Backcasting
Lógica complementar ao forecasting
flexM4I > abordagens e práticas > Backcasting (versão 1.0)
Autoria: Henrique Rozenfeld ([email protected]) com apoio do chatGPT (leia mais)
Introdução e definição
Esta seção apresenta o conceito de backcasting, uma abordagem de planejamento voltada para a definição de caminhos estratégicos a partir de visões de futuro desejadas. Seu uso tem se ampliado em contextos de sustentabilidade, transformação organizacional e inovação orientada por propósito — temas centrais para empresas que desejam moldar ativamente seu futuro em vez de apenas reagir a tendências.
Na flexM4i, essa abordagem é considerada na aplicação de abordagens e práticas como roadmapping, planejamento estratégico e tese de inovação, funcionando como um meio para operacionalizar estratégias transformadoras — aquelas que não podem ser alcançadas apenas pela continuidade do presente.
Backcasting é uma abordagem estratégica e orientada a problemas complexos de longo prazo, na qual se parte de um futuro desejado e se caminha retroativamente até o presente para identificar as ações, capacidades e políticas necessárias para sua realização (Dreborg, 1996).
Em vez de prever o que pode acontecer (como no forecasting), o backcasting pergunta:
“Se quisermos atingir esse cenário futuro, o que precisamos começar a fazer hoje?”
Quando usar o backcasting
O backcasting é particularmente útil em contextos onde a continuidade do presente não leva aos resultados desejados. Trata-se de uma abordagem indicada para situações em que a organização precisa romper com tendências dominantes, superar limitações estruturais ou propor novas possibilidades estratégicas.
A seguir, estão agrupados alguns contextos típicos de aplicação.
Sustentabilidade e transições sistêmicas
- Quando são necessárias mudanças estruturais de longo prazo (ex.: transição energética, neutralidade de carbono, economia circular).
- Quando os cenários prováveis apontam para futuros indesejáveis e é preciso construir alternativas normativas.
Inovação transformadora
- Quando a organização define uma tese de inovação ambiciosa que não pode ser alcançada com melhorias incrementais.
- Quando há intenção de reposicionar a oferta, o modelo de negócio ou o papel da organização no ecossistema.
Planejamento estratégico orientado por propósito
- Quando a organização parte de uma visão de futuro clara e precisa identificar marcos intermediários e decisões prioritárias.
- Quando se deseja integrar objetivos intencionais de longo prazo ao processo de planejamento, mesmo em cenários incertos.
Roadmapping em horizontes de ruptura
- Quando o roadmap não se limita a mapear tecnologias emergentes após mapear a situação atual, mas busca alinhar capacidades e recursos a uma ambição estratégica futura.
- Quando se trabalha com horizontes de inovação mais distantes (H3), em que o grau de incerteza impede projeções lineares.
Em todos esses casos, o backcasting ajuda a trazer o futuro para o presente, permitindo que decisões atuais sejam guiadas por propósitos estratégicos — e não apenas por restrições conjunturais ou pressões externas.
A abordagem backcasting e a tese de inovação A tese de inovação define uma visão estratégica e transformadora de longo prazo — uma direção de futuro desejado que orienta os investimentos e esforços da organização. Essa integração se justifica especialmente quando a tese expressa mudanças não lineares, que não podem ser alcançadas apenas pela extrapolação das tendências atuais. |
Forecasting, foresight e a composição com o backcasting
Este tópico explora como o backcasting se relaciona com o campo do foresight, no qual é considerado uma de suas abordagens metodológicas. São apresentadas as distinções entre foresight, forecasting e backcasting, bem como suas possibilidades de integração em processos de planejamento estratégico e inovação.
Entendendo forecasting e foresight
O termo forecasting refere-se à projeção de futuros prováveis com base em dados históricos, tendências observadas e modelos matemáticos. Ele é amplamente aplicado em projeções de mercado, análises tecnológicas e modelagens quantitativas que ajudam a estimar o que pode acontecer se a trajetória atual for mantida.
Já o foresight é um campo mais amplo e estratégico, que engloba não apenas o forecasting, mas também métodos qualitativos e participativos como construção de cenários, painéis de especialistas, workshops de futuro e backcasting. Como destaca Popper (2008), o foresight é caracterizado por quatro atributos principais: evidência, expertise, criatividade e interação.
Como destaca Adegbile et al. (2017), o foresight pode ser entendido como uma capacidade organizacional de detectar, interpretar e agir diante de sinais do ambiente externo que sugerem possíveis futuros, sendo particularmente relevante para a gestão da inovação.
Foresight é um processo estruturado de exploração de futuros múltiplos e viáveis, integrando métodos qualitativos e quantitativos, com foco em antecipação estratégica, aprendizado organizacional e formulação de visões de futuro.
A figura abaixo mostra como diferentes métodos se distribuem ao longo dos eixos de criatividade, evidência, expertise e interação. O backcasting é apresentado como um dos métodos qualitativos utilizados dentro do foresight, posicionado entre criatividade e expertise (Popper, 2008).
Figura 1345: o “foresight diamond” que apresenta e classifica os métodos de foresight
Fonte: Popper (2008)
Diferenças conceituais entre forecasting e backcasting
Embora forecasting e backcasting possam ser combinados, eles partem de lógicas temporais opostas. A tabela a seguir resume suas principais diferenças conceituais.
Tabela 1346: diferenças conceituais entre forecasting e backcasting
Forecasting | Backcasting |
---|---|
Parte do presente | Parte de um futuro desejado |
Baseia-se em tendências e dados históricos | Foca em condições e ações necessárias para atingir o futuro |
Indica o que provavelmente acontecerá se o caminho atual continuar | Considera que o futuro pode exigir mudanças de rota ou rupturas |
Útil para decisões de curto/médio prazo | Útil para transformações estratégicas e inovação de longo prazo |
Enquadra-se em contextos de validação | Parte de contextos de descoberta |
Assume um futuro provável | Trabalha com futuros normativos (desejáveis) |
Apoia planejamento incremental | Apoia visão estratégica e ruptura deliberada |
Composição entre foresight, forecasting e backcasting
Apesar de operarem com lógicas distintas, forecasting e backcasting podem ser integrados dentro de processos de foresight para enriquecer a tomada de decisão.É possível (e recomendado, em certos contextos) que sejam utilizadas de forma complementar. Essa composição enriquece a análise estratégica ao integrar tanto a continuidade do presente quanto a intenção transformadora do futuro desejado.
- Forecasting projeta cenários prováveis com base em dados e tendências atuais. Responde à pergunta: “O que provavelmente acontecerá se nada mudar?”
- Backcasting parte de um futuro desejado e caminha para trás, respondendo: “Se quisermos chegar lá, o que precisamos fazer agora?”
Essas abordagens podem ser vistas como duas lentes complementares: forecasting oferece uma linha de base realista, enquanto o backcasting tensiona os limites, projetando rupturas e visões ambiciosas.
A composição pode contemplar:
- Forecasting como linha de base para o backcasting: As projeções quantitativas ajudam a entender o que é provável se não houver mudança, servindo como ponto de partida para tensionar a necessidade de transformação.
- Backcasting como abordagem orientada por propósito no foresight: Quando os cenários prováveis indicam futuros indesejados, o backcasting ajuda a construir alternativas desejadas e a planejar caminhos para atingi-las.
- Integração em roadmaps e portfólios: Forecasting (ou foresight em sentido amplo) pode informar camadas prospectivas (tendências, tecnologias), enquanto o backcasting estrutura metas normativas de longo prazo.
Origem e aplicações do backcasting
O termo backcasting foi proposto por John Robinson em 1990, em contraste ao uso predominante do forecasting em estudos de futuro. Desde então, vem sendo adotado como alternativa metodológica em contextos que exigem a definição de caminhos estratégicos para alcançar futuros desejáveis (Holmberg & Robèrt, 2000).
Aplicações na literatura
Holmberg & Robèrt (2000) aplica o backcasting como um framework de planejamento estratégico voltado para a sustentabilidade.
Dreborg (1996) justifica seu uso como alternativa ao raciocínio causal tradicional com base na perspectiva teleológica. Ele afirma que essa perspectiva reconhece que decisões humanas podem ser orientadas por intenções futuras, e não apenas por pressões ou causas do passado.
O verbete sobre a perspectiva teleológica, além de apresentar a definição, discute o embasamento que essa perspectiva fornece à abordagem backcasting. |
A abordagem backcasting também foi adotada por diversas iniciativas de planejamento estratégico da União Europeia, como evidenciado no guia “How to get started with the backcasting approach” (European Commission, 2023), no contexto da construção de visões nacionais estratégicas para ciência cidadã.
Exemplos ilustrativos e fictícios de aplicação
- Descarbonização: Uma empresa que define como visão “ser neutra em carbono até 2040” usa backcasting para identificar os marcos intermediários (como tecnologias, mudanças culturais e operacionais) que precisam ser atingidos em 2025, 2030 etc.
- Acesso a novos mercados: Uma organização visualiza a entrada em um novo mercado internacional em 10 anos e usa o backcasting para planejar o desenvolvimento de competências, a criação de alianças e as etapas de prototipagem necessárias para alcançar esse objetivo.
ABCD Process - The Natural Step
Um exemplo da aplicação prática do backcasting é o ABCD Process, desenvolvido pela organização The Natural Step, voltado ao planejamento estratégico para a sustentabilidade. A figura a seguir ilustra esse processo, conectando a visão de futuro às ações estratégicas no presente.
Figura 1344: Processo ABCD para planejamento estratégico para a sustentabilidade baseado no raciocínio da abordagem backcasting
Fonte: The Natural Step. (n.d.)
A sigla ABCD representa as quatro fases do processo:
- A – Awareness & Vision (Consciência e Visão): Criação de uma visão compartilhada de futuro sustentável, com base em princípios de sustentabilidade e compreensão sistêmica do contexto.
- B – Baseline Analysis (Análise da Situação Atual: Mapeamento da situação presente da organização, com foco em identificar lacunas entre o estado atual e a visão desejada.
- C – Creative Solutions (Soluções Criativas): Geração de ideias e alternativas inovadoras que possam contribuir para aproximar a organização do futuro almejado, sem restrições imediatas.
- D – Decide on Priorities (Definição de Prioridades): Seleção e ordenamento das ações a serem realizadas, considerando viabilidade, impacto e coerência com a visão estabelecida.
Essa representação ilustra como o backcasting pode ser operacionalizado como parte de um processo de planejamento participativo, estruturado e intencionalmente orientado ao futuro.
Considerações na flexM4i
Na flexM4i, a composição de forecasting, foresight e a backcasting pode ser aplicada em diversos contextos:
- Roadmapping, ao integrar trajetórias projetadas com metas transformadoras;
- Tese de inovação, para formular visões de futuro ambiciosas e estruturar as escolhas estratégicas;
- Planejamento estratégico, quando este não busca apenas reagir ao ambiente, mas moldar cenários futuros;
- Gestão de portfólios de inovação, ao considerar tanto alternativas incrementais quanto rupturas intencionais, combinando assim riscos previsíveis e objetivos deliberados.
Essa composição não é automática, mas pode ser estruturada como parte de um processo de planejamento iterativo, no qual as previsões ancoram o diagnóstico e o backcasting orienta a mudança.
Essa articulação entre análise projetiva e construção intencional amplia a capacidade da organização de moldar, e não apenas reagir ao futuro.
Considerando ainda um aspecto teórico, trazemos a seguir exemplos fictícios para ilustrar como a flexM4i incorpora a perspectiva teleológica, base para o backcasting.
A perspectiva teleológica está presente quando:
- Se parte de uma visão futura (to-be) para projetar roadmaps que orientem as iniciativas e decisões estratégicas.
Exemplo: ao estabelecer como visão tornar-se líder em soluções regenerativas até 2035, a empresa estrutura um roadmap com marcos tecnológicos, regulatórios e de posicionamento de mercado para orientar suas decisões desde o presente. - Se define uma tese de inovação com base em objetivos estratégicos, porque normalmente a tese de inovação vem antes da definição dos objetivos operacionais.
Exemplo: a tese “ampliar o acesso à mobilidade urbana de baixo carbono” orienta os critérios para seleção de projetos e investimentos, mesmo antes da definição de metas quantitativas ou indicadores específicos. - Se orienta a inovação por intenções organizacionais deliberadas, e não apenas reativas a mudanças no ambiente.
Exemplo: em vez de apenas responder à entrada de novos concorrentes, a empresa estrutura um programa de inovação com foco em servitização, alinhado à intenção de transformar seu modelo de negócio em cinco anos.
A visão futura (to-be) pode surgir da análise da situação atual (as-is), associada a objetivos de longo prazo que, orientados por um propósito, são desdobrados em estratégias segundo a lógica backcasting.
Neste contexto podemos definir uma tese de inovação, que documenta: as razões (por quê), a direção estratégica (para onde), os investimentos planejados (quanto) e a antítese, ou seja, o que não deve fazer parte do escopo das iniciativas de inovação.
Leia mais na flexM4i: – a definição da perspectiva teleológica – a seção sobre tese de inovação. |
Apoio do chatGPT
Foi utilizada a versão mais recente do ChatGPT-4o, com funcionalidades aprimoradas de análise e geração textual.
Procedimento antes da iteração com o chatGPT
Foi feita uma pesquisa sobre publicações sobre backcasting e foram utilizadas publicações clássicas sobre foresight. Inicialmente foi realizada uma leitura superficial dessas publicações.
Trabalho interativo com o chatGPT
A criação desta seção teve a duração de mais de 8 horas com 45 interações “ser humano – máquina (chatGPT)”, e foi distribuída ao longo de 2 dias. A conversa com o chatGPT compôs 67 páginas com um total de mais de 17 mil palavras.
A grande quantidade de páginas resultou da aplicação de prompts longos, que em muitos casos incluíam o fornecimento de conteúdos extensos ao ChatGPT para análise, síntese ou reorganização.
O desenvolvimento desta seção surgiu de um detalhamento da edição da seção sobre tese de inovação.
Em nenhum momento o autor fez perguntas para o chatGPT responder com os seus conhecimentos gerais. Todas as perguntas e pedidos de análise e resumo foram baseadas nas publicações alimentadas.
Conforme o chatGPT propunha algum texto, o autor criticava e depois de algumas iterações, ele editava pessoalmente a versão final.
O autor conferia no original se aquelas afirmações geradas pelo chatGPT estavam corretas e correspondiam às publicações originais.
Esses ajustes exigiram iterações extensas e repetitivas, até que se atingisse uma versão consistente com os dados originais do artigo.
Em diversos momentos, as versões dos tópicos foram alimentadas no chatGPT para que ele analisasse e indicasse pontos de melhoria, que foram avaliados pelo autor. Algumas vezes, o autor não concordava com as sugestões. A partir de “debates” e após ajustes e reformulações, chegamos a um consenso sobre a versão final.
Durante a confecção de cada um dos tópicos, o sumário foi sendo atualizado.
A versão final foi alimentada para que o chatGPT analisasse redundâncias e propusesse pontos de melhoria.
Durante todo o processo, foi solicitado que o chatGPT não gerasse uma nova versão dos trechos avaliados. Sempre solicitamos que ele identificasse os problemas e inconsistências com a identificação dos locais onde melhorias deveriam ocorrer.
Em alguns casos o autor realizava as melhorias, quando pertinentes. Em outros casos era solicitado que o chatGPT propusesse uma formulação, que era adotada com cuidado. Muitas vezes, as formulações eram adotadas, mas em uma leitura final, o autor as modificava.
Referências
Adegbile, A., Sarpong, D., & Meissner, D. (2017). Strategic foresight for innovation management: A review and research agenda. In International Journal of Innovation and Technology Management (Vol. 14, Issue 4). https://doi.org/10.1142/S0219877017500195
Dreborg, K. H. (1996). Essence of backcasting. Futures, 28(9), 813–828. https://doi.org/10.1016/0016-3287(96)00044-4
European Commission. (2023). How to Get Started with the Backcasting Approach. Horizon Europe Policy Support Facility. Publications Office of the European Union. https://data.europa.eu/doi/10.2777/305248
Holmberg, J., & Robèrt, K. H. (2000). Backcasting—A framework for strategic planning. International Journal of Sustainable Development & World Ecology, 7(4), 291–308. https://doi.org/10.1080/13504500009470049
Popper, R. (2008). How are foresight methods selected? In Foresight (Vol. 10, Issue 6). https://doi.org/10.1108/14636680810918586
The Natural Step. (n.d.). The ABCD process. Disponível em: https://thenaturalstep.org/approach/ Recuperado em 25/4/2025