Inovação sob encomenda

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Autoria: Henrique Rozenfeld (roz@usp.br)

A inovação inicia com o pedido do cliente e possui 6 variações.

Introdução e comparação com a inovação para mercado

A inovação de produto, em geral, possui um viés de inovação para o mercado. A próxima figura ilustra a comparação entre a inovação para o mercado versus sob encomenda.

Figura 49: comparação entre a inovação para o mercado e sob encomenda

Inovação para o mercado

A inovação tradicional para o mercado envolve criar e desenvolver:

  • o produto e 
  • os processos (e recursos) da cadeia de valor para vender, produzir, entregar o produto e prestar serviços eventualmente necessários.

Com base nos resultados do projeto de inovação, os processos da cadeia de valor operam de forma contínua e recorrente para prover e capturar valor. Entre eles destacamos a comercialização, que abrange a venda contínua dos produtos.

No caso de um sistema produto-serviço (PSS), a operação do PSS pode ser compartilhada entre o produtor e o cliente, mesmo assim, vários contratos de uso do PSS podem ocorrer.

Observe que estamos falando de um tipo de objeto de inovação, sistema produto-serviço (PSS). A inovação de outros objetos de inovação podem não seguir essa lógica. Ou seja, a operação do produto fica sob a responsabilidade do cliente.

Inovação sob encomenda

Na inovação sob encomenda, o projeto de desenvolvimento só se inicia após a venda e fechamento do contrato de fornecimento. Envolve a criação e desenvolvimento do produto, serviços e os processos da cadeia de valor, como no caso anterior. Adicionalmente, produzir e entregar fazem parte do escopo de um projeto (por isso é que na figura anterior esses dois processos estão dentro da “flecha branca”, que representa o projeto). Além disso, a produção e entrega ocorrem somente uma vez.

É o caso do desenvolvimento de uma hidrelétrica, de uma estrada, de um aeroporto, de uma fábrica etc.

É comum que a empresa forneça a inovação (resultado) uma só vez e não se responsabilize pela sua operação/uso.

Por exemplo, após uma construtora finalizar uma hidrelétrica ou uma estrada, normalmente, é um outro consórcio de empresas que assume a operação.

Caso a empresa, que desenvolveu, continue a apoiar a operação, ou mesmo operar o produto depois do desenvolvimento, ela continuará a prover serviços e a capturar valor. Na operação do negócio, a empresa provê os serviços (atividades recorrentes).

Por exemplo, quando a empresa que desenvolveu e fabricou estiver fizer parte do consórcio que opera o resultado do projeto de inovação.

O desenvolvimento de uma hidrelétrica dificilmente será uma inovação disruptiva. Mas, pense em produtos como: fábrica de produção de celulose (sim, a fábrica de celulose é o produto que a empresa fornece para uma outra empresa produzir celulose em uma relação B2B, como a  empresa Valmet Celulose); uma usina de produção de energia a partir de algas ou hidrogênio; e um satélite espacial.

Esses são exemplos de produtos (e serviços associados) que são sob encomenda e que podem ser disruptivos.

O escopo da inovação varia conforme a relação entre os participantes do negócio, como explicamos nos próximos tópicos de “variações da inovação sob encomenda”

Variações da inovação sob encomenda

De acordo com possíveis estratégias de associação das vendas com a produção, a inovação sob encomenda pode ser classificada como sendo a estratégia ETO (engineering to order), que significa que se inova (engineering) a partir de um pedido (order) do cliente.

Esses tipos de associações que resultam nessas classificações são importantes para se configurar os sistemas de gestão integrada (ERP: enterprise resource planning). Devido a este fato, as fontes que discutem essas alternativas podem ser encontradas nas descrições de sistemas ERP. Selecionamos duas para você conhecer um pouco mais sobre essas classificações:

Consideramos aqui ETO como inovação sob encomenda, independente se for uma solução complexa ou não.

Normalmente, a inovação  sob encomenda envolve o relacionamento B2B (business to business, ou em português, de empresa para empresa). Porém isso varia por setor industrial. Nos setores da moda e da construção civil, é frequente que no relacionamento B2C (business to customer, ou em português, de empresa para o cliente) ocorram inovações sob encomenda.

Por exemplo, você (como cliente / customer) pode encomendar a construção de uma residência de acordo com os seus requisitos específicos.

Tratamos a seguir de relações B2B e discutimos a inovação do ponto de vista do fornecedor da inovação (o primeiro B da relação B2B). Assim, na inovação sob encomenda, as seguintes variações são possíveis.

Variação 1: o cliente fornece especificações detalhadas sobre o resultado final

O cliente fornece especificações detalhadas sobre o resultado final da inovação e contrata o fornecedor para implementar a cadeia de valor. É discutível se essa variação pode ser considerada uma inovação. Essa estratégia é conhecida pelo nome “follow source” (siga a fonte, em português) ou subcontratação da produção. Existe espaço para inovação do processo produtivo e em características dos demais processos da cadeia de valor, além de potencial de inovação em outras perspectivas na empresa.

Este é o caso de empresas de manufatura para a indústria eletrônica, como a Flextronics, ou de roupas e calçados.

Variação 2: O cliente cria especificações iniciais do resultado final

O cliente cria especificações iniciais do resultado final e contrata um fornecedor para realizar o resto da inovação (detalhamento do desenvolvimento e implementação), da inovação. Essas especificações iniciais podem ser ideias da solução com diferentes níveis de detalhamento.

Observe que a inovação (concepção) ocorre no cliente, que pode ser até disruptiva ou radical. Normalmente, as inovações no fornecedor são incrementais, pois ele deve seguir as especificações iniciais. Porém, podem ocorrer inovações disruptivas no fornecedor, caso algum sistema ou subconjunto utilize novas tecnologias ou soluções que o cliente não tenha especificado. Isso depende do grau de liberdade, confiança e maturidade da relação B2B.

A fabricação / produção da solução final poderá ser realizada pelo cliente, pelo fornecedor do resto da inovação, ou outra empresa terceirizada. Se for em uma empresa terceirizada, pode haver uma combinação dessa variação com a variação 1.

Este é o caso da AKAER, como centro de desenvolvimento (detalhamento) para indústria aeronáutica. 

Variação 3: O cliente cria especificações iniciais do resultado final e faz pedido de propostas

Esta variação é uma mudança da anterior (variação 2). O cliente cria especificações iniciais do resultado final e faz um pedido de propostas / cotações (RFP – request for proposal). O fornecedor participa de uma concorrência (por meio de editais e/ou licitações) para conseguir o pedido (order) de inovação (engineering / desenvolvimento). Preparar a proposta, para participar da concorrência, envolve o desenvolvimento técnico com base nas características solicitadas na RFP para poder concorrer. É mais do que as atividades comerciais de “vender” como na variação 2.

As especificações iniciais, nesses casos, tendem a ser mais detalhadas que no caso anterior.

Observe que a inovação (concepção) ocorre no cliente, que pode ser até disruptiva ou radical. Normalmente, as inovações no fornecedor são incrementais, pois ele deve seguir as especificações iniciais. Porém, podem ocorrer inovações disruptivas no fornecedor, caso algum sistema ou subconjunto utilize novas tecnologias ou soluções que o cliente não tenha especificado. Isso depende do grau de liberdade, confiança e maturidade da relação B2B.

Novamente, a fabricação / produção da solução final poderá ser realizada pelo cliente, pelo fornecedor do resto da inovação, ou outra empresa terceirizada. Se for em uma empresa terceirizada, pode haver uma combinação dessa variação com a variação 1.

São os casos das empresas fornecedoras de componentes do satélite nacional, como a Elebra.

Variação 4: O cliente identifica dores, problemas, oportunidades e contrata o fornecedor para inovar

O cliente deve ter analisado a situação que o levou a contratar a inovação. Ou seja, o cliente entendeu qual o problema a ser resolvido, ou entendeu a situação atual e identificou a oportunidade. Ele mostra quais são os desafios.

Após a “venda”, talvez seja necessário que o fornecedor tenha de se aprofundar no entendimento da situação para conseguir atender aos requisitos dos stakeholders do cliente, pois é o fornecedor que está inovando para o cliente.  Nesta variação temos duas variantes:

Variação 4a: o fornecedor realiza somente a parte inicial da inovação, até a definição do conceito da solução, e o restante da inovação (detalhamento) é realizado por outra empresa.

Nesta variante, a empresa que realiza o detalhamento relaciona-se com o primeiro fornecedor como na variação 3. A relação então passa a ser B2B2B, ou seja, B (cliente) 2 B (fornecedor da inovação até o conceito) 2 B (fornecedor do detalhamento). Nesta variante, ainda, depois que o fornecedor inovou, pode ser que o próprio cliente cuide do detalhamento. 

Novamente, a fabricação / produção da solução final poderá ser realizada pelo cliente, pelo fornecedor, ou outra empresa terceirizada. Se for em uma empresa terceirizada, pode haver uma combinação dessa variação com a variação 1.

É o caso de grandes escritórios de design, como o Porsche Design Studio 

Variação 4b: o fornecedor realiza todas as atividades de inovação, desde a parte inicial da definição do conceito até o detalhamento.

Novamente, a fabricação / produção da solução final poderá ser realizada pelo cliente, pelo fornecedor, ou outra empresa terceirizada. Se for em uma empresa terceirizada, pode haver uma combinação dessa variação com a variação 1.

Variação 5: O cliente identifica dores, problemas, oportunidades e faz um pedido de propostas

Assim com a variação 3 acrescentou a proposição de um pedido de propostas / cotações (RFP – request for proposal) à variação 2 para obter o fornecedor, esta variação 5 acrescenta o mesmo pedido à variação 4. O cliente identifica dores, problemas, oportunidades  (como na variação 4) e faz um pedido de propostas (RFP – request for proposal). O fornecedor participa da concorrência (por meio de editais e/ou licitações) para conseguir o pedido. Normalmente, a empresa que ganha a concorrência (o fornecedor) cuida de toda a inovação.

Após vencer a concorrência, talvez seja necessário que o fornecedor tenha de se aprofundar no entendimento da situação para conseguir atender aos requisitos dos stakeholders do cliente, pois é o fornecedor que está inovando para o cliente. 

Como na variação 3, preparar a proposta envolve o desenvolvimento técnico com base nas características solicitadas na RFP para poder concorrer. É mais do que as atividades comerciais.

Novamente, a fabricação / produção da solução final poderá ser realizada pelo cliente, pelo fornecedor, ou outra empresa terceirizada. Se for em uma empresa terceirizada, pode haver uma combinação dessa variação com a variação 1.

Este é o caso da Usimec, que participa de mais de mil concorrências por ano.

Variação 6: O cliente contrata o fornecedor para inovar em conjunto com ele (co-inovação)

 A venda se dá baseada na competência do fornecedor em inovar. O co-desenvolvimento pode ocorrer no local do cliente ou em colaboração por meios digitais.

Novamente, a fabricação / produção da solução final poderá ser realizada pelo cliente, pelo fornecedor, ou outra empresa terceirizada. Se for em uma empresa terceirizada, pode haver uma combinação dessa variação com a variação 1.

Também pode ser o caso da AKAER em alguns projetos de inovação, quando o seu time de desenvolvedores ficou no cliente Boeing durante o desenvolvimento do Boeing 747/8.

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