G., Trevisan, A. H., Pigosso, DanielaC. A., & Mascarenhas, J. (2022). The rebound effect of circular economy: Definitions, mechanisms and a research agenda. Journal of Cleaner Production, 345(October 2021), 131136. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2022.131136
Font Vivanco, D., Freire-González, J., Kemp, R., & Van Der Voet, E. (2014). The remarkable environmental rebound effect of electric cars: A microeconomic approach. Environmental Science and Technology, 48(20), 12063–12072. https://doi.org/10.1021/es5038063
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