"Área" de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)
Prática organizacional tradicional da inovação corporativa
flexM4I > abordagens e práticas > “Área” de P&D (versão 1.5)
Autoria: Henrique Rozenfeld (roz@usp.br)
Classificação desta prática
- prática organizacional de gestão da inovação
- uma das práticas de inovação / empreendedorismo corporativo (não é de intraempreendedorismo)
- essa “área” pode participar de iniciativas de inovação aberta
- nesses casos, ela deve se envolver com um ecossistema de inovação.
Descrição resumida
Uma análise semântica dos termos representados pelo acrônimo P&D remete para o significado de cada uma das partes do termo:
- A pesquisa seria responsável pelas invenções, descobertas de novas oportunidades e conhecimentos, muitas vezes com foco em tecnologia.
- O desenvolvimento de produtos e serviços estaria associado com o desdobramento dessas invenções e oportunidades e aplicação dos conhecimentos.
A integração dessas responsabilidades seria portanto o “coração” da inovação.
Esta é uma denominação tradicional que ainda existe em várias empresas como herança dos primórdios da era da gestão da inovação.
Confira na apresentação das gerações da gestão da inovação, que esta denominação existe desde sempre. |
Escolhemos usar o termo “área” antes de P&D para diferenciar de “centros de P&D”, que estão no ecossistema e que são independentes da corporação. Mas em cada organização encontramos denominações semelhantes, tais como, setor, departamento, diretoria, centro, laboratório, divisão, gerência de P&D. Em outras organizações, são utilizados termos mais específicos, que retratam o objeto que é tratado nessas áreas, tais como, centro de tecnologia, centro de pesquisa etc.
Se considerarmos a definição ampla de inovação, essa “área” também estaria envolvida com outros objetos de inovação, ou seja, inovação de modelo de negócio, processos, organizações etc. Por isso, que algumas empresas expandiram o acrônimo para P&D&I, no qual o I significa “inovação”.
Veja a discussão que fizemos no tópico “Uma área única responsável pela inovação?” da prática “setor” de inovação.
Programa de P&D
Muitas vezes, as grandes corporações envolvem-se com universidades e institutos de pesquisa e realizam programas de P&D.
Outros programas de P&D são realizados em consórcios, que envolvem vários atores de um ecossistema, que podem ser coordenados por empresas, universidades ou órgãos governamentais.
Nos USA, no pós 2a guerra mundial, foram realizados muitos investimentos em P&D associados a empresas, universidades e agências governamentais (Rothwell, 1994; van der Duin & Ortt, 2020). – veja a seção sobre as gerações da gestão da inovação. Um exemplo clássico de uma “área” de P&D desta época era o PARC da Xerox fundado em 1950. A Wikipédia em português traz o essencial sobre o PARC, mas a em inglês é mais completa. |
No Brasil ocorrem mais desenvolvimentos do que pesquisas nas empresas
Observamos na maioria das empresas brasileiras, que essa “área” envolve-se mais com “desenvolvimento” e pouco com “pesquisa”. Como comentado anteriormente, a utilização deste termo é uma herança dos centros de P&D das grandes corporações do passado, que desenvolviam tecnologias.
É comum que áreas de engenharia sejam denominadas de áreas de P&D, o que limita o escopo do termo.
No entanto, ainda existem áreas de P&D, que realmente desenvolvem pesquisas e desenvolvimento de novos materiais e tecnologias nas grandes corporações, só que cada vez mais de forma colaborativa com o ecossistema. Na verdade, nessas empresas essa “área” é responsável por pesquisa aplicada. São os centros de pesquisa ou centros de tecnologia (veja o exemplo da Bosch no final desta seção).
Reinventando o P&D
Traitler et al. (2011), já no ano de 2011, propuseram que as empresas deveriam reinventar o P&D dentro de um ecossistema de inovação aberta.
Eles afirmam que “as parcerias de inovação e o modelo “compartilhar é vencer” (sharing is winning) representam uma mudança de paradigma para acelerar o codesenvolvimento de inovações sustentáveis, com alinhamento de toda a cadeia de valor voltados a inovações centradas no consumidor”.
Essa mudança inclui 3 níveis de desenvolvimento conjunto típico:
- universidades, institutos e centros de pesquisa e centros;
- start-ups e inventores individuais;
- um número seleto de fornecedores estratégicos chave.
A proposta deles envolve recomendações em 10 principais tópicos identificados:
- liderança,
- estratégia,
- consumidor,
- cadeia de valor,
- especialistas internos e champions,
- métricas,
- proteção intelectual,
- cultura,
- academia e
- paixão.
Os seguintes links remetem para conteúdos na flexM4I que tratam de alguns desses tópicos.
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Essa “área” de P&D com escopo expandido pode ser unificada com os conceitos apresentados na prática “setor” de inovação.
“Área” de P&D centralizada ou distribuída?
Nas grandes corporações existem as duas alternativas.
Vantagens da área de P&D centralizada:
- pessoas especializadas compartilham os conhecimentos
- possibilidade de recrutar talentos mundiais e formar times diversificados e multifuncionais de classe mundial
- economia na construção de infraestrutura cara para pesquisa e desenvolvimento
A maior desvantagem da área de P&D centralizada é a distância das unidades de negócio, principalmente se estiverem em outros países, o que pode levar a desenvolvimentos que não consideram as características locais.
Por exemplo, no passado a FORD desenvolveu nos USA de forma centralizada uma caminhonete / picape para usos diversos, focando tanto para o uso profissional como o de famílias. Porém, devido ao seu peso, seu uso no Brasil exigia que o motorista possuísse uma carteira de habilitação profissional (categoria C), o que não é comum, o que levaria a um grande fracasso em vendas no país. A empresa teve de ajustar o projeto tardiamente para se adequar à legislação brasileira.
A vantagem de uma área de P&D distribuída é estar perto da planta de produção e do mercado local, que melhora a possibilidade de se considerar as características locais.
Desafios
As corporações que implementam áreas distribuídas de P&D devem ser capazes de criar pontes entre culturas diferentes para motivar o trabalho colaborativo.
Uma forma é criar projetos de curto prazo entre as áreas de P&D centrais e locais. Uma prática usual é realizar reuniões de alinhamento presenciais, nas quais as pessoas terão contato face a face, realizando até outras atividades mais lúdicas de trabalho em equipe. Assim, depois de um contato pessoal, fica mais fácil realizar projetos colaborativos virtuais.
Muitas multinacionais deixam a sua área de P&D centralizada na sede da empresa. Nos países das suas plantas produtivas, são criadas áreas de engenharia de aplicação, para adequar os produtos às condições locais. Com a possibilidade de trabalho remoto colaborativo, essa prática tornou-se comum. Observe que os desafios dessas áreas locais contemplam parte do desenvolvimento. Não são realizadas pesquisas relacionadas com a tecnologia. Mesmo assim, a unidade local cria uma área denominada de P&D.
Em outros casos, a unidade de negócio local só produz e não se envolve com os desenvolvimentos de novas ofertas. O escopo da inovação fica restrito à busca da excelência operacional (aumento de produtividade, diminuição de custos etc.). Nesses casos também é possível encontrar uma área de P&D voltada à inovação do processo produtivo, processos administrativos e marketing.
Novo nome para esta área?
A tradição desta denominação está bem arraigada na cultura empresarial. Considere a proposta que fizemos na seção “Articulação da gestão da inovação com outras iniciativas” de
“desconstruir” todas as abordagens e integrar seus princípios e práticas na “próxima versão” da gestão da inovação da sua empresa
Assim, talvez você defina um nome mais apropriado para a “antiga” área de P&D, alinhada com as responsabilidades e atividades dessa “área” no contexto da articulação de todos os processos e iniciativas de inovação da sua empresa.
Exemplo
A empresa Bosch ainda utiliza o termo P&D para conotar todas as suas áreas que se envolvem com pesquisa e desenvolvimento no mundo (óbvio não?). Tanto que eles contabilizam que hoje (outubro de 2022) eles possuem 59 mil pessoas envolvidas com P&D.
Mas eles denominam alguns dos seus centros de pesquisa e tecnologia (research & technology), responsáveis por inovação. Porém, a inovação é em tecnologia, com aplicações em diversos segmentos e novos negócios espalhadas pelo mundo. Por exemplo, algumas plantas possuem uma área de novos negócio, responsáveis pela descoberta de novas oportunidades para aplicação dessas tecnologias fora dos segmentos de mercado atuais. Ou seja, aplicação da abordagem de ambidestria com foco nos horizontes de inovação H3 (principalmente) e H2.
Leia mais sobre este exemplo em https://www.bosch.us/our-company/innovation/
Possíveis arquiteturas organizacionais
Este tópico é recomendado somente para os leitores dos níveis de detalhamento avançado.
Na flexM4i temos seções que discutem separadamente algumas práticas, que se confundem com elementos organizacionais, relacionadas com o assunto desta seção, mas que em cada empresa pode ter uma conotação diferente. Neste tópico mostramos como eles podem se relacionar para que a sua empresa adote a arquitetura organizacional mais apropriada para o nível de maturidade atual dela e seu ecossistema.
Alternativas
- usamos o termo genérico “espaço” de inovação para denominar um espaço físico para apoiar a inovação. Este espaço pode conter um espaço maker ou um Fab Lab.
- usamos o termo genérico “setor” de inovação para denominar um setor responsável pela orquestração da inovação, que em algumas empresas é a própria “área” de P&D. É relacionado com a inovação corporativa / gestão da inovação.
- usamos o termo genérico “área” de P&D para denominar uma unidade organizacional onde se realizam as pesquisas e desenvolvimentos de tecnologias, produtos, serviços, processos etc. No entanto, o novo significado de P&D, descrito no tópico “reinventando o P&D”, torna este termo semelhante com “setor de inovação”.
- “hub ou centro” de inovação em uma empresa (corporativo) está relacionado com o corporate venturing, com foco na construção de um ecossistema e com iniciativas de criação / conexão com startups. O hub promove a inovação aberta dentro do contexto da hélice tríplice.
- em algumas empresas o “setor” e o “hub” de inovação podem estar integrados e podem incluir o P&D.
- existem outros tipos de hubs de inovação, que não fazem parte de uma empresa (veja a seção correspondente)
- a estrutura organizacional em geral é composta ainda por elementos organizacionais (departamentos, áreas etc.) e times multidisciplinares (como squads etc.), que realizam atividades de inovação, inseridos ou não nos elementos citados anteriormente
- e não devemos esquecer que todos podem inovar, como discutido no intraempreendedorismo, integrado com a inovação corporativa.
Conheça os tipos de arranjos organizacionais para apoiar a ambidestria organizacional, que mostra o hub de inovação como uma opção apropriada para desenvolvimento de inovações de exploração (exploitation). |
Elementos organizacionais versus práticas de inovação
Não existe uma arquitetura organizacional universal para acomodar essas práticas organizacionais relacionadas com a inovação. A próxima figura ilustra as diferentes abrangências dessas práticas. As linhas pontilhadas mostram a possível expansão da abrangência de um elemento organizacional.
Figura 917: ilustração de possíveis abrangências dos termos que indicam elementos da estrutura organizacional e suas relações com práticas da inovação / empreendedorismo corporativo & gestão da inovação
Crie (e experimente) uma estrutura para aprender (vai mudar constantemente); e utilize o termo mais alinhado com a cultura da sua empresa.
Referências
Rothwell, R. (1994). Towards the Fifth‐generation Innovation Process. International Marketing Review, 11(1), 7–31. https://doi.org/10.1108/02651339410057491
Traitler, H., Watzke, H. J., & Saguy, I. S. (2011). Reinventing R&D in an Open Innovation Ecosystem. Journal of Food Science, 76(2). https://doi.org/10.1111/j.1750-3841.2010.01998.x
van der Duin, P., & Ortt, R. (2020). Contextual Innovation Management: Adapting Innovation Processes to Different Situations (1st ed.). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315687131
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