Pessoas e Organização
Cultura organizacional e gestão da mudançaflexM4I > a teoria > pessoas e organização > Cultura organizacional e gestão da mudança (versão 2.1)
Autoria: Henrique Rozenfeld ([email protected])
Introdução
A cultura organizacional é o aspecto mais importante para viabilizar que pessoas qualificadas possam inovar (até mais importante que a estrutura organizacional), como mostramos no tópico “Análise da cultura organizacional na gestão de mudança e da inovação” da visão sistêmica das perspectivas de pessoas e organização.
Hemerling et al., 2018 mostraram que as empresas que focaram em cultura atingiram cinco vezes mais resultados na transformação digital do que aquelas que não focaram em cultura.
Uma discussão mais ampla sobre este tema está na abordagem sobre gestão da mudança, na qual apresentamos um tópico sobre a relação da gestão da mudança com a inovação. Nesta seção tratamos de dois tipos aspectos da gestão de mudança no contexto da gestão da inovação: |
Definição
“A maneira mais simples para se definir o tema cultura organizacional costuma ser a forma como as coisas são feitas por aqui’‘ (Gerolamo, 2019).
Cultura Organizacional é o padrão de pressupostos básicos de um dado grupo de pessoas para lidar com seus problemas de adaptação externa e integração interna, e que tem funcionado bem o bastante para ser considerado válido, e, portanto, para ser ensinado para novos membros da organização como a forma correta para perceber, pensar, e sentir ao enfrentar esses problemas (Schein, 1984).
Como toda inovação mais radical implica em mudanças da cultura organizacional, a gestão da mudança visando a inovação deve ser tratada neste contexto.
Os líderes precisam entender que a cultura é dinâmica e que sempre muda, mesmo que eles não façam nada. Os valores, mentalidade e comportamentos dos colaboradores mudam e podem não estar alinhados com as necessidades da sua empresa (Watkins et al., 2021).
Gestão de mudança para inovação
Harrington (2018) dividiu a gestão da mudança para inovação (ICM – innovation change management) e dois tipos:
- project change management (PCM) e
- cultural change management (CCM)
A PCM abrange a gestão da mudança para a realização de um projeto. Ela tem um impacto menor, porque o escopo é relacionado somente com as pessoas que participam de um projeto. Assim, as pessoas têm menos stress e recuperam-se mais rapidamente durante o período de mudança em comparação com a CCM. No entanto, a PCM contribui para a mudança cultural somente uma parte da organização.
A CCM é mais abrangente, pois objetiva mudar toda a empresa. Portanto, ela é mais demorada, mas sua contribuição é mais significativa para a empresa. O autor recomenda que se inicie com a PCM para ter um caso de sucesso a curto prazo. Depois pode se expandir para toda empresa por meio da CCM.
A cultura de inovação possui características que podem ser divididas em categorias, que serão discutidas na síntese das perspectivas de pessoas e organização do framework da flexM4I. Elas englobam as características das pessoas (algumas já foram listadas no tópico anterior sobre cargos e papéis) e da organização.
Watkins et al. (2021) identificaram sete elementos de uma cultura adaptativa, que contribuem para uma rápida adaptação (agilidade) exigida nas transformações organizacionais, inovação e resiliência organizacional:
- entender e priorizar as necessidades dos clientes ao invés de focar em produtos ou lucro
- priorizar o sucesso de todo o ecossistema de inovação e não somente sua empresa
- tomar decisões baseadas em dados e analytics ao invés de se basear em experiência e julgamento subjetivo
- engajar em colaboração com outras áreas e empresas de forma pró-ativa, assim como trabalhar em times
- valorizar velocidade e não a minimização de riscos
- adotar a mentalidade da experimentação e aprendizado rápido
- líder é um facilitador que deve empoderar e energizar as pessoas
As características são abstratas, assim como a definição de cultura organizacional que colocamos no início deste tópico. Muitas vezes, quando vemos uma lista de características, vem logo o pensamento: “está bem, mas o que devo fazer na minha empresa para melhorar a cultura de inovação?”.
Dificuldades para mudar a situação atual
O status-quo da situação atual estabelece expectativas nas pessoas, que são caracterizadas pelo ambiente familiar, seguro, relativamente estável com um senso de propósito individual. Mudanças podem quebrar esse equilíbrio (Harrington, 2018). A situação atual traz a sensação de:
- confiança
- competência
- controle da situação
- conforto
Essas sensações criam um estado mental instável perante mudanças. Mesmo que a inovação (e mudança recorrente) esteja ainda na fase de planejamento, a produtividade das pessoas cai, porque elas ficam discutindo como que essa inovação e incertezas irão afetar a situação atual. Se a cultura de inovação não estiver incorporada de verdade em todas as pessoas, a mudança organizacional pode causar:
- baixa estabilidade emocional
- muito stress
- diminuição da produtividade
- ansiedade
- fadiga
- aumento de conflitos
Se o time do projeto de inovação for composto por jovens orientados pelo propósito e com uma vida de oportunidades pela frente, eles, provavelmente, não terão esses problemas. Mas eles ainda não têm experiência. No caso de novas tecnologias, a experiência e acomodação dos colaboradores mais experientes podem se tornar barreiras à inovação. As demais pessoas da empresa, que possuem experiência, vão boicotar as iniciativas por causa dos motivos listados acima. Se a experiência for um fator de sucesso, tem de ocorrer uma mudança cultural.
Ações para mudança cultural
Existe um grande número de possíveis ações a serem realizadas para se evitar e minimizar os problemas e, assim, mudar a cultura.
Watkins et al. (2021) propõe as seguintes ações de mudança cultural, que adaptamos como um checklist (não necessariamente elas devem ser realizadas na ordem apresentada):
- reconhecer que a mudança cultural é um trabalho árduo
- mobilizar a liderança para assumir a transformação da cultura
- definir a cultura desejada na forma de valores, princípios e comportamentos de apoio
- criar uma imagem clara do estado futuro desejado.
- lançar uma intensa campanha de comunicação sobre os novos princípios
- associar à gestão de mudanças, que deve incorporar os mesmos princípios e comportamentos
- incorporar a nova cultura nos processos na definição de metas pessoais em todos os níveis
- integrar com o sistema de incentivos e recompensas. A liderança deve dar atenção e explorar (e experimentar) as diversas formas de incentivos necessários para reforçar a mudança cultural e comportamental desejada.
- alinhar os processos de gestão de pessoas à cultura desejada. Todos os processos de gestão de pessoas importantes (recrutamento, contratação, avaliação, gestão de desempenho e desenvolvimento de competências) devem ser avaliados cuidadosamente e consistentemente modificados para impulsionar a cultura desejada.
- reconhecer que a responsabilidade pela cultura não pode ser delegada (os executivos seniores, incluindo o CEO, devem ser a face e a voz da mudança cultural). Se a alta liderança não apoiar de maneira autêntica e genuína a transformação cultural desejada, os esforços de mudança provavelmente fracassarão.
- explicar exaustivamente a necessidade de mudança cultural e os impactos que terão sobre os indivíduos e equipes, pois ansiedade, cinismo e resistência inevitavelmente aumentam quando as pessoas não entendem a necessidade de mudança
- envolver as pessoas, solicitar feedback, receber e considerar as sugestões. A inclusão mais ampla gera aceitação, se não compromisso total. As pessoas tendem a apoiar ações que elas ajudam a criar. Estabelecer redes de defensores da cultura apaixonados e altamente engajados é o caminho para alcançar todos os funcionários. Essas redes de funcionários são gerentes de linha de frente e trabalhadores que defendem a mudança.
- construir uma ponte entre a situação atual e a cultura futura desejada. Nenhuma organização quer ignorar e não preservar os elementos fundamentais da cultura que a impulsionaram para o sucesso no passado (que mudou). Os pontos fortes duradouros da cultura legada devem ser reconhecidos e integrados na cultura do futuro.
- construir um roadmap de mudança cultural com representação visual do caminho futuro
- reforçar a cultura desejada em todos os canais organizacionais.
- recompensar rapidamente a cultura emergente. Capacitar gerentes e líderes a reconhecer e recompensar imediatamente as pessoas por se mostrarem diferentes é vital
- reconhecer que a mudança cultural é uma maratona e não uma corrida de curta distância.
Mas não cansamos de repetir. Cada caso é um e somente depois de uma avaliação da situação atual (diagnóstico) é que você poderá traçar um caminho para a próxima etapa da sua jornada de inovação de acordo com os seus objetivos, seu repertório (ou melhor os repertórios das pessoas do seu time), nível de maturidade da sua organização e fatores contextuais.
Os fatores contextuais influenciam como obter a cultura desejada. Como exemplo de fatores citamos: tipo de inovação, setor, tamanho da empresa, estratégia, tecnologia, grau de novidade etc. (ver a lista completa no capítulo “fatores contextuais e tipologias de inovação”).
Incorporar na cultura organizacional o princípio da “desconstrução” do conceito da gestão da inovação e da integração dos princípios e práticas extraídos das abordagens e metodologias de inovação, que podem ser considerados elementos das capabilidades de sua empresa.
Início do capítulo: dilemas e visão sistêmica
< Competências e atitudes individuais
fim do capítulo – retornar para o mapa da sua trilha ou para o sumário do livro >
Referências
As referências a seguir não são somente desta seção, mas de todo o capítulo de pessoas e organização.
ACER, 2021. https://acestartups.com.br/como-funcionam-os-squads-nas-empresas-inovadoras/ visitada em 07/09/2021
Algahtani, D. A. (2014). Are Leadership and Management Different? A Review. Journal of Management Policies and Practices, 2(3), 71–82. https://doi.org/10.15640/jmpp.v2n3a4
Bäcklander, G. (2019). Doing complexity leadership theory: How agile coaches at Spotify practise enabling leadership. Creativity and Innovation Management, 28(1), 42–60. https://doi.org/10.1111/caim.12303
Beer, M.; Nohria, N. Cracking the code of change. Harvard Business Review, p.133-141, May-June, 2000.
Bianchi, M. J., Conforto, E. C., & Amaral, D. C. (2021). Beyond the agile methods: a diagnostic tool to support the development of hybrid models. International Journal of Managing Projects in Business, 14(5), 1219–1244. https://doi.org/10.1108/IJMPB-04-2020-0119
Brown, Kyle & Vo, Chinh (2021) Build effective squads. https://www.ibm.com/garage/method/practices/culture/practice-building-effective-squads/ Visitado em 7/9/2021
Christensen, C. M. & Overdorf, M. (2000). Meeting the challenge of disruptive change. Harvard Business Review, p.66-76.
Connors, R. & Smith, T. (2011). Mude a cultura da sua empresa e vença o jogo: por que criar uma cultura organizacional com base em responsabilidades produz resultados excepcionais. Tradução de Sabine Holler. Rio de Janeiro: Elsevier.
Denti, L., & Hemlin, S. (2012). Leadership and innovation in organizations: A systematic review of factors that mediate or moderate the relationship. International Journal of Innovation Management, 16(3), 1–20. https://doi.org/10.1142/S1363919612400075
Dweck, C. S. (2017). Mindset: a nova psicologia do sucesso. Tradução de S. Duarte. São Paulo: Objetiva.
Kessler, R. (2008). Competency-based performance reviews: How to perform employee evaluations the Fortune 500 way. Red Wheel/Weiser.
Gerolamo, M. C. (2019). Gestão da mudança na perspectiva do comportamento organizacional e da liderança: proposta de um framework teórico e avaliação de iniciativas acadêmicas. Tese de Livre Docência, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. doi:10.11606/T.18.2020.tde-10032020-143539 . Recuperado em 2021-08-28, de www.teses.usp.br
Green, P. C. (1999). Building robust competencies: Linking human resource systems to organizational strategies. Jossey-Bass.
Hansen, M. T., & Birkinshaw, J. (2007). The innovation value chain. Harvard Business Review, 85(6), 121–130, 142. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17580654
Hemerling, J., Kilmann, J., Danoesastro, M., Stutts, L., & Ahern, C. (2018). It’s not a digital transformation without a digital Culture. Boston Consulting Group, 1–11. https://www.bcg.com/publications/2018/not-digital-transformation-without-digital-culture.aspx
Kaplan, R. S. & Norton, D. P. (2000). Having trouble with your strategy? Then map it. Harvard Business Review, p.167-176.
Mintzberg, H. (1979). The structuring of organizations. Engle-wood Cliffs. J: Prentice-Hall
Schein, E. H. (1984). Coming to a new awaresess of organizational culture. MIT Sloan Management Review, 25(2), 3–16.
Schein, E. H. (2009) Cultura organizacional e liderança. Tradução de Ailton Bomfim Brandão; revisão técnica de Humberto Mariotti. São Paulo: Atlas.
Kotter, J. P. (1990). What leaders really do. Harvard Business Review, p.103-111.
TIDD, J.; BESSANT, J. R. (2018) Managing innovation: integrating technological, market and organizational change. John Wiley & Sons.
Tuckman, B. W. (1965). Developmental sequence in small groups. Psychological Bulletin, 63(6), 384–399. https://doi.org/10.1037/h0022100
Steiber, A., & Alänge, S. (2013). A corporate system for continuous innovation: the case of Google Inc. European Journal of Innovation Management.